domingo, 16 de dezembro de 2007

Luiz Fernando Verissimo

Precisa-se de uma revolução
O Kilimanjaro é aquela montanha na África onde, segundo Hemingway contou num conto, um dia encontraram a carcaça congelada de um leopardo perto do cume, e nunca ficaram sabendo o que o leopardo fazia por lá.
O leopardo de Hemingway já foi considerado símbolo de muitas coisas: espirito de aventura, a busca solitária do inalcançável, a imprevisibilidade do comportamento humano, a pretensão ou a simples inquietação que move bichos e artistas.
Num mundo ameaçado de afogamento pelo degelo causado pelo aquecimento global, o leopardo de Hemingway também pode simbolizar o instinto suicida que nos trouxe a este ponto.
O próprio Kilimanjaro é um termômetro assustador do efeito estufa cujas conseqüências e combate se discute agora em Bali.
O pico do monte já perdeu mais de 80 por cento da sua cobertura de neve nos últimos 90 anos e o cálculo é que a neve desaparecerá por completo nos próximos 20.
Os Estados Unidos têm 4 por cento da população do planeta e emitem um quarto do dióxido de carbono e outros venenos que ameaçam todo o mundo. Mas não são vilões isolados, nem se deve estranhar muito sua aparente opção pelo suicídio.
Escrevendo num “London Review of Books” sobre o fim próximo da civilização do hidrocarbono, Murray Sayle fez um paralelo entre Japão e Europa, onde já haviam comunidades nacionais antes da Revolução Industrial, e o Novo Mundo, onde as identidades nacionais se formaram graças ao combustível fóssil, e não seriam países se não fosse pelo trem, o barco a vapor e depois o automóvel.
Canada e Australia também estão na frente contra maior controle sobre as emissões e também insistem em caracterizar sua resistência como oposição democrática e realista ao ambientalismo elitista. De certa forma, nestes países o ambientalismo contradiz toda uma cultura empreendedora, que definiu o caráter nacional.
O que se está pedindo deles é nada menos do que uma condenação da própria história e uma revolução do pensamento.
O fato é que um dia um extra-terreno descobrirá a carcaça calcinada - ou congelada, já que depois do diluvio virá outra era glacial - de um homem da idade do hidrocarbono, e a considerará tão inexplicável quanto a do leopardo de Hemingway.

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