domingo, 28 de fevereiro de 2010

Desaquecimento humano

Autor: Chico Alencar
Publicado: Jornal do Brasil
Data: 10/12/2009


Estudiosos da UFRJ, USP, Unicamp e Embrapa alertam: mantidas as condições do atual modelo econômico, até o fim deste século a Amazônia sofrerá perda de 40% da cobertura florestal da área sul-sudeste-leste, que se transformará em savana. O rio Amazonas terá redução da sua vazão em até 30%, o rio Paraná em 53% e o rio São Francisco minguará 70%. No Nordeste, cuja temperatura aumentará até 8ºC, é prevista uma diminuição das chuvas entre 2 e 2,5 milímetros por dia até 2100! Isso afetará todo o país – lar de um quinto das espécies do planeta, espaço da maior biodiversidade da Terra.
Na contramão deste aquecimento, que só não acontecerá se mudarmos radicalmente o modelo de organização produtiva hoje vigente, há um esfriamento de valores constitutivos do ser humano.
A crise ambiental está na ordem do dia e nunca houve tanto debate sobre a doença do planeta. Para ser elevado, porém, ele precisa estar vinculado a visão de mundo, aos destinos da Humanidade, ao tipo de ser humano e de sociedade que até aqui forjamos e que aspiramos. Comprometer quem analisa.
É urgente questionar os estímulos da vida cotidiana no mundo urbano-capitalista. Somos permanentemente seduzidos pelo individualismo consumista, pela cultura da vaidade e da notoriedade, pela lógica do efêmero e da novidade, pela ânsia da compensação financeira. Cada um precisa ser um “vencedor” dentro do novo código da alma, que é o do “dize-me o que compras que dir-te-ei quem és”. Afogamo-nos num poluído mar de necessidades artificiais.
Há um ser humano padrão constituído pela negação da esfera pública da existência e da política. Esta é, cada vez mais, atividade tecnificada, previsível, programada, sem dinamismo, prisioneira do ambiente de negócios e, nas campanhas das cifras milionárias. Não magnetiza, não atrai, não fascina e não alimenta os desejos da pessoa comum, do “homo-consumericus”. “Telemáquinas criadoras do consenso”, na feliz definição de Joel Rufino dos Santos, preenchem o vazio do presente e do futuro. O grande ideólogo da atualidade, é a publicidade que reforça a ilusão do ter.
Neste quadro dramático, cabe reiterar a urgência de uma nova sociedade, tópica e utópica, e sem divórcio entre valores idealizados e prática concreta, conjuntural. É preciso forjar novos paradigmas de pensamento, promovendo a “descolonização do imaginário”, aposentando dogmas. Marx e Lênin, com suas formulações que seguem nos auxiliando para a análise da sociedade de classes, viveram num tempo em que inexistiam a energia atômica, a televisão, a indústria cultural, os sindicatos de massa, a matéria plástica, o computador... O proletariado de seu tempo, e mesmo o de meio século atrás, não é igual ao de agora.
Os setores mobilizáveis para as transformações sociais, na perspectiva de uma sociedade igualitária, são hoje mais amplos e diversos, por um lado. E mais dominados, por outro, pelas sutilezas da exploração, pelo vigor simbólico das forças da alienação. A indicação ao conformismo é eletrônica e massiva: neofatalismo. A imoralidade permanente do Capital reside na exploração e alienação do trabalho, na reprodução da desigualdade (sob a farsa da “igualdade de competição”), na mercantilização de tudo, na chamada “ética das trocas pagas”, na corrupção sistêmica - segundo a Transparência Brasil, 70% das empresas brasileiras gastam até 3% do seu faturamento anual com propinas.
Que forças sociais e indivíduos querem, de fato, buscar novos rumos para a Humanidade?

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Hegemonia, poder e alianças

Escrito por Wladimir Pomar
24-Fev-2010

Os críticos do governo Lula consideram que as classes dominantes aceitaram ceder o discurso político aos dominados, desde que os fundamentos da dominação não fossem questionados. Neste sentido, segundo eles, Lula no poder estaria praticando uma hegemonia às avessas.

Esse tipo de interpretação do governo Lula contém duas assertivas explícitas (o PT teria conquistado a hegemonia na sociedade e teria assumido o Estado ou o poder) e uma implícita (Lula teria costurado um acordo com as classes dominantes para desconstruir a hegemonia petista, praticar o discurso político e não questionar os fundamentos da dominação).

Isto explicaria, ainda segundo os críticos, porque o governo Lula conseguiu alterar a rota do modelo econômico, mas não a lógica de funcionamento da política, deixando com que a concepção de Estado patrimonialista continuasse se sobrepondo à concepção de Estado republicano. Sua base política de sustentação teria trazido à tona as velhas práticas de autoritarismo, assistencialismo, clientelismo e corrupção, para atingir objetivos privados, tão comuns a figuras como José Sarney, Jader Barbalho, Romero Jucá, Geddel Oliveira e outros que, na história política brasileira, são vistos como a junção de tudo o que se tem de pior na política.

Nessas condições, a promessa de ruptura com as Repúblicas Velha e Nova, propiciada pelo surgimento do PT e de Lula na política nacional, não teria se efetivado. A ampla coalizão do governo, o pragmatismo e a incorporação ao governo das principais forças políticas e econômicas do país, incluindo agronegócio, sindicalismo, monetarismo, desenvolvimentismo, capital produtivo e capital financeiro, seriam a demonstração cabal da falta de cumprimento daquela promessa.

O problema principal dessa análise política do governo Lula consiste em que ela parte de premissas falsas. Primeiro, supõe que o PT teria conquistado a hegemonia na sociedade. Isto não corresponde à realidade de 2002, quando Lula chegou ao governo, nem agora, que Lula tem mais de 80% de aprovação nas pesquisas de opinião pública.

A hegemonia não pode ser confundida com uma preferência eleitoral momentânea, nem com a aprovação de ações governamentais e políticas. Hegemonia é um conceito que inclui um conjunto de valores ideológicos e políticos que criaram raízes na sociedade, e que podem perdurar mesmo após mudanças sociais de profundidade. Superioridade dos brancos sobre os negros e direito de ócio aos ricos eram valores hegemônicos na sociedade escravista que ainda continuaram presentes na sociedade capitalista atual. Esta, por outro lado, é marcada pela hegemonia de valores como propriedade privada, lucro, gorjeta, compra da força de trabalho, competição etc. etc.

Ou os críticos não sabem o que é hegemonia, ou criaram uma hegemonia petista artificial, para poder valorizar seus argumentos. O mesmo pode ser dito quanto à suposição de que o PT chegou ao Estado ou ao poder. O PT chegou apenas ao governo, uma parte ínfima do Estado. O aparato do Estado que pertence ao governo, como forças armadas, relações exteriores e segurança pública, é o mesmo das Repúblicas Velha e Nova. Não foi destruído, nem reformado.

O PT não tem maioria no Legislativo e, quanto ao Judiciário, não há o que dizer. A legislação brasileira, com todos os proclamados avanços da Constituição de 1988, continua um emaranhado de leis, decretos e portarias, montado para servir aos grandes e ricos, não aos pequenos e pobres. Um Tribunal de Contas acha-se no direito legal de paralisar obras estratégicas por suspeitas de corrupção ou fraudes. Qualquer funcionário de quarto ou quinto escalão pode barrar o andamento de processos importantes com base num item de uma lei ou portaria de governos anteriores.

Num contexto como esse, somente o delírio crítico poderia gerar idéias tão contraditórias quanto à promessa de ruptura e um acordo de Lula com as classes dominantes. A primeira para, através de um processo eleitoral, liquidar com o Estado patrimonialista e construir o Estado Republicano. A segunda para, através de mágica, desconstruir uma hegemonia inexistente, praticar um discurso político que não lhe pertence e não questionar os fundamentos da dominação da burguesia.

Os críticos confundem alianças táticas com capitulação de princípios. As classes dominantes brasileiras estavam divididas, como continuam ainda hoje, diante dos estragos do neoliberalismo. Tal divisão permitiu um acordo do PT com setores dissidentes daquelas classes, tendo como objeto a retomada do crescimento econômico. E foi esse acordo que permitiu as vitórias de Lula em 2002 e 2006. Acordos desse tipo são delitos na política de esquerda?

Por que constituiria uma desconstrução da hegemonia uma aliança para a conquista eleitoral de um governo central? Os críticos deveriam lembrar-se de que todas as vitórias dos de baixo, em todos os tempos, incluindo as revoluções socialistas e nacionais, como a revolução russa, de 1917, e a revolução cubana, de 1959, aproveitaram-se das divisões dos de cima e incluíram alianças com seus setores dissidentes. Até na Balaiada e na Cabanagem é possível constatar a participação de setores latifundiários dissidentes. Por que agora seria diferente?

Foi esse acordo, ou essa aliança, com alas dissidentes das classes dominantes, em relação aos efeitos da política neoliberal, que permitiu ao governo Lula alterar mais rapidamente a rota do modelo econômico, apesar das resistências ainda enquistadas no governo. No entanto, o acordo não incluía mudar a lógica de funcionamento da política. Embora esta seja uma questão a ser enfrentada, é ilusão supor que basta vontade política para colocá-la na pauta nacional.

Não é de hoje que, no Brasil, a concepção de Estado patrimonialista se sobrepôs à concepção de Estado republicano, mesmo republicano democrático-burguês. Para superar as práticas de autoritarismo, assistencialismo, clientelismo e corrupção, que marcam a história política brasileira, será necessário elaborar uma estratégia consistente de reforma do Estado, no sentido democrático popular. E para colocá-la em prática será preciso ter uma força social e política muito mais ampla do que a existente no momento.

Wladimir Pomar é escritor e analista político.

O socialismo do século XXI: notas para discussão

A burguesia não se depara com os falsos problemas que costumam paralisar o campo popular, esterilizado e desmobilizado em improdutivas discussões a respeito de se movimentos sim ou movimentos não, ou partidos sim ou partidos não. Partidos e movimentos representam dois modos de articular os interesses do campo popular, modos que não são contraditórios e sim complementares

Atílio Boron


O propósito desta conferência é contribuir com alguns elementos para a discussão sobre o socialismo do século XXI. O tema, não por acaso, está sendo objeto de uma intensa e crescente discussão. Se fizermos uma rápida consulta ao Google e verificarmos o número de páginas existentes sobre o "Socialismo do século XXI", veremos que aparecem listadas mais de 1.200.000.

Dado o volume da bibliografia existente, nos limitaremos a examinar algumas idéias que nos parecem centrais e que gostaríamos deixar como aporte para um futuro trabalho de elaboração coletiva. Não têm pretensão alguma de ser exaustivas; pelo contrário, devem ser compreendidas como uma contribuição parcial ao debate em curso, com vistas a se alcançar uma definição cada vez mais precisa do horizonte socialista das lutas emancipatórias de nossa época.

Abordaremos esta reflexão a partir de uma distinção tripartida entre:

1. Os valores e princípios medulares que devem ser a base de um projeto que se reivindique como genuinamente socialista.

2. O programa desse projeto, isto é, o trânsito desde o universo dos valores à agenda concreta da construção do socialismo e as políticas públicas requeridas para sua implementação.

3. Finalmente, o tema do "sujeito histórico" (ou os sujeitos) desse projeto e suas características distintivas.

1. Valores
Trata-se de um tema-chave, porque um projeto socialista não pode manifestar a menor ambigüidade axiológica em relação à sua crítica intransigente e radical à sociedade burguesa. À luz das experiências que tiveram lugar durante a fase "keynesiana" do capitalismo, não se pode alimentar a menor ilusão a respeito da capacidade de se conseguir reformas profundas e sobretudo duradouras na estrutura deste tipo de sociedade. A involução sofrida em conseqüência da contra-revolução neoliberal a partir dos anos 1980 demonstra, fora de dúvida, que os avanços que se tinham produzido nos anos do pós-guerra - e que deram lugar a múltiplas teorizações sobre "o fim das ideologias", o esgotamento da luta de classes, as virtudes da ascensão social, o triunfo da democracia liberal, etc. - estão muito longe de ser irreversíveis.

Esta reversão confirmou, uma vez mais, a extraordinária resistência do capitalismo e sua capacidade para retornar à "normalidade" de seu funcionamento explorador, predatório e opressivo, já que se dissipam as conjunturas ameaçadoras que, nos anos do pós-guerra, o obrigaram a fazer passageiras concessões às classes subalternas. Componente estratégico dessa conjuntura foi a ameaçadora presença da União Soviética. Apesar de sua doutrina oficial de "coexistência pacífica", justamente criticada por Che Guevara em diversas intervenções orais e escritas, a simples existência do exemplo soviético (e, posteriormente, da Revolução Chinesa) obrigou as burguesias metropolitanas a aceitar reivindicações que, antes de 1917, teriam sido respondidas apelando-se aos serviços da gendarmerie.

Isto posto, é preciso sublinhar que um socialismo renovado face ao século XXI não pode ficar reduzido à construção de uma nova fórmula econômica, por mais determinadamente anticapitalista que esta seja. Che tinha toda razão quando disse que "o socialismo como fórmula de redistribuição de bens materiais não me interessa". Trata-se da criação de um homem e de uma mulher novos, de uma nova cultura e de um novo tipo de sociedade, caracterizado pela abolição de toda forma de opressão e exploração, com o primado da solidariedade, o fim da separação entre governantes e governados e a reconciliação do homem com a natureza.

2. Projeto
A exposição anterior analisou, brevemente, a problemática dos valores e destacou a inquestionável superioridade ética do socialismo em relação ao capitalismo, tema que não se deve esquecer, a despeito de ser com freqüência deixado de lado. Vejamos agora o projeto e um caso especial: "o planejamento central" da economia, que, no passado, foi interpretado como essencial ao socialismo e que, hoje, aparece claramente como produto de uma época, não existindo razões irrebatíveis para que seja mantido no futuro.

Se, no marco do desmonte do Estado czarista, da Primeira Guerra Mundial e da selvagem agressão perpetrada contra a jovem República soviética, a socialização da economia foi assimilada com a total estatização das atividades econômicas, na atualidade essa receita não só é inadequada como também contraproducente para a consolidação de um projeto socialista nas condições atuais da economia mundial.

Se o modelo da estatização total da economia foi uma necessidade imposta por determinadas circunstâncias, isto não significa que deva ser a única alternativa de um projeto socialista. E tal conclusão é válida mesmo quando se leva em conta que, naquele tempo, esse modelo foi altamente exitoso porque tornou possível um formidável desenvolvimento das forças produtivas e converteu o país mais atrasado de Europa no começo do século XX numa grande potência industrial e militar. No entanto, suas conquistas numa fase de industrialização extensiva não foram suficientes para responder eficazmente aos novos desafios propostos pela terceira revolução industrial, com o desenvolvimento da microeletrônica, das telecomunicações, da informática e de todas as aplicações industriais derivadas destes progressos científicos. Gradualmente, foi perdendo terreno ante seus rivais capitalistas, até chegar à sua inglória derrubada final, quando todo o edifício político construído pela primeira revolução proletária da história - um acontecimento extraordinário na vida das nações - se desaprumou sem um só disparo, ante a incrível indiferença da população.

A magnitude do tema das grandes mudanças econômicas mereceu uma aguda observação do Comandante Fidel Castro em seu discurso de 17 de novembro do 2005, na Universidade de Havana, em comemoração ao sexagésimo aniversário daquela instituição. Disse, na oportunidade, que "seremos idiotas se acreditarmos, por exemplo, que a economia - e que me perdoem as dezenas de milhares de economistas que há no país - é uma ciência exata e eterna, e que existiu desde a época de Adão e Eva. Perde-se todo o sentido dialético quando se crê que essa mesma economia de hoje tanto faz em relação à de 50, 100 ou 150 anos atrás, ou tanto faz em relação à época de Lenin, ou à época de Karl Marx".

Fidel tem razão: a economia de hoje não é a mesma de 50 anos atrás. Não o são também nem o paradigma produtivo, nem as modalidades de circulação das mercadorias, nem as características do sistema financeiro, nem o entrelaçamento mundial do capital e o deste com os Estados dos capitalismos metropolitanos. Portanto, as políticas econômicas do socialismo devem necessariamente partir do reconhecimento das novas realidades. E, ao mesmo tempo, ter a humildade e a sensatez necessárias para desconfiar de fórmulas livrescas, pret-à-porter, que se apresentam como válidas, a todo tempo e lugar, para a construção do socialismo. Na mesma fala aos universitários, Fidel dizia que "um de nossos maiores erros no princípio e, muitas vezes, ao longo da Revolução foi crer que alguém sabia como se construía o socialismo". Lição importantíssima, não só por vir de quem veio, como também porque desafia a tendência pertinaz na esquerda de reduzir a construção do socialismo à aplicação de uma receita, um modelo, uma fórmula.

3. Sujeitos
Claramente, no plural. Não existe um único sujeito - e muito menos um único sujeito preconstituído - da transformação socialista. Se no capitalismo do século XIX e começos do XX podia postular-se a centralidade excludente do proletariado industrial, os dados do capitalismo contemporâneo e a história das lutas de classes sobretudo na periferia do sistema demonstram o crescente protagonismo adquirido por massas populares que no passado eram tidas como incapazes de colaborar na instauração de um projeto socialista. Camponeses, indígenas, setores marginais urbanos eram, no melhor dos casos, coadjuvantes num discreto segundo plano da presença estrelar da classe operária.

A história latino-americana, desde a Revolução Cubana até aqui, demonstrou que, ao menos nos capitalismos periféricos, o exclusivismo protagônico do proletariado industrial não foi confirmado pelos fatos. Basta recordar a caracterização de "povo" feita por Fidel Castro em A História me Absolverá, ou o papel dessas massas populares urbanas e rurais nos levantamentos que tiveram lugar em Bolívia e Equador (e que se traduziram posteriormente nas vitórias eleitorais de Evo Morales e Rafael Correa), ou o heroísmo dessas massas na derrota do golpe de estado de abril do 2002 contra a Revolução Bolivariana, para apreciar, em toda a sua amplitude, a multiplicação dos sujeitos da resistência e oposição ao capitalismo.

Para finalizar, não poderíamos deixar de examinar esta problemática sem questionar a falsa oposição que costuma haver entre partidos e movimentos sociais. Lamentavelmente, nos últimos tempos esta oposição radical se arraigou muito profundamente no imaginário de numerosos atores sociais e políticos da América Latina e do Caribe. A conseqüência foi que, enquanto os partidos políticos de esquerda foram todos eles satanizados e considerados, sem se fazer distinção alguma - portanto, cometendo-se uma enorme injustiça com alguns que lutaram exemplarmente contra as ditaduras que assolaram nossos países nos anos 1970 e 1980 -, como aparelhos burocratizados, desmobilizadores e claudicantes, os movimentos sociais foram exaltados como excelsas organizações imunes às deformações burocráticas, às ambigüidades, aos personalismos e às mesquinharias que, segundo esta pouco feliz interpretação, caracterizariam aos partidos de esquerda da região.

Tal simplificação não resiste à menor análise, e quem estiver minimamente informado sobre a realidade sociopolítica de nossos países sabe que vícios que se atribuem, muitas vezes com justa razão, aos partidos também afetam, em maior ou menor medida, os movimentos sociais. As exortações a favor da horizontalidade e o "basismo" nem sempre encontram uma tradução real na vida concreta dos movimentos e, não raro, são um discurso divorciado dos fatos. E as "novas formas de fazer política" com que os movimentos sociais muitas vezes se apresentam na cena pública para diferenciar-se da velha politicagem reinante costumam, mais fácil do que se imagina, dar lugar à ressurreição de práticas odiosas que se acreditavam exclusivas dos partidos.

Em outras palavras: partidos e movimentos representam dois modos de articular os interesses do campo popular, modos que não são contraditórios e sim complementares, entre outras coisas porque jogam em diferentes palcos: os partidos no marco das instituições políticas e os movimentos no seio da sociedade civil. Se os movimentos demonstraram possuir capacidade potencial para estabelecer uma conexão mais estreita com sua própria base e representar de maneira mais imediata seus interesses, evidenciam em contrapartida enorme dificuldade na hora de sintetizar a multiplicidade de particularismos que encarnam numa fórmula política e numa estratégia unificada que possa enfrentar com sucesso a estratégia unificada da burguesia.

Tanto os partidos como os movimentos parecem ignorar que a burguesia jamais aposta todas suas cartas num só palco, e sim, continuamente, combina táticas e estratégias que utilizam tanto os canais institucionais (as eleições e todas as instituições políticas do Estado) quanto os canais extra-institucionais: a rua, as mobilizações, a propaganda política, os meios de comunicação de massas, sabotagens, lock-outs patronais, fuga de capitais, greve de investimentos, chantagens sobre os governantes, etc.

Numa palavra, a burguesia não se depara com os falsos problemas que costumam paralisar o campo popular, esterilizado e desmobilizado em improdutivas discussões a respeito de se movimentos sim ou movimentos não, ou partidos sim ou partidos não. Profunda conhecedora do poder e seus segredos, a burguesia utiliza todas as armas disponíveis em seu arsenal, sem se importar com características específicas, enquanto seus opositores se desagregam estabelecendo primazias entre uma coisa e outra, ficando por isso mesmo à mercê de seus inimigos de classe.

Artigo publicado originalmente no sítio La Haine (04-09-2008). A tradução para o português é de Dênis de Moraes, que publicou texto em seu blog, Comunicação, Cultura e Política.



Doutor em Ciência Política pela Harvard University, é professor titular de Filosofia Política da Universidade de Buenos Aires, e ex-secretário-executivo do Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (CLACSO).

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

A direita sumiu

Rogério Schmitt*
Há cerca de três semanas, em mais um de seus famosos discursos de improviso, o presidente Lula chamou a atenção para o fato de que todos os prováveis presidenciáveis nas eleições de 2010 têm origem no campo ideológico da esquerda. As palavras exatas do presidente teriam sido: "Pela primeira vez não vamos ter um candidato de direita na campanha. Não é fantástico isso?".

Na linguagem da teoria política, o termo "direita" serve tanto para designar os adeptos do liberalismo econômico como também os adeptos dos valores morais tradicionais. Simplificadamente, os direitistas são chamados de "liberais" quando aderem ao primeiro conjunto de princípios, ou de "conservadores" quando aderem a ambos.

Mas o diagnóstico presidencial acima é apenas parcialmente verdadeiro. De fato, ele se aplica bem ao governador José Serra (PSDB), à ministra Dilma Rousseff (PT), ao deputado Ciro Gomes (PSB) e à senadora Marina Silva (PV). Nenhum desses candidatos, individualmente, nem os seus partidos podem ser doutrinariamente rotulados como direitistas. Se fossem indagados a respeito, todos eles certamente se classificariam como de "esquerda" ou de "centro-esquerda". As pesquisas feitas pelos cientistas políticos sobre esses quatro partidos também chegam ao mesmo resultado.

O erro do presidente Lula foi o seu aparente lapso de memória. Esse mesmo cenário previsto para 2010 já esteve em vigor nas duas últimas eleições presidenciais. Em 2002, os principais candidatos foram o próprio Lula (PT), José Serra (PSDB), Anthony Garotinho (PSB) e Ciro Gomes (PPS). Por seu turno, em 2006, a disputa esteve concentrada em torno de Lula (PT), Geraldo Alckmin (PSDB), Heloísa Helena (PSOL) e Cristovam Buarque (PDT). Salvo melhor juízo, nem mesmo os peritos dos seriados policiais da TV conseguiriam identificar vestígios significativos de direitismo nessas campanhas eleitorais.

A rigor, os partidos classificados à direita do centro do espectro ideológico brasileiro começaram a não mais lançar candidatos presidenciais próprios já na década de 90. Em 1998, quando Enéas Carneiro (Prona) obteve apenas 2,1% dos votos, o único representante da direita na disputa – “o nome era Enéas” – já viera de um partido "nanico". Em 1994, Enéas Carneiro e Esperidião Amin (PPR) obtiveram juntos 10,1% dos votos. Em contrapartida, na sucessão presidencial de 1989, os sete candidatos de direita – Fernando Collor (PRN), Paulo Maluf (PDS), Guilherme Afif (PL), Aureliano Chaves (PFL), Ronaldo Caiado (PSD), Affonso Camargo (PTB) e Enéas Carneiro (Prona) – alcançaram quase a metade (46,9%) dos votos.

A virtual ausência da direita nas disputas presidenciais brasileiras é ainda mais paradoxal devido ao fato de que as pesquisas nacionais de opinião reiteradamente apontam para a hegemonia numérica do eleitorado direitista no país. Um dos exemplos mais recentes foi um levantamento do instituto Datafolha realizado em 2006, no qual 47% dos entrevistados se declararam de direita (contra 23% de centro e 30% de esquerda). Ainda que a compreensão dessas categorias ideológicas possa variar muito de eleitor para eleitor, essa mesma distribuição de preferências políticas costuma se repetir em todas as pesquisas similares.

Naturalmente, não tenho como elucidar o mistério do "sumiço" da direita brasileira em um simples artigo como este. Mas é razoável supor que o fenômeno possa estar associado a vários fatores simultâneos, tais como, por exemplo, a bipolarização presidencial entre PT e PSDB (para a qual já chamei a atenção em minha coluna anterior) e o predomínio ideológico da geração que atingiu a maturidade política na resistência ao regime militar nos anos 60 e 70.

Por fim, mas não menos importante, também não posso concordar com o juízo de valor ("fantástico") feito pelo presidente Lula ao constatar a ausência da direita no próximo ciclo eleitoral. Todas as principais democracias mundiais se caracterizam pela convivência pacífica e pela alternância no poder entre governos mais à esquerda (social-democratas, trabalhistas ou democratas norte-americanos) ou mais à direita (conservadores, liberais, democratas-cristãos ou republicanos norte-americanos).

Num certo sentido, a polarização entre tucanos (a "direita" da esquerda) e petistas (a "esquerda" da esquerda) mostra que isso também é válido para o Brasil. Mas a inexistência de uma direita autêntica (o mesmo valeria se fosse a esquerda) nas nossas disputas presidenciais certamente prejudica a qualidade do debate político brasileiro em médio e longo prazos.


*Consultor político, coordenador de Estudos e Pesquisas do Centro deLiderança Pública (CLP) e Doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj). Foi professor da Universidade de São Paulo (USP), da PUC-SP e da Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Publicou o livro "Partidos políticos do Brasil: 1945-2000" (Jorge Zahar Editor, 2000) e co-organizou a coletânea Partidos e coligações eleitorais no Brasil (Unesp/Fundação Konrad Adenauer, 2005).

Mentiras

Foi para comprar panetone.

-José Roberto Arruda

"Se houvesse um verbo significando 'acreditar falsamente', ele não faria nenhum sentido na primeira pessoa do presente do indicativo"

-Ludwig Wittgenstein

Por quão tolos os políticos nos tomam? Eles acham que acreditamos em qualquer coisa? Aparentemente, sim, pois a procissão de desculpas esfarrapadas desfrechadas por homens públicos pegos com a boca na botija tem caráter suprapartidário e transcende as linhas ideológicas conhecidas.

Num breviário que não tem a menor pretensão de esgotar o tema, primeiro vieram os "recursos não contabilizados", vulgo "mensalão", do PT, cujo precursor, agora se sabe, havia sido o tucano Eduardo Azeredo. Poderíamos também citar as prodigiosas vacas do senador peemedebista Renan Calheiros ou as traquinagens do clã Sarney. "At last but not least", há que lembrar a famigerada Operação Uruguai, engendrada pelo então PRNista Fernando Collor de Mello (acho que o partido nem existe mais, embora Collor já se tenha tornado aliado de Lula).

Na verdade, providenciar explicações inexplicáveis é um comportamento tão disseminado que muitos dão-se ao luxo de reincidir --o que não deixa de depor contra o eleitorado. O próprio Arruda é um caso de obstinada perseverança. Em 2001, acusado de ter violado o sigilo do painel eletrônico do Senado numa votação, o então garboso líder tucano subiu à tribuna para, num discurso para lá de veemente, jurar sua inocência. A candidez não dourou mais do que alguns dias. Desmentido pelos fatos, voltou ao púlpito, onde, em lágrimas, proclamou: "Não matei, não roubei e não desviei recursos públicos". Como se vê, era uma questão de tempo. Para tornar curta uma história longa, Arruda renunciou para não ser cassado, trocou o PSDB pelo DEM e sagrou-se deputado e depois governador do Distrito Federal.

Deixemos, porém, a história do Brasil um pouco de lado e nos concentremos por um momento na história da mentira. Se dissermos que ludibriar é uma segunda natureza do homem, não estaremos exagerando. E não apenas do homem. O primatologista Frans de Waal, em seu "Origins of Right and Wrong in Humans and Other Animals" relata histórias de gorilas e chimpanzés que tentaram ludibriar seus companheiros ou cuidadores para obter algum tipo de vantagem. Isso implicaria que esses primatas já contam com alguma espécie de teoria da mente, pois, para buscar impingir falsas suposições a um interlocutor, é necessário saber que ele tem crenças que podem ou não corresponder à realidade.

No caso humano, o gosto por faltar com a verdade parece vir naturalmente. Crianças começam a mentir já por volta dos três anos, idade em que ainda não conseguem proceder a maquinações relativamente sofisticadas como "o que eu devo fazer para escapar à punição". De acordo com Laurence Tancredi, em seu interessante "Hardwired Behavior: What Neuroscience Reveals about Morality", crianças mentem por diversos motivos, que incluem, evitar castigos, mostrar-se a seus pais sob uma luz mais favorável ou simplesmente porque contar histórias fantasiosas e eventualmente enganar os outros pode ser divertido. A excitação que sentimos ao ludibriar um semelhante é comparável à de adquirir uma pechincha num leilão.

E não são apenas as crianças que mentem. Tancredi elenca uma série de trabalhos feitos nos EUA que mostram que 60% das pessoas mentem regularmente, numa média de 25 vezes diárias. A maioria delas, embora não todas, são o que a língua inglesa chama de "white lies", mentiras relativamente inconsequentes, como elogiar a comida de nossa anfitriã mesmo que a tenhamos considerado intragável. O objetivo aqui é evitar que outros experimentem situações constrangedoras. Esse é um tipo de mentira que podemos considerar socialmente necessário.

Evidentemente, a distribuição dessas mentiras não é uniforme. Vários estudos mostraram que os homens mentem de duas a três vezes mais do que as mulheres. A meta primordial das insinceridades masculinas é promover a si mesmos, seja no ambiente de trabalho, na tessitura de redes de relacionamentos ou para conquistar mulheres. Segundo outras pesquisas, uma de cada três interações entre amantes envolve mentiras.

Ao que tudo indica, o pendor pela falsidade está inscrito em nossa história evolutiva. O fato de a encontrarmos entre primatas é um indício forte. O mesmo vale para a constatação de que crianças pequenas aprendem a mentir sozinhas. A analogia aqui é com a linguagem, uma faculdade com muitas características inatas e que não necessita ser ensinada explicitamente para passar de geração a geração. Vale notar que tecnologias insofismavelmente culturais e historicamente recentes, como a escrita, exigem um treinamento específico.

Outra pista interessante é a do caminho que a mentira percorre em nossos cérebros. Pesquisadores da Universidade da Pensilvânia mostraram que, quando fabulamos, as áreas mais ativadas são partes do giro anterior cingulado também envolvidas com a tomada de decisões e o reconhecimento de erros bem como zonas do córtex pré-frontal ligadas ao planejamento, à memória de trabalho e à organização. Ou seja, parece haver no cérebro estruturas que se adaptam muito facilmente à fraude. Paro um pouco antes de concluir que a evolução deixou em nossos cérebros um órgão especializado em mentir.

O mundo, contudo, é um lugar traiçoeiro. Como somos bom em mentir, somos também muito bons em detectar as mentiras de nossos semelhantes. Nesse contexto altamente competitivo, se sairá melhor o sujeito que acreditar nas próprias mentiras, daí o surgimento da noção de autoengano, tão importante para a psicanálise e que vem conquistando fãs em outras áreas, mais recentemente, até na economia.

A questão que fica é: como conciliar isso tudo? Como podemos ser ao mesmo tempo profissionais do pôquer e polígrafos ambulantes, como podemos acreditar em nossas próprias lorotas e desconfiar das intenções até da madre Teresa de Calcutá (eu, pelo menos desconfio!).

Quem ensaia uma resposta até certo ponto satisfatória é Seteven Pinker em "How the Mind Works". Seguindo os passos do sociobiólogo Robert Trivers, ele lembra que nossos cérebros são tudo menos unos. Se uma parte de nós se deixa enganar por uma patranha que nós mesmos inventamos, há uma outra que sabe a verdade. É só por isso que observações negativas que outros fazem a nosso respeito doem. Se a crítica fosse verdadeira e todos os módulos neuronais estivessem de acordo com isso, ela não nos incomodaria. Tratar-se-ia, afinal, de notícia velha. Se, por outro lado, nenhuma parte estivesse de acordo com essa observação pouco favorável, nós imediatamente a descartaríamos como falsa. Mas, se o juízo provoca incômodo, é porque pelo menos uma parte sabe que ele tem algo de verdadeiro. Como dizia La Rochefoucauld, "a opinião que nosso inimigo tem de nós está mais perto da verdade que a nossa própria".

Voltando ao nosso Arruda e aos políticos em geral, as desculpas esfarrapadas precisam assim ser analisadas e compreendidas em todas as suas dimensões. O seu propósito principal talvez não seja o de enganar o eleitor --embora sempre haja quem esteja disposto a aceitar o "eu não sabia"-- e a Justiça, que em algumas situações se mostra escandalosamente pia. Pelo menos uma parte do cérebro de nossos astutos políticos sabe que está tentando passar uma história para boi dormir. A questão é: o que se passa com a outra parte? E aqui eu volto a Pinker: "O autoengano é a mais cruel das motivações, pois ele nos faz sentir bem quando estamos errados e nos encoraja a lutar quando deveríamos nos render". Não que Arruda ache que o dinheiro foi para panetones, mas há uma parte dele que quer desesperadamente crer nisso.


Hélio Schwartsman, 44, é articulista da Folha. Bacharel em filosofia, publicou "Aquilae Titicans - O Segredo de Avicena - Uma Aventura no Afeganistão" em 2001. Escreve para a Folha Online às quintas.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Bela


Vitrine do futuro

Autor: Chico Alencar
Publicado: O GLOBO
Data: 12/12/2009


Para além das esperanças e frustrações que Conferências Mundiais sobre clima possam gerar, há atitudes de vida que medem os rumos que a civilização, ainda que cada vez mais padronizada, tende a tomar. Tratasse de sustentar ou contestar políticas globais também com posturas cotidianas e pessoais, mas nem por isso menos políticas. Por compreender, desde Montesquieu, que a “virtude cidadã” precede e embasa a boa lei. Que o macro começa no micro.

Por coerência e para nossa sobrevivência como espécie dotada de razão e movida a paixão.

Somos carne e espírito, barro e luz. Somos capazes de superação, perseguimos transcendência, aspiramos eternidades. Espiritualidade só existe praticada: é espiritualizar-se.

É questionamento diário do aparente sem-sentido do mundo. É a não aceitação da existência como efêmera trajetória, destinada ao nada, que por isso deve ser usufruída imediata e sofregamente. É a negação do fundamentalismo de mercado que o sistema que tudo “coisifica” tenta absolutizar, oferecendo na vitrine, como objeto de consumo, nossos desejos de beleza e harmonia.

Assim como educar é ensinar a olhar para fora e para dentro, espiritualizar-se é dotarmo-nos de grandeza, de atenção, daquilo que nos faz sentir que a vida vale a pena ser vivida: o amor, o sentimento solidário de pertença, o compromisso de deixar o mundo melhor do que quando nele chegamos.

Ecologia é decorrência: percepção da trajetória da nossa casa, a Terra , nesse pluriverso de galáxias em expansão, e do maravilhoso fenômeno da articulação de elementos biológicos, físicos e químicos que, há treze bilhões de anos, produz a energia da vida, da qual somos parte, complexa e frágil. Sinergia vital que tantas vezes tentamos subjugar, produzindo, em nome do “progresso”, esgotamento, superaquecimento e insustentabilidade.

Leonardo Boff, com sabedoria profética, lembra que “ingressamos numa nova era, a ecozóica”: ou sobreviveremos, com uma mudança radical do nosso modo de ser, de produzir, de consumir, de conviver — metanoia, conversão — ou pereceremos todos, aterrados por lixo, intoxicados por gases, degradados pelo veneno que nós mesmos, na Torre de Babel do “crescimentismo”, construímos.

Ecologia é atitude: reação contrária à onda de necessidades artificiais a que somos induzidos, perdida a fronteira do supérfluo. Resgatar nossa dimensão espiritual e ecológica é contestar a lógica do efêmero, da “novidade” que consola, do videocapitalismo, demiurgo do “homo consumericus”: não penso, não existo, só assisto. E clico, deleto, ensaco, poluo e me endivido. E logo me desfaço, pois há novas demandas — que nem sei se tenho...

Ser ecológico é negar a cultura da vaidade a serviço da felicidade privada. É ser arauto do realismo utópico, do inédito viável: reavaliar, reeducar, reestruturar, reciclar, reduzir, redistribuir, redemocratizar.

Viver mais simplesmente, para que simplesmente todos possam viver.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

O CONTO DO PISO NACIONAL

O magistério brasileiro já caiu no conto do FUNDEF, agora tentam nos aplicar mais dois, deu uma única vez. O conto do FUNDEB e o do PISO NACIONAL DO MAGISTÉRIO. Para piorar a situação boa parte dos dirigentes dos nossos sindicatos estão mais inclinados a defender os seus compromissos com o governo do que com a valorização do magistério.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Kassab

Deputado federal Ronaldo Caiado (GO):

“Kassab é vítima, perseguido pelos petistas expulsos da prefeitura pelas urnas. O PT falhou na administração e agora tenta de tudo"

Dilma avançou

Pois não sabemos se os tucanos perceberam, mas neste mês de fevereiro a candidatura Dilma conseguiu uma vitória. Muita gente passou a tratar a possibilidade real de um eventual governo da ministra.

Gastadoras

Levantamento do 'Sophia Mind Pesquisa e Inteligência de Mercado' mostra que 54% das brasileiras não poupam nada ou guardam muito pouco de sua renda no período de um ano.

Entraria certamente para a história.

Lula é aquele presidente que todos gostariam que um dia tomasse consciência e iniciasse um acerto de contas com a verdade. Não seria nada de mal admitir que prometeu coisas para se eleger e depois governou com outras prioridades. Não seria nada mal se fizesse um exercício de verdade. Entraria certamente para a história.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Prezada dona Dilma

João Mellão Neto
Tempos atrás, aqui mesmo, neste Espaço Aberto, comparei a senhora, com as ideias antiquadas que defende, a um DKW – aquele automóvel que foi fabricado no Brasil no início da década de 1960. Recebi numerosos e-mails reclamando que eu estava sendo injusto. Injusto com o DKW. Pois é. O carro deixou uma boa impressão, o que – perdoe-me o mau jeito – parece muito não ser o seu caso. Estive vasculhando as minhas memórias e constatei que o DKW é muito moderno para a senhora. A comparação adequada seria com um Ford 1929. E, ao afirmar isso, espero que ninguém reclame do fato de eu estar cometendo outra injustiça.
É Ford 1929, mesmo. Foi naquela época em que ele estava sendo fabricado que um sujeito chamado Benito Mussolini fazia sucesso com o lema: “Tudo no Estado, nada contra o Estado, nada fora do Estado.” Joseph Stalin e outros contemporâneos também não pensavam muito diferente disso. Poderíamos agraciar cada um deles com um Ford da época. Ou com uma Mercedes-Benz 770. A senhora sabia que esses personagens históricos já defendiam a ideia de um “Estado forte” – que é o cerne de sua plataforma política – naqueles tempos?
Li, se não me, engano, na revista Veja, que o bordão que o Duda Mendonça apresentou para a sua campanha eleitoral é baseado naquela música do Zeca Pagodinho: “Deixa a Dilma me levar; Dilma leva eu…” Com todo o respeito, dona Dilma, levar para onde? Dá calafrios só de pensar.
Por falar em Duda Mendonça, cabe a pergunta: vocês o reabilitaram? Vão pagar a campanha com dólares depositados nas Bahamas, como ele gosta? Isso é proibido, dona Dilma. A senhora sabia?
Li, creio que na mesma revista, que quem está articulando a sua campanha nos diversos Estados é ninguém menos que José Dirceu. É, ele mesmo. Ele já foi ministro-chefe da Casa Civil, o mesmo cargo que a senhora ocupa. Também foi reabilitado? E aquela história do “mensalão” como é que fica? Segundo a malvada da imprensa, ele era o grande articulador do esquema. Deixa pra lá. Isso também deve ser “intriga da oposição”, não é verdade?

Por falar nisso, por que será que a “mídia” implica tanto com a senhora? Está em seus planos criar um “órgão controlador do conteúdo da imprensa”? A federação dos jornalistas – à qual não sou filiado – já apresentou uma proposta nesse sentido. A senhora concorda?

A pergunta é pertinente. Um dia destes – quando o Hugo Chávez, da Venezuela, cassou a concessão de seis emissoras de televisão a cabo – questionaram se a senhora concordava com tal medida. E, dona Dilma, a senhora respondeu de forma evasiva. Disse algo como: “Quem sou eu para julgar…” A senhora não tem opinião formada sobre o assunto? Assim vai mal…
Mudando de assunto, esse negócio de “Estado forte” que a senhora defende me lembra os tempos do general Ernesto Geisel. Se a senhora não se lembra, foi aquele presidente do Brasil, na década de 1970, que tão somente fechou o Congresso por alguns dias e baixou várias medidas políticas arbitrárias que ficaram conhecidas como “pacote de abril”. Entre elas, vale destacar, foi criada a triste figura do “senador biônico”.
Pois bem, o presidente Geisel vivia dizendo que a economia brasileira estava apoiada em três pés: o Estado, o capital estrangeiro e a iniciativa privada nacional. Não era bem assim, na prática. Durante o governo do dito cujo foram criadas quase 400 empresas estatais. E a maioria esmagadora dava prejuízo, sangrando o Tesouro Nacional. Paciência. Segundo ele, o Estado deveria suprir, na economia, todas as lacunas deixadas pela iniciativa privada. Era melhor para a Nação que o estatismo prevalecesse do que entregar a área ao capital estrangeiro.

Quase tudo nos tempos de Geisel era propriedade do Estado. Surgiu até um neologismo para designar a nova elite que tomara o poder: tecnocracia, mistura de burocracia com conhecimento técnico. E os tecnocratas bem que abusavam. Conheci um sujeito, na época, que trabalhava na companhia telefônica estatal de São Paulo. Ele me contou, orgulhoso, que fora transferido para o “Departamento de Esportes” da empresa. Na prática, ele não precisava fazer mais nada… E o salário, que não era baixo, pingava, com certeza, todos os meses. É esse tipo de “Estado forte” que a senhora prega? Não é isso? O Estado musculoso que a senhora deseja seria, por acaso, de uma modalidade “diferente”?

Deu um trabalho enorme desmontar toda a estrutura estatal criada no País. E foi muito bom. Como lembra o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em artigo publicado nesta página do Estadão no último domingo, a Companhia Vale do Rio Doce, depois de privatizada, contribui com impostos muito mais do que rendia em dividendos quando era estatal. Não é o único caso. E tampouco há de ser o último…
Pois o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, desde que assumiu o poder, não mais privatizou nenhuma empresa. Ao contrário, ele prega um Estado maior e para tanto tratou de capitalizar o Banco do Brasil, o BNDES e tudo mais que é estatal.
Segundo ele, a crise internacional aqui, no Brasil, só se configurou como uma “marolinha” porque o seu governo salvou o sistema financeiro nacional da quebradeira geral. Não é bem verdade. As finanças nacionais não se envolveram na especulação geral porque aqui, depois das quebras monumentais de bancos brasileiros na década de 1990, o sistema se tornou bastante regulamentado e os bancos, capitalizados. Isso se deve, em boa parte, ao seu antecessor, Fernando Henrique…
Tenha santa paciência, dona Dilma, Estado agigantado existe um só: é do tipo que reinou por aqui na década de 1970. A senhora sonha com um Estado sarado. Pois o máximo que conseguirá será um Estado obeso.

Artigo publicado no jornal “O Estado de São Paulo” em 12 de fevereiro de 2010.

Querida Marina

Querida Marina

Caíste de pé! Tu eras um estorvo àqueles que comemoram, jubilosos, a tua demissão, os agressores do meio ambiente

Caíste de pé! Trazes no sangue a efervescente biodiversidade da floresta amazônica. Teu coração desenha-se no formato do Acre e em teus ouvidos ressoa o grito de alerta de Chico Mendes. Corre em tuas veias o curso caudaloso dos rios ora ameaçados por aqueles que ignoram o teu valor e o significado de sustentabilidade.

Na Esplanada dos Ministérios, como ministra do Meio Ambiente, tu eras a Amazônia cabocla, indígena, mulher. Muitas vezes, ao ouvir tua voz clamar no deserto, me perguntei até quando agüentarias. Não te merece um governo que se cerca de latifundiários e cúmplices do massacre de ianomâmis. Não te merecem aqueles que miram impassíveis os densos rolos de fumaça volatilizando a nossa floresta para abrir espaço ao gado, à soja, à cana, ao corte irresponsável de madeiras nobres.

Por que foste excluída do Plano Amazônia Sustentável? A quem beneficiará esse plano, aos ribeirinhos, aos povos indígenas, aos caiçaras, aos seringueiros ou às mineradoras, às hidrelétricas, às madeireiras e às empresas do agronegócio?

Quantas derrotas amargaste no governo? Lutaste ingloriamente para impedir a importação de pneus usados e a transformação do país em lixeira das nações metropolitanas; para evitar a aprovação dos transgênicos; para que se cumprisse a promessa histórica de reforma agrária. Não te muniram de recursos necessários à execução do Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia Legal, aprovado pelo governo em 2004.

Entre 1990 e 2006, a área de cultivo de soja na Amazônia se expandiu ao ritmo médio de 18% ao ano. O rebanho se multiplicou 11% ao ano. Os satélites do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) detectaram, entre agosto e dezembro de 2007, a derrubada de 3.235 km2 de floresta.

É importante salientar que os satélites não contabilizam queimadas, apenas o corte raso de árvores. Portanto, nem dá para pôr a culpa na prolongada estiagem do segundo semestre de 2007. Como os satélites só captam cerca de 40% da área devastada, o próprio governo estima que 7.000 km2 tenham sido desmatados. Mato Grosso é responsável por 53,7% do estrago; o Pará, por 17,8%; e Rondônia, por 16%. Do total de emissões de carbono do Brasil, 70% resultam de queimadas na Amazônia.

Quem será punido? Tudo indica que ninguém. A bancada ruralista no Congresso conta com cerca de 200 parlamentares, um terço dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. E, em ano de eleições municipais, não há nenhum indício de que os governos federal e estaduais pretendam infligir qualquer punição aos donos das motosserras com poder de abater árvores e eleger ($) candidatos.
Tu eras, Marina, um estorvo àqueles que comemoram, jubilosos, a tua demissão, os agressores do meio ambiente, os mesmos que repudiam a proposta de proibir no Brasil o fabrico de placas de amianto e consideram que "índio atrapalha o progresso".

Defendeste com ousadia nossas florestas, nossos biomas e nossos ecossistemas, incomodando quem não raciocina senão em cifrões e lucros, de costas para os direitos das futuras gerações. Teus passos, Marina, foram sempre guiados pela ponderação e pela fé. Em teu coração jamais encontrou abrigo a sede de poder, o apego a cargos, a bajulação aos poderosos, e tua bolsa não conhece o dinheiro escuso da corrupção.

Retorna à tua cadeira no Senado Federal. Lembra-te ali de teu colega Cícero, de quem estás separada por séculos, porém unida pela coerência ética, a justa indignação e o amor ao bem comum. Cícero se esforçou para que Catilina admitisse seus graves erros: "É tempo, acredita-me, de mudares essas disposições; desiste das chacinas e dos incêndios. Estás apanhado por todos os lados. Todos os teus planos são para nós mais claros que a luz do dia. Em que país do mundo estamos nós, afinal? Que governo é o nosso?"
Faz ressoar ali tudo que calaste como ministra. Não temas, Marina. As gerações futuras haverão de te agradecer e reconhecer o teu inestimável mérito.

Frei Betto
Publicado originalmente nesta Blog em 17/05/08

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Direita togada

No começo do mês, 2 de março, o jornalista Ricardo Noblat, em sua coluna regular de “O Globo”, desenhou bifurcações imaginárias para se colocar a seguinte questão: que papel desempenha no cenário político brasileiro o ministro Gilmar Mendes, atual presidente do Supremo Tribunal Federal?

Se, segundo ele, a situação é de funcionamento regular e democrático das instituições, “cenário otimista”, o bom juiz é o que só fala nos autos. Não se mete em política, tampouco se faz sócio de empresas e negócios. O solene poder de julgar, dar a última palavra, requer recato, contenção e sobriedade. Entretanto, se o quadro é de erosão generalizada das instituições, “cenário pessimista”, o bom juiz poderia ser aquele que “rompe o silencio que a toga lhe obriga” para, no rigor da lei, defender a ordem ameaçada. Herói ou bufão, bom ou mau juiz, o papel de Gilmar Mendes se decifra no cenário real da luta política. “Você decide”, diz Noblat.

Em sabatina realizada pela “Folha de S.Paulo” (súmula publicada na edição de 25/03), o ministro Gilmar Mendes forneceu, ao opinar sobre um vasto leque de pontos da pauta política, a sua própria resposta para a questão: está na ofensiva e se considera imbuído de missão salvífica. A matéria do jornal, depois de informar sobre o clima tenso entre o ministro, entrevistadores e manifestações de apoio e crítica por parte da platéia, traz o seguinte trecho: “Mendes afirmou que o juiz De Sanctis, com sua atitude, “quis desmoralizar o STF, apostando que a opinião pública respaldaria aquela decisão”. Para o ministro, se isso prevalecesse, De Sanctis seria hoje “o supremo juiz do Brasil””.

O trecho é confuso, está truncado, mas muito importante. A atitude através da qual o juiz Fausto De Sanctis procurou, segundo Mendes, desmoralizar o STF todos conhecem: é a ordem de prisão contra o banqueiro Daniel Dantas. Ao dar plantão no Supremo para revogar, principalmente, a segunda ordem de prisão contra o indigitado, o presidente do STF imagina ter salvo, no corpo do banqueiro, o espírito das instituições. Soltar Daniel Dantas, são palavras do ministro, evitou a desmoralização da nossa Suprema Corte.

O raciocínio do ministro vai além. Especula sobre o possível respaldo da opinião pública ao mandado de prisão e suas repercussões no equilíbrio geral no quadro da política. Soltou o banqueiro, evitou a desmoralização do STF e, além do mais, preveniu um possível e indesejável (para ele) deslocamento da opinião pública. Ao valorizar o seu gesto como crucial, o ministro busca papel de protagonista do momento político. É do que se trata quanto se afirma: “se isso prevalecesse, De Sanctis seria hoje o supremo juiz do Brasil”. A versão espelhada desta frase é mais do que evidente: não prevaleceu, barrei a catástrofe, logo, o supremo juiz do Brasil sou eu.

Gilmar Mendes fala pelos cotovelos e faz política de forma ostensiva. Opina sobre qualquer assunto, chama para si o foco das atenções e opera na linha da mais absoluta nitidez ideológica. Ele se oferece como pólo de condensação e rearticulação da tradição autoritária e do pensamento conservador. Tratar a questão social como caso de polícia, criminalizar os movimentos, usar a lei como chicote para disciplinar os pobres, entre outros, são temas que readquirem relevância com o agravamento da crise. Os democratas de todos os matizes devem abrir o olho: muito cuidado com a direita togada.
Léo Lince

Ibope: Serra lidera em todos os cenários à Presidência

O governador de São Paulo, José Serra (PSDB), lidera todos os cenários da corrida à Presidência, indica pesquisa Ibope/Diário do Comércio divulgada nesta semana. De acordo com a sondagem, encomendada pela Associação Comercial de São Paulo, os resultados do tucano, no primeiro turno, variam de 36% a 41% das intenções de voto.


No principal cenário, o tucano tem 36% e a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, 25%. A pesquisa, feita entre os dias 6 e 9, com 2.002 entrevistados, mostra que os candidatos seguem estáveis em relação aos dados de dezembro, com exceção da petista, que cresceu oito pontos. Serra oscilou dois pontos para baixo.


Em terceiro lugar, nessa lista, aparece o deputado Ciro Gomes (PSB-CE), com 11% (em dezembro, eram 13%), seguido da senadora Marina Silva (PV-AC), com 8% (antes, 6%). Votariam em branco ou anulariam o voto 11% e 9% se disseram indecisos ou não responderam. A margem de erro é de dois pontos.


O melhor desempenho de Serra, quando abre 13 pontos de distância em relação a Dilma, é no cenário sem Ciro. Nesse quadro, o tucano aparece com 41% e a petista, com 28%. Marina, em terceiro, teria 10%. Em branco ou nulo somaram 12% e os últimos 9% não souberam ou não quiseram responder.


Para a diretora-executiva de atendimento e planejamento do Ibope, Márcia Cavallari, "os cenários estimulados pela pesquisa mostram que, com a saída de Ciro da disputa, aumenta a probabilidade de a eleição acabar no primeiro turno".


Lula em alta


De acordo com o Ibope, tanto a avaliação do governo quanto a do presidente Lula seguem em alta.


O governo foi considerado ótimo ou bom por 76% dos entrevistados. Para 19%, é regular e outros 5% responderam ruim ou péssimo. O modo de governar de Lula foi aprovado por 84% e rejeitado por 13%.


Para 34% das pessoas ouvidas, o próximo presidente deveria dar "total continuidade ao governo atual". Outros 64% apoiam algum tipo de alteração - 29% querem pouca mudança, 25% querem ver mantidos só alguns programas e 10% esperam mudança total. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Senador Simon

Senador Simon mesmo a contragosto de muitos continua como um bom vinho, quanto mais velho melhor, firme nas denúncias contra a bandalheira que assola a nação.

Bela


PURA MALDADE COM OS DEMOCRATAS


O que não estamos a ouvir acerca do Haiti: petróleo

"Há prova de que os Estados Unidos descobriram petróleo no Haiti décadas atrás e que devido a circunstâncias geopolíticas e a interesses do big business foi tomada a decisão de manter o petróleo haitiano na reserva para quando o do Oriente Médio escasseasse". Isto é pormenorizado pelo dr. Georges Michel num artigo datado de 27 de março de 2004, em que esboça a história das explorações e das reservas de petróleo no Haiti, bem como na investigação do dr. Ginette e Daniel Mathurin.

Também há boa evidência de que estas mesmas grandes companhias de petróleo estadunidenses e seus monopólios inter-relacionados de engenharia e empreiteiros da defesa fizeram planos, décadas atrás, de utilizar portos de águas profundas do Haiti tanto para refinarias de petróleo como para desenvolver parques de tancagem ou reservatórios, onde o petróleo bruto pudesse ser armazenado e posteriormente transferido para pequenos petroleiros a fim de atender portos dos EUA e do Caribe. Isto é pormenorizado num documento acerca da Dunn Plantation em Fort Liberté, no Haiti.

A HLLN de Ezili (organização haitiana) sublinha este documentos sobre recursos petrolíferos do Haiti e os trabalhos do dr. Ginette e Daniel Mathurin a fim de proporcionar uma visão não encontrável nos meios de comunicação "de referência" , tampouco em qualquer outro lugar se encontram as razões econômicas e estratégicas do por que os EUA construíram a sua quinta maior embaixada do mundo — a quinta, após as embaixadas na China, no Iraque, no Irã e na Alemanha — no minúsculo Haiti, após a mudança do regime local pelo governo Bush.

Os fatos esboçados na Dunn Plantation e nos documentos de Georges Michel, considerados em conjunto, desvelam razoavelmente parte das razões ocultas de por que o Enviado Especial da ONU ao Haiti, Bill Clinton, está na ocupação da ONU e suas tropas permanecerão no Haiti por longo período.

A HLLN de Ezili tem afirmado reiteradamente, desde o princípio da mudança de regime do Haiti em 2004 pelo governo Bush, que a invasão do país pelos EUA naquele ano utilizou tropas da ONU como suas procuradoras militares para esvaziar a acusação de imperialismo e racismo.

Também temos afirmado reiteradamente que a invasão e ocupação do Haiti pela ONU/EUA não se refere à proteção dos direitos haitianos, à sua segurança, estabilidade e desenvolvimento interno a longo prazo, mas sim acerca do retorno dos Washington Chimeres (gangsteres, os tradicionais oligarcas haitianos) ao poder, do estabelecimento de comércio livre injusto, do plano mortal dos Chicago boys, com políticas neoliberais, manutenção do salário mínimo a níveis de trabalho escravo, pilhagem dos recursos naturais e riquezas do Haiti , para não mencionar o benefício da localização, pois o Haiti está entre Cuba e a Venezuela. Dois países em que, sem êxito, os EUA têm orquestrado mudanças de regime, e continuam tentando. Na Dunn Plantation e nos documentos Georges Michel, descobrimos novos pormenores, como a razão de por que os EUA estão no Haiti com esta tentativa de Bill Clinton de fazer as ocupações da ONU continuarem.

Não importam os disfarces ou a desinformação dos meios de comunicação, trata-se também das reservas de petróleo do Haiti e de assegurar portos de águas profundas no Haiti como local de transporte (transshipment) para petróleo ou para armazenagem de petróleo bruto sem a interferência de um governo democrático comprometido com o bem-estar da sua população (ver Reynold's deep water port in Miragoane / NIPDEVCO property).

No Haiti, entre 1994 e 2004, quando o povo tinha voz no governo, havia um intenso movimento das bases para conceber como explorar os recursos do país. Havia um plano, explicitado no livro "Investir no povo: Livro Branco de Lavalas sob a direção de Jean-Bertrand Aristide" (Investir dans l'humain), onde a maioria dos haitianos "foi não só informada onde estavam os recursos, mas que não tinham as qualificações e tecnologia para realmente extrair o ouro, extrair o petróleo".

O plano Aristide/Lavalas, como articulei na entrevista ‘Riquezas do Haiti’, era "empenhar-se em alguma espécie de parceria privada/pública. Nesta, seria considerado tanto o interesse do povo haitiano como naturalmente o dos privados, que receberiam os seus lucros. Mas penso que isto foi naquele momento em que tínhamos St. Gevevieve a dizer que não gostavam do governo haitiano. Obviamente, eles não gostavam deste plano. Eles não gostam que o povo haitiano saiba onde estão os recursos. Mas este livro – pela primeira vez na história do Haiti – foi escrito em crioulo e em francês. E houve uma discussão nacional em todas as rádios do Haiti acerca de todos estes vários recursos, onde estavam localizados e como o governo local tencionava construir desenvolvimento sustentável através daqueles recursos. Era o que acontecia antes de em 2004 Bush mudar o regime do Haiti através de golpe de Estado. Agora, após o golpe de Estado, embora o povo saiba onde estão estes recursos porque o livro existe, ele não sabe quem são estas companhias estrangeiras. Nem quais são as suas margens de lucros. Nem quais as regras de proteção ambiental e regulamentações irão protegê-los. Muitos, no norte por exemplo, falam acerca da perda das suas propriedades, tendo vindo pessoas com armas e tomado a sua propriedade. É assim que estamos" (Riquezas do Haiti: entrevista com Ezili Dantò sobre mineração no Haiti).

Os veículos "de referência", possuídos pelas companhias multinacionais que espoliam o Haiti, certamente não exibem para consumo público o fato de que a invasão e ocupação do Haiti pela ONU/EUA é para assegurar o petróleo do país, posição estratégica, trabalho barato, portos de águas profundas, recursos minerais (irídio, ouro, cobre, urânio, diamantes, reservas de gás), terras, zonas costeiras, recursos off shore para privatização ou a utilização exclusiva de oligarcas ricos do mundo e de grandes monopólios petrolíferos dos EUA. (ver mapa mostrando algumas das riquezas mineiras e minerais, inclusive cinco sítios de petróleo no Haiti; ‘Oil in Haiti’, pelo dr. Georges Michel; excerto do documento Dunn Plantation; "o Haiti está cheio de petróleo", afirmam Ginette e Daniel Mathurin. "Há uma conspiração multinacional para tomar ilegalmente os recursos minerais do povo haitiano"; Espaillat Nanita revelou que no Haiti há enormes recursos de ouro e outros minerais, em Is UN proxy occupation of Haiti masking US securing oil/gas reserves from Haiti?).

De fato, a atual autoridade-haitiana-sob-a-ocupação-dos-EUA/ONU, encarregada de conceder licenças de exploração e mineração no país, não explica de maneira relevante ou sistemática à maioria haitiana nada das companhias que compram, após 2004, portos de águas profundas no Haiti e que lucros partilham com o povo; também não explicam os efeitos ambientais das escavações maciças nas montanhas do Haiti e sobre as águas neste momento. Ao invés disso, o diretor de Mineração do Haiti alegremente sustenta que "novas pesquisas serão necessárias para confirmar a existência de petróleo no Haiti".

Num trecho retirado do artigo de Bob Perdue, intitulado "Lonnie Dunn, third owner of the Dauphin plantation", ficamos sabendo que: "em 8 de novembro de 1973, Martha C. Carbone, da embaixada americana em Porto Príncipe, enviou uma carta ao Escritório de Combustíveis e Energia, ligado ao Departamento de Estado dos EUA, na qual declarava que o governo do Haiti "... tem diante de si propostas de oito grupos diferentes para estabelecer um porto de transbordo para petróleo em um ou mais portos de águas profundas locais. Alguns dos projetos incluem a construção de uma refinaria..." Ela a seguir comentava que a embaixada conhecia três firmas: Ingram Corporation, de Nova Orleans; Southern California Gas Company; e Williams Chemical Corporation, da Flórida (segundo John Moseley, a companhia de Nova Orleans provavelmente chama-se "Ingraham", não Ingram).

No número de 6 de novembro de 1972 da revista Oil and Gas Journal, Leo B. Aalund comentava no seu artigo "Vast Flight of Refining Capacity from U.S. Looms": "Finalmente, o Haiti de 'Baby Doc' Duvalier está trabalhando com um grupo que quer construir um terminal de transbordo junto a Fort Liberté, no Haiti". Uma das propostas mencionadas por Carbone estava sem dúvida submetida aos interesses da Dunn.

Além disso, ficamos sabendo por este artigo que "a Lonnie Dunn, que possuía a plantação Dauphin, "planejou retificar e ampliar a entrada da baía (Fort Liberte) de modo a que super-petroleiros pudessem nela entrar e a carga ser distribuída para petroleiros menores para a transferência a portos dos EUA e Caribe que não pudessem acomodar navios grandes...".

Inserimos no site da HLLN as outras partes relevantes deste documento, que se referem ao interesse que corporações dos EUA têm tido, durante décadas, em Fort Liberté como porto de águas profundas ideal para multinacionais instalarem uma refinaria de petróleo.

Nas décadas de 50 e 60 havia pouca necessidade dos portos ou do petróleo haitianos, pois do Oriente Médio jorravam dólares em abundância. Para os monopólios que ali atuavam não havia necessidade de enfraquecerem-se a si próprios colocando mais petróleo no mercado e cortarem os seus lucros. Escassez manipulada, teu nome é lucro! Ou, o que equivale dizer, capitalismo.

Mas o embargo petrolífero da década de 70, o advento da OPEP, a ascensão do fator venezuelano, a Crise do Golfo seguida pela guerra pelo petróleo do Iraque, todo esse conjunto tornou o Haiti uma aposta melhor para as peças envolvidas e os mercenários militares chamados "governos ocidentais"; sim, um meio mais fácil de colocar a pilhagem e o saque sob a cobertura pública do "levar a democracia" ou da "ajuda humanitária".

Por acaso, após a mudança de regime de 2004 promovida por Bush filho, a seguir ao golpe militar de 1991 de Bush pai, descobrimos torrentes de "discussões" no Congresso acerca de perfurações off-shore em preparação, com a "revelação" final, tal como escrito há anos no documento Dunn, de que "é necessário para os super-petroleiros portos de águas profundas, os quais não estão prontamente disponíveis ao longo da Costa Leste dos EUA – assim como por considerações ambientais e outras que não permitem a construção de refinarias internas na escala em que serão necessárias".

Enfatizamos que o Haiti é um local de despejo ideal para EUA, Canadá, França e agora o Brasil, pois questões ambientais, de direitos humanos, de saúde e outras nos EUA e nestes outros países provavelmente não permitiriam a construção de capacidade de refinação interna na escala em que as novas explorações de petróleo neste hemisfério exigirão. Assim, por que não escolher o país mais militarmente indefeso do Hemisfério Ocidental e salpicá-lo com iniciativas de desestabilização por trás da máscara "humanitária" da ONU e os paternais cabelos brancos de Bill Clinton com uma cara sorridente?

É relevante notar aqui que a maior parte dos principais portos de águas profundas do Haiti foram privatizados a partir da mudança de regime promovida por Bush em 2004. Também é relevante notar que no ano passado escrevi um artigo intitulado ‘Is the UN military proxy occupation of Haiti masking US securing oil’/gas reserves from Haiti, dizendo: "Se há reservas significativas de petróleo e gás no Haiti, o genocídio e os crimes dos EUA/Europa contra a população haitiana ainda não começaram" - reler ‘Is there oil in Haiti?’, de John Maxwell).

As revelações do dr. Georges Michel e dos documentos Dunn Plantation parecem responder afirmativamente à questão de que há reservas substanciais de petróleo no Haiti. E a nossa informação no Ezili Dantò Witness Project é que na verdade está a ser aproveitada, mas não para o benefício dos haitianos ou do desenvolvimento autêntico do Haiti.

Eis porque havia a necessidade de marginalizar as massas haitianas através da derrubada do governo democraticamente eleito de Aristide e de colocar as armas e a ocupação da ONU que hoje mascaram os EUA e europeus (com uma peça para o novo poder que é o Brasil), assegurando as reservas de petróleo e gás do Haiti e outras riquezas minerais tais como ouro, cobre, diamantes e tesouros submarinos. (Majescor and SACG Discover a New Copper-Gold in Haiti, 6/10/2009; ver Haiti's Riches e There is a multinational conspiracy to illegally take the mineral resources of the Haitian people: Espaillat Nanita, revelando que no Haiti há enormes recursos de ouro e outros minerais).

Hoje, os EUA e os europeus dizem estar felizes com os "ganhos de segurança" do Haiti e com o seu governo "estável". Quer dizer: as últimas eleições presididas pelos EUA/ONU no Haiti excluíram o partido majoritário de qualquer participação. As prisões do Haiti estão cheias, desde 2004, com milhares de líderes comunitários, civis pobres e dissidentes políticos que os EUA/ONU etiquetam como "gangsteres", detidos indefinidamente sem julgamento ou audiências. A Cité Soleil foi "pacificada".

Desde 2004 há mais ONGs e organizações caritativas no Haiti – cerca de 10 mil – do que em qualquer outro lugar do mundo e o povo haitiano está muitíssimo pior do que antes desta civilização EUA/ONU (também conhecida como "Comunidade Internacional") e seus bandidos, ladrões e esquadrões da morte corporativos que cassam os direitos de nove milhões de negros. Os preços dos alimentos estão demasiado altos e alguns recorrem ao pão que o diabo amassou na forma de biscoitos Clorox para aliviar a fome.

Lovinsky Pierre Antoine, o dirigente da maior organização de direitos humanos do Haiti, foi desaparecido em 2007 no Haiti ocupado pela ONU sem que qualquer investigação fosse efetuada. Entre 2004 e 2006, sob a ocupação ocidental, primeiro pelos Marines dos EUA e a seguir pelas tropas multinacionais encabeçadas pelo Brasil, de 14 mil a 20 mil haitianos, principalmente quem se opunha à ocupação e à mudança de regime, foram chacinados com impunidade total. Mais crianças haitianas estão fora da escola hoje em 2009 do que antes de vir a "civilização" EUA/ONG após 2004. Sob o regime imposto pelos EUA em Boca Raton, o Supremo Tribunal do Haiti foi despedido e outro completamente novo, sem qualquer autoridade constitucional emanada de mandato do povo do Haiti, substituiu os juízes legítimos e os funcionários judiciais, sob a tutela da ocupação da ONU e da comunidade internacional.

Marguerite Laurent/Ezili Dantò é dramaturga, poeta, comentarista política e social, escritora e promotora de direitos humanos. Nasceu em Port Príncipe foi educada nos EUA. Para mais informação ver http://www.ezilidanto.com

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Avaliação de Risco

Corrupção democrática

Os sucessivos escândalos de corrupção têm algo em com comum, atingem quase todos os partidos políticos.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

60 anos da ONU

Pesquisadora analisa trajetória da Organização das Nações Unidas, seus dilemas e desafios

Por Elisa Marconi e Francisco Bicudo

Ela está completando 60 anos e chegando à terceira idade. Sua carta de criação, assinada por 51 países, afirma que suas missões principais seriam “garantir a paz e a segurança internacionais, o progresso social coletivo e os direitos humanos, devendo respeitar o princípio da auto-determinação dos povos”. Naquele momento, a humanidade, traumatizada pelas atrocidades cometidas pelo nazi-fascismo e pelos cerca de 50 milhões de mortos durante a II Guerra Mundial, procurava idealizar e colocar em prática mecanismos e instituições que fossem capazes de garantir a prevalência das idéias e da negociação sobre qualquer tipo de força bruta. De certa forma, o surgimento da Organização das Nações Unidas (ONU), em 24 de outubro de 1945, durante a Conferência de São Francisco, foi uma resposta da civilização contra a barbárie.

“Havia um consenso sobre a necessidade de construção de uma ordem internacional baseada na idéia da cooperação”, explica Denilde Oliveira Holzhacker, pesquisadora do Núcleo de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP). “Depois do fracasso da Liga das Nações, nascida depois da I Guerra, e que não conseguiu evitar a II Guerra Mundial, os Estados Unidos e a Europa perceberam que era preciso criar um organismo que tivesse instrumentos de ação mais bem definidos para gerenciar a paz mundial”, completa a especialista, também professora do curso de Relações Internacionais da Universidade São Marcos.

60 anos depois

Passados 60 anos, é possível afirmar que a ONU conseguiu alcançar seus objetivos? Qual o balanço que podemos fazer sobre sua atuação? “Sua existência é de fato imprescindível, apesar de ser marcada por derrotas e vitórias. E um dos grandes dilemas contemporâneos que está colocado é até onde a ONU pode agir no sistema internacional sem entrar em choque com os interesses das grandes potências, principalmente dos Estados Unidos”, responde Denilde.

Esse choque ficou evidente – e chegou inclusive a questionar a própria razão de existir da entidade – quando os Estados Unidos decidiram invadir o Iraque, em 2003, apesar do veto do Conselho de Segurança da ONU e das tentativas de uma saída mediada e negociada para o conflito.

Ameaçada e enfraquecida, conseguiu superar a crise, e atualmente cumpre um papel fundamental no pós-guerra a na reconstrução do Iraque. “A ONU é a responsável por estabelecer a ligação entre a população e as novas instituições do país”, afirma Denilde. Ela usa esse exemplo para contestar um argumento que é freqüentemente utilizado para desqualificar a atuação da entidade – aquele que entende a ONU como um simples reflexo e instrumento de legitimação dos interesses das grandes potências internacionais.

Para a especialista, o caso do Iraque demonstra o quanto ela foi obstáculo para a ação unilateral norte-americana. “Acho uma visão muito maniqueísta e simplista imaginar que ela é apenas marionete nas mãos dos mais fortes. Na Assembléia Geral, que reúne atualmente 191 países, todos têm direito a voz e a voto e acabam tendo peso nas decisões”.

Muitas outras funções

Denilde afirma que, nestes últimos 60 anos, a ONU acabou acumulando diversas funções, e atualmente não se dedica apenas a atuar para garantir a paz, a cooperação e a segurança. Desenvolve também projetos importantes em áreas como educação, saúde, cultura, atenção à infância, combate à pobreza, ações humanitárias.

Essa nova lista de responsabilidades exigiria, segundo a pesquisadora, uma outra estrutura administrativa e de organização, que conferisse mais agilidade e transparência de decisões à entidade. Além disso, seria preciso pensar em estratégias para superar o sistema estatal e incorporar outros atores internacionais, como as Organizações Não-Governamentais. Na opinião de Denilde, um dos grandes fracassos da ONU durante sua trajetória foi a incapacidade de lidar com as diferentes culturas e com os contextos étnicos muito diversos. “Na África, por exemplo, apesar de inúmeras ações, não foi possível modificar um cenário que é extremamente grave”.

A explosão de conflitos, no pós-Guerra Fria, também preocupa. “Ela não consegue evitar guerras, e, quando o conflito acaba, muitas de suas missões humanitárias encontram dificuldades em gerenciar a paz”, lamenta. A ausência da ONU é também sentida na mediação do conflito árabe-israelense, onde as tentativas de paz são lideradas fundamentalmente pelos Estados Unidos. “A forte presença e coalizão dos países árabes na Assembléia Geral, rechaçada por Israel e seus aliados, impede a adoção de uma posição mais isenta na disputa”, explica.

Conselho de Segurança

O debate contemporâneo mais acalorado, no entanto, parece ser o que diz respeito a possíveis mudanças na estrutura do Conselho de Segurança. Um dos principais órgãos da entidade e instância responsável pelas decisões finais, quando o assunto é a paz mundial, o Conselho é formado por dez membros rotativos (eleitos para mandatos de dois anos) e por cinco membros permanentes (EUA, Rússia, França, Inglaterra e China). Estes últimos têm poder de veto – no limite, podem impedir qualquer decisão, mesmo que os outros quatro a apóiem. O G4 (Brasil, Índia, Alemanha e Japão) reivindica a ampliação do número de membros permanentes. Argumenta que essa estrutura de poder corresponde a uma fotografia antiga, do pós-II Guerra. O mundo mudou, dizem, há uma série de outras potências com funções regionais muito importantes, e a ONU deve acompanhar essa evolução e democratizar suas estruturas de funcionamento. O mais difícil talvez seja encontrar o consenso sobre quem participaria dessa nova correlação de poder, caso a ampliação fosse aceita. Argentina e México questionam a vaga brasileira; a China veta o Japão; o Paquistão não aceita a Índia; a Alemanha é vista com desconfiança por outros países europeus; e, na África, países como a Nigéria, o Egito e a África do Sul disputam o direito de representar o continente.

Atentos às disputas, os Estados Unidos já anunciaram: são contra a ampliação do Conselho de Segurança, pois acreditam que um número maior de países exigiria um esforço maior de negociações, e poderia dificultar ainda mais a tomada de decisões. A proposta de reforma norte-americana segue outra lógica e pretende redimensionar a atuação da entidade e limitá-la a algumas áreas específicas – o pós-conflito, por exemplo. Uma alternativa, chamada de terceira via, seria promover a ampliação do Conselho, tirando dos novos membros o direito de veto. Em linhas gerais, essa tese se resumiria a transformar as atuais cadeiras rotativas em permanentes. “Seria uma estratégia cosmética e não mudaria a correlação de forças”, alerta Denilde. Ela acha, no entanto, que a tese da reforma limitada é a mais provável de ser colocada em prática. “EUA e Europa não parecem realmente dispostos a promover mudanças drásticas”.

Quando comenta as vitórias obtidas pela ONU, a pesquisadora faz questão de ressaltar os avanços obtidos na área de direitos humanos. “A ONU trouxe para o cenário internacional a agenda dos temas sociais”, comemora. Ela lembra que essa é uma luta que começa em 1948, com a publicação da “Declaração Universal dos Direitos Humanos”. Na década de 1960, consolida-se a convicção – contra a vontade dos EUA – de que os direitos não são apenas políticos e civis, mas econômicos, sociais e culturais. Em 1994, a Conferência de Viena institui o conceito de “direitos indivisíveis” – o Estado deve garanti-los de forma global e articulada, e não isolada ou fragmentada.

Reforça-se a idéia não apenas do direito à vida, mas à vida com dignidade. “É uma evolução importante, até porque passou a ser concretamente incorporada às legislações de diversos países. No Brasil, por exemplo, a legislação sobre infância e adolescência e os direitos do consumidor são reflexos diretos dessa nova concepção”, completa. Ela não tem dúvidas: a consolidação da cultura dos direitos humanos como um valor universal aconteceu em grande parte graças à atuação da ONU. “É uma vitória extraordinária”, conclui.

Texto publicado no site do SINPRO-SP (www.sinprosp.org.br)

LEIA mais sobre a ONU.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Esperteza

O presidente lula que no passado fez muitas criticas a herança varguista, hoje se mostra um apaixonado pela herança daquele governante, talvez seja mais uma esperteza para capitalizar a simpatia que o ex-presidente ainda desperta.

BRIZOLA NA HISTÓRIA

Autor: CHICO ALENCAR
Publicado:
Data: 24/06/2004


O aviso da morte de Brizola me chegou através de minhas filhas adolescentes e de um jovem amigo favelado, todos entristecidos. Inusitada consternação: eles só conheceram o presidente do PDT neste seu último quarto de hora, jamais votaram nele, mas nutriam pela sua figura uma afeição e respeito que só os homens de bem provocam.

Já para a minha geração, a perda é histórica: Brizola encarnou o projeto interrompido de um Brasil mais justo, das reformas de base, e o Brasil no exílio, expulso de si mesmo, árvore arrancada, de raízes para cima. Ele também sintetizou o Brasil replantado, reformado, passado a limpo, dizendo um rotundo Não à ditadura com sua eleição memorável de 1982. Brizola, único brasileiro a ser eleito governador por dois estados, não esteve imune às contradições da política, aproximando-se do chaguismo que tanto combatera, simpatizando com mais um ano para o general Figueiredo e questionando a CPI do Collor. Essas posições provocavam polêmica porque não combinavam com ele próprio e com o simbolismo progressista que construíra.

Formado na escola dos grandes condutores da massa, do populismo dos líderes carismáticos, Brizola soube sê-lo à esquerda de um Jânio, mantendo acesa, na boa tradição trabalhista, sua sensibilidade social e sua atenção para com os de baixo, para quem tirava o chapéu e o paletó, preferindo aos escuros ternos do poder sua camisa social azul. Com seu magnetismo, gerou adesões passionais e venerações mitológicas, algumas delas, como a que produziu ofensas ao presidente Lula em seu velório no Palácio Guanabara, beirando a irracionalidade.

Brizola trouxe a educação pública para o centro do debate político e gastou com ela o principal dos recursos governamentais, compondo, com Darcy Ribeiro e Oscar Niemeyer, o trio propulsor do projeto dos CIEPs que abrigava crianças, e, por isso, era obra muito mais útil do que aquelas para passar carros ou enfeitar fachadas. Brizola foi um democrata de viés autoritário, apegado à sua militância política, pela qual arriscou a pele, e cioso de sua herança trabalhista. O trabalhismo, agora, terá que se reprogramar, na ausência de seu grande condutor.

Brizola partiu quando, mais uma vez, praticava sua verve juvenil de perene crítico, de vigoroso contestador. Morreu fazendo críticas ao governo Lula, e, reconheçamos, várias delas bem procedentes.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Lula lá

Em 1989, eu ainda não tinha idade suficiente para votar, mas lembro-me nitidamente da campanha eleitoral para presidente, depois de vinte e quatro anos de repressão militar e de um presidente eleito indiretamente que morreu sem poder tomar posse... Assume então o vice, José Sarney, que, diga-se de passagem, nunca mais saiu do governo, mas isso é papo para outro momento...

Naquela primeira campanha eleitoral para presidente, depois da redemocratização do país, se viu de tudo: vinte candidatos no primeiro turno, se não me falha a memória, entre eles, Enéias, Ulysses Guimarães, Afif, Brizola, Collor e um metalúrgico, barbudo com um dedo a menos chamado Luiz Inácio Lula da Silva. O jingle de sua campanha “Lula lá, sem medo de ser feliz”, na voz de Gilberto Gil, ecoava em minha mente e na de grande parte do povo brasileiro... Por incrível que pareça, o sindicalista foi para o segundo turno, porém derrotado pelo “caçador de marajá”... Mas, o caçado foi Collor, que renunciou antes de ser deposto, dando a vez ao seu vice Itamar Franco que resolveu ressuscitar o fusquinha...

Na eleição seguinte, em 1994, lá estava o Lula de novo no segundo turno que acabou dando a vitória a um sociólogo chamado Fernando Henrique Cardoso, com seu plano real que lhe garantiu popularidade o suficiente para a re-eleição em 1998, porém Lula estava lá, outra vez no segundo turno marcando presença...

Sua vez chegou em 2002, como o presidente mais votado de todos os tempos, com um plano de governo mais apaziguador, porém com as mesmas diretrizes e ideias de melhorar a vida do povo brasileiro. Entre outros aspectos, vi desabrochar o “Fome zero” e o “Pró-uni”... Lá se vão quase dois mandatos e nosso país já tem músculo suficiente para contornar e superar uma grande crise econômica, como aconteceu recentemente... O metalúrgico tão criticado por sua escolaridade, teve uma gestão marcada por construção de escolas e abertura de possibilidades para nossos jovens carentes cursarem uma faculdade...

Só quem não gostou, foram aqueles que sempre estiveram por cima da carne seca e de lá nunca querem sair para dar chance ao menos abastado crescer e evoluir...

E agora, este político criticado por muitos, mas amado pela maioria do povo, haja vista seus grandes índices de popularidade, ganha mais uma eleição: a de Estadista Global do Fórum Econômico Mundial. O prêmio, que neste ano é realizado em Davos, na Suiça, tem o objetivo de destacar um líder político que tenha usado o mandato para melhorar a situação do mundo. E o nosso presidente “tem mostrado verdadeiro compromisso com todas as áreas da sociedade”, segundo Klaus Scwab, fundador e presidente do Fórum Econômico Mundial...

Já escrevi em outra oportunidade que “não sou jornalista”, esta coluna é independente, não tenho compromisso com a imparcialidade, portanto não hesito em dizer que sou um grande admirador do presidente Lula e aplaudo cada vitória em sua vida, principalmente quando trata-se de algo que melhora a vida do povo ou que faz nosso país ser reconhecido pelas suas ações... Sei que não vivemos num país perfeito, temos muito o que melhorar ainda na questão de politização do povo e dos próprios políticos que ainda têm representantes se rendendo aos fascínios da corrupção... Aliás, se a corrupção foi exposta, é porque está sendo, mesmo que aos poucos, desmascarada... Nosso ilustríssimo presidente não transformou nossa nação em uma super-potência, nem podemos esperar isso, mas os avanços conseguidos nas suas duas gestões são muito maiores que dos seus antecessores... Não é fácil consertar um país que caminhou errado por quinhentos anos. O processo é lento, porém deve ser contínuo e este é um desafio que deve ser abraçado também pelo próximo presidente.


Márcio Roberto Goes

www.marciogoes.com.br

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Lula está fazendo uma ingratidão com FHC.

"Lula fica cuspindo no prato que recebeu, a herança maldita, mas é uma herança bendita, porque todos os fundamentos que permitiram o sucesso do governo Lula hoje foram plantados por Fernando Henrique. Lula está fazendo uma ingratidão com FHC."

Roberto Jefferson

Socialismo em debate

Jung Mo Sung
23/06/2009


Felizmente o tema do socialismo volta à discussão! É claro que há grupos que, mesmo após a derrocada do bloco socialista, não deixaram de pregar, anunciar e discutir - muitas vezes de modo dogmático - o socialismo como a única saída possível para a "barbárie capitalista". Mas, muitos se afastaram dessa discussão, até como uma forma de se preservar da dor da frustração frente às esperanças depositadas nesse sistema econômico-social que se sucumbiu (ou parecer ter sucumbido) frente ao capitalismo. Com isso, muitas das propostas de alternativas passaram a ser formuladas em termos muito abstratos, marcados quase que exclusivamente por valores éticos e ecológicos, sem muita preocupação com o "desenho institucional e econômico-político". E sem diretrizes que mostrem ou indiquem o formato institucional da política e economia, essas propostas genéricas não oferecem critérios para orientar as nossas lutas e ações sociais e políticas.

Afirmações do tipo "a nova sociedade será espiritual e viverá em harmonia com todos os seres vivos e com o Planeta" são importantes para manter o horizonte de desejo, mas não oferecem direções e critérios para lutas concretas. Com isso, surge uma distância grande entre esses discursos cheios de desejos bons e as lutas e ações locais concretas. Por isso, eu afirmei que felizmente o tema do socialismo está voltando a ser discutido em setores comprometidos com a causa da vida dos pobres e dos dominados. Um exemplo disso é a publicação nos últimos dias, no Adital, de dois artigos que merecem ser lidos e discutidos ("Estatismo é a alternativa?", de Manfredo A. Oliveira e "Socialismo, contradições e perspectivas", de Frei Betto).

Eu penso que não poderemos construir um novo projeto de sociedade e de civilização sem retomarmos as discussões sobre o socialismo, os seus erros e acertos, suas semelhanças e diferenças com o capitalismo, seus potenciais e limites. Dessa discussão podemos reafirmar o socialismo como uma alternativa ao capitalismo ou "inventar" outro projeto, mas não podemos evitar essa discussão. E espaços como Adital pode ser um lugar para esse tipo de debate.

E a importância desse debate se mostra mais claro se levarmos em consideração que até Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia, escreveu nos últimos dias que a atual crise econômica deixará como um dos legados "uma batalha de alcance global em torno de idéias [...] em torno de que tipo de sistema econômico será capaz de trazer o máximo de benefício para maior quantidade de pessoas". E que "em boa parte do mundo, [...], a batalha entre capitalismo e socialismo - ou ao menos entre o que muitos estadunidenses consideram socialismo - segue na ordem do dia" ("As mensagens tóxicas de Wall Street").

Uma primeira pergunta que pode aparecer na discussão sobre a alternativa ao capitalismo é: qual é a diferença fundamental entre o capitalismo e socialismo? Uma das idéias bastante difundida sobre esse assunto - entre "a esquerda pós-moderna e/ou ecológica" e até mesmo nos setores da "esquerda cristã" - é que não haveria muita diferença entre esses dois sistemas econômico-social-político. Os dois seriam "filhos da modernidade" e que, por isso, eles teriam o mesmo objetivo de aumento da produção (com a conseqüente destruição da natureza). A principal e talvez a única diferença seria que a propriedade dos meios de produção está na mão das empresas privadas no capitalismo e na mão do Estado no socialismo. Para alguns, o socialismo teria caído no "engodo do capitalismo" ou teria preservado as principais características do capitalismo e substituído somente a propriedade privada pela estatal.

Eu penso que essas críticas têm uma boa parte da razão, mas não capta um ponto essencial. Apesar das semelhanças, há uma diferença fundamental entre os dois sistemas sociais. No capitalismo, toda o sistema de produção, distribuição e consumo está guiado pela lógica da mercadoria ou pelo "valor de troca". Isto é, as empresas produzem bens, não em função da sua utilidade na reprodução da vida na sociedade ("valor de uso"), mas em função do seu valor de troca, isto é, para atender os desejos dos consumidores. Nas palavras de um dos economistas mais influentes no séc. XX, Paul Samuelson, "as mercadorias vão para onde há maior número de votos ou de dólares. O cachorro pertencente a John D. Rockfeller pode receber o leite de que uma criança pobre necessita para evitar o raquitismo". Criança pobre necessita do leite, mas como ela não é consumidora não faz parte do mercado, para onde os bens são produzidos. É assim que o sistema funciona, e o empresário não tem opção: no sistema capitalista ele tem que obedecer às leis do mercado (ou "as leis do valor").

O socialismo é um sistema pensado para "dominar" essa lei do valor e pensar a produção e a distribuição dos bens em função da reprodução da vida social. Por isso, por ex., em Cuba antes da crise pós-derrocada do bloco socialista havia escolas e hospitais para toda população, mas poucos restaurantes e quase nenhuma loja de bens de consumo considerados pelo Estado como supérfluos. O Estado apropriou-se de (quase) todos os meios de produção para poder planejar a economia em função do "valor de uso" e das necessidades da população e do regime.

O problema é que os modelos de socialismo implantados nos mais diversas partes do mundo geram também totalitarismo e ineficiência produtiva, gerando uma sociedade submetida ao Estado (que aparece por ex. na ausência da sociedade civil organizada) e a escassez de bens de consumo e de serviços necessários para a reprodução da vida corporal de forma digna e prazerosa.

Os erros e problemas dos sistemas socialistas que existiram ou ainda existem no mundo devem ser assumidos para aprendermos com a história, mas não podemos ignorar a diferença fundamental (pelo menos em termos teóricos e de valores que nortearam os principais teóricos e revolucionários socialistas) entre a lógica capitalista e a lógica de um sistema (qualquer que seja o nome que venha a ter) que procura colocar a reprodução da vida de todas as pessoas como o princípio norteador da organização econômica, social e política.

Jung Mo Sung é professor de pós-graduação em Ciências da Religião e autor de "Cristianismo de libertação: espiritualidade e luta social", Ed. Paulus.

Nélson Jobim

"o ministro Nélson Jobim ... busca deixar o governo Lula com algum alarido e engajar-se na campanha de José Serra, seu amigo, em cujo eventual governo espera encontrar alguma vaga no primeiro escalão."


Ruy Fabiano é jornalista

sábado, 13 de fevereiro de 2010

O PODER É AFRODISÍACO

por Maria Lucia Victor Barbosa, socióloga
Algumas pessoas não entendem a aceitação quase unânime de Lula da Silva. Aconteça o que acontecer, pesquisas sempre registram assombroso e crescente prestígio do presidente da República. Escândalos atingindo seus companheiros mais próximos de partido e de governo, algo que em outros países no mínimo traria descrédito à figura presidencial, não acarreta consequência sobre o mito do salvador da pátria cuidadosamente construído. Apagões de transporte aéreo, apagões de energia, Educação no fundo do poço da mediocridade, Saúde em descalabro, estradas em estado calamitoso, nada perturba a paz e a alegria do presidente voador, que quando não se encontra em palanques ou sob as luzes das TVs está usufruindo de uma de suas inúmeras e maravilhosas voltas ao mundo.

No ano passado, o presidente que tanto criticou as viagens do seu antecessor passou 83 dias circulando pelo Brasil em campanha ilegal por Dilma Rousseff e 91 dias em 31 países. Neste ano ele já visitou, somente em janeiro, sete Estados, sempre acompanhado por sua ministra da Casa Civil e candidata. Entre frenéticos discursos Lula da Silva inaugura o que existe e o que não existe.

A popularidade do presidente, segundo alguns, vem do seu carisma. Será? Se fosse tão carismático ele teria se alçado à presidência da República na primeira tentativa e não na quarta. Outros atribuem o prestígio de Lula da Silva a sua genialidade. Mas gênio não emite tantos disparates quando deixa de lado a leitura dos discursos oficiais e expande sua verve populista, entremeada de palavrões e ataques pesados aos adversários.

Na verdade, a aceitação de Lula da Silva vem de alguns aspectos já conhecidos e por mim já abordados em artigos, tais como: propaganda asfixiante, impressionante culto da personalidade, exposição em over dose da figura presidencial trabalhada como um pop star, “bondades” distribuídas aos ricos, aos pobres e a chamada base aliada, o que demonstra a velha máxima: “pagando bem que mal tem”.

Tudo isso seria suficiente para o endeusamento de Lula da Silva. Mas tem algo mais que tem sido feito por ele mesmo. Em arroubos megalomaníacos o presidente não cessa de se endeusar, de se auto-elogiar, de ensinar ao mundo seu exuberante êxito. Ele sente prazer em exercitar sua autoridade, de se impor. Por isso se diz que há algo afrodisíaco no poder. Rendida, a massa que escuta apaixonada a violência verbal chega ao êxtase coletivo e se rende ao culto do chefe ou à sua imagem, o dá a ele o grande recurso para governar.

A Lula da Silva basta a imagem, o tom de voz, os esgares. E quando a imagem se sobrepõe à verbalização temos o antidiscurso que justamente consagra o fascínio pela incoerência tão cara às massas.

Lula é a personificação do antidiscurso. Some-se a isso o que Hannah Arendt denominou como “instinto de submissão: “um desejo ardente de se deixar dirigir, de obedecer a um homem forte”. Isso explica um dos fatores da obscura adesão a uma imagem, a uma projeção idealizada que jamais resistiria a sua própria realidade tosca, incoerente, medíocre, vulgar.

Em sua magistral obra, “O Estado Espetáculo”, Roger-Gérard Schwartzenberg mostra como no fascismo a “multidão italiana se entregou ao Duce, o macho latino, de forma voluptuosamente submissa”. E Hitler, demonstrando o comportamento machista do nazismo, declarou: “A grande maioria do povo se encontra numa disposição e num estado de espírito tão femininos que suas opiniões e seus atos são determinados muito mais pela impressão produzida sobre seus sentidos, que por uma reflexão pura”.

Também na obra acima citada se encontra o que disse William Gavin, que foi membro da equipe de Nixon: “O eleitor é fundamentalmente preguiçoso e em hipótese alguma se poderá esperar que ele faça o menor esforço para compreender o que lhe dizem. Raciocinar exige um grau elevado de disciplina e concentração; é mais fácil impressionar. O raciocínio repugna ao telespectador, ou então o agride, exige que ele concorde ou recuse; uma impressão, ao contrário, pode envolvê-lo, solicitá-lo sem o colocar diante de uma exigência intelectual”.

Os marqueteiros, esses construtores de imagens, sabem tudo isso. E os ególatras que alcançaram o poder praticam a sedução e a submissão das massas de modo espontâneo e masoquista. Seu egocentrismo desenfreado, seu hedonismo patológico os torna megalomaníacos. Entretanto, todos também sabem que paixões não são eternas. Tampouco existem deuses mortais.

Note-se que a paixão dos venezuelanos por Hugo Chávez, outro macho latino com características fascistas, começa chegar ao fim. Quanto ao presidente brasileiro é um homem de sorte incomensurável, mas sorte é algo aleatório e um dia pode acabar. Recentemente Lula da Silva provou para si mesmo que não é imortal. E começa a aprender o que ensinou Maquiavel: “Quem cria o poder de outrem se arruína”. Ele que se cuide com Dilma Rousseff.