segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Velhas feitiçarias

Velhas feitiçarias

Para o historiador romano Políbio a história não passava de uma infinita espiral. Tal visão casa-se perfeitamente com, por exemplo, a cosmovisão do hindu ou budista da Samsara, os ciclos reencarnatórios necessários e repetitivos necessários ao aperfeiçoamento e por fim a dissolução do espírito no Nirvana.

Aplicada a política, a visão de Políbio permite traçar alguns paralelos entre períodos encontrando situações comuns para a análise ex post facto adaptada a novas conjunturas.

Esta técnica pode ser muito útil evitando que erros cometidos em situações semelhantes no passado sejam repetidos no presente. Mas também pode se revelar extremamente perniciosa quando os que dela fazem uso pretendem que situações análogas ocorridas no passado sejam idênticas no presente. Não o são por um motivo simples: se a conjuntura não é rainha absoluta da ação, ela acaba tendo sim um papel importantíssimo a desempenhar em cenários políticos.

Toda esta introdução verborrágica e pseudo-intelectualóide vem para que este desimportante escriba interiorano lance seus pitacos para o período pós e pré-eleitoral. Sim. Também para o período pré-eleitoral, porque ali foi condicionada e arquitetada boa parte da derrota da oposição.

Aécio e o Tancredismo


Aécio Neves da Cunha, neto e herdeiro político do saudoso Tancredo Neves, vem desde 2002, quando venceu sua primeira eleição para o governo de Minas Gerais, tentando construir uma estrada que o leve ao Planalto. Desejo legítimo, afinal, a ambição pelo poder maior é o motor primordial da política. Entretanto, cumpre-se analisar como este desejo tem prejudicado de maneira bastante aguda o agrupamento político do qual Aécio, ao menos em tese, faz parte, a centro-direita brasileira.

Aécio tem pautado seu discurso, mais das vezes, por um regionalismo que em pleno século XXI, em um período de economia globalizada, quando mesmo o conceito de nação vai perdendo cada vez mais importância, encontra-se completamente fora do lugar.

Justiça seja feita: o tal do regionalismo nem chega a sair da lavra do próprio Aécio, que ao menos em declarações públicas costuma ser muito mais ponderado, digno e leal do que seus áulicos. Mas fato é que o líder mineiro tem permitido que em seu entorno tais teses floresçam e prosperem, ganhando corpo especialmente na opinião pública mineira, que vale lembrar, representa o segundo maior colégio eleitoral do país.

O resultado, óbvio, evidente, inescapável, é que os favorecidos por tal ambiente em Minas Gerais tem sido justamente os maiores inimigos (não, o PT não é um simples adversário. É um verdadeiro inimigo da democracia) do campo político do qual Aécio faz parte.

Vitórias seguidas do PT nas eleições de 2002, 2006 e 2010 no território mineiro não me deixam mentir. É matemático. Ao incentivar a voga de que "Minas merece um presidente", "Minas não aceita mais se submeter a São Paulo" e outras bobagens sem par, Aécio da Cunha Neves, seus áulicos, o PSDB mineiro e mesmo uma certa intelectualidade, encastelada em grande parte na imprensa anti-PSDB nacional, conseguem um único resultado: ajudar o PT a se manter no poder com a maior das facilidades.

Retomemos o fio do Tancredismo. A corrente política criada por Tancredo serviu muito bem para um determinado momento da conjuntura nacional: a redemocratização de 1985. Por quê? Very, very simple. As eleições foram indiretas. Era preciso partir de uma base local forte, que desse poder de fogo diante dos convencionais. O motivo de Tancredo ter sido o candido pelo PMDB e não o eterno presidente da legenda, Ulysses Guimarães, é tão somente este: Tancredo tinha um governo de estado para "operar", Ulysses não.

De Minas, Tancredo só conseguiu a unidade de correntes políticas tão díspares como os liberais da Arena, que depois formaram o PFL e dos esquerdistas do PMDB, por um único motivo: havia a bandeira da redemocratização do país. Fora disso, tal aliança era simplesmente impossível de ser reproduzida.

A impressão que se tem, às vezes, analisando o neo-Tancredismo redivivo no Aecismo, é que os áulicos, a intelectualidade em órbita e last but non least, do próprio Aécio Neves, é que estão tentando repetir uma estratégia política cujo prazo de validade venceu há exatos 25 anos.

Lulismo e o Neo-Getulismo


Voltemos a Políbio e encaremos a história como uma grande espiral repetitiva. Neste contexto, Lula parece ser o Getúlio do século XXI. É claro que as bases sociais e políticas mudaram. É óbvio (ás vezes os aecistas parecem não dar muita bola para isso) que a conjuntura, especialmente a conjuntura econômica é radicalmente distinta. Mas fiquemos com a semelhança.

Primeiro, Lula é fruto do neo-trabalhismo, oriundo do novo sindicalismo do ABC paulista, um sindicalismo ad infinitum mais capitalista que aquele criado por Getúlio a partir da CLT e do verticalismo estadonovista. Mas ainda assim, não deixa de ser um herdeiro moderno do sindicalismo getulista. Sendo assim, o PT seria uma espécie de PTB moderno.

Mas aí há que se abrir um parentêse: enquanto o PTB assentava-se apenas na máquina sindical, o PT logrou ir muito além. Se espraiou pelo campo, modelando via Igreja católica "progressista" uma sólida aliança com movimentos campesinos, por fim centralizados no MST. Ganhou a adesão da intelectualidade "progressista". E aquela mesma Igreja "progressista" que celebrou o casamento de PT e MST, garantiu ao partido em seus primórdios uma capilaridade pelos rincões brasileiros inimaginável para o velho PTB.

O esquema de hoje é infinitamente mais profissional do que o de antanho. Os sindicalistas do PT controlam hoje fatias gigantescas do capital nacional via fundos de pensão. Uma gentileza, que como tantas outras, devem ao período de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) na presidência. Só este pequeno detalhe já mostra a diferença de força entre o velho e o novo sindicalismo.

O grupo de Aécio acha que discursos de união farão esta gente abrir mão de seu poder espontâneamente, quando contam com todos os instrumentos para mantê-lo e ampliá-lo? Aécio acha que a sua oferta de aliança estapafúrdia, cuja construção começou na prefeitura de Belo Horizonte, faria o PT abrir mão da presidência em troca do Palácio da Liberdade? De fato tais análises sugerem que Aécio, seus áulicos e seus candidatos a intelectual subestimam demais a inteligência político-estratégica do petismo.

JK e a saída Juraci

Corria o ano 1959 da Graça de Nosso Senhor, quando Juscelino Kubitschek, preocupadíssimo com seu retorno ao poder em 1965 reuniu um grupo de políticos e assessores para traçar a melhor estratégia. Vários cenários foram estudados e um dos cenários em que mais se investiu foi o de uma candidatura de "unidade nacional". No entender de JK, o próximo quinquênio seria de recessão e o presidente que assumisse fatalmente teria de tomar medidas impopulares para conter o descontrole inflacionário que fatalmente adviria da irresponsável política fiscal "desenvolvimentista" aplicada durante seu governo.

A mágica era simples: tentar fazer candidato pela UDN, principal partido de oposição a JK, Juraci Magalhães, que dentro de sua legenda havia tentado ser um "moderado", liderando a ala que várias vezes no Congresso apoiou o governo de JK. O PSD de JK, sem candidato, ficaria de fora do pleito. Passado o quinquênio, com Juraci fazendo o trabalho de pôr a casa que JK havia deixado bagunçada em ordem, o malandro Juscelino voltaria nos braços do povo com o seu bom e velho desenvolvimentismo.

Não deu certo, já que estas bruxarias saídas das plagas das Gerais costumam nunca dar certo. Exceto em uma conjuntura excepcional como a que elegeu Tancredo, que coincidente e tragicamente acabou por não colher os frutos de tão ortodoxa estratégia, qual seja, a de reunir opostos em uma mesma coalizão política.

Quanto a Juraci, vale lembrar que no curtíssimo período democrático que vivemos de 1946 a 1964, por várias vezes seu nome apareceu como de "consenso" e "pacificação" entre a UDN e o PSD, adversários irreconciliáveis. Entretanto, Juraci sequer conseguiu ser candidato. Entenderam aecistas, ou será preciso desenhar?

Voltando a Tancredo


Concluo dizendo que pareceu faltar a Aécio neste pleito um tantinho da inteligência política de seu avô. Porque é inegável que Tancredo foi dos mais inteligentes, hábeis e sábios articuladores políticos da Terra de Vera Cruz no século passado.

Fosse vivo e certamente Tancredo teria aconselhado Aécio a ser vice de José Serra. Isso não teria evitado a derrota, muito provavelmente. Mas Aécio sairia do pleito como novo e inconteste líder da oposição.

Ao bater o pé, fazer birrinha, não aceitar o cargo e por fim ver Dilma Rousseff triturar José Serra em seu território no primeiro e no segundo turnos, Aécio conseguiu colocar em seu próprio caminho grandes pedras, que serão difíceis de remover nos próximos quatro anos.

A desconfiança que Aécio conseguiu gerar no pouco de militância de verdade que o PSDB tem, terá de ser superada com uma oposição muito consistente e mais importante, com a reconstrução da unidade do PSDB.

E unidade, vale lembrar, não se reconstrói querendo eliminar serristas ou outras idéias mirabolantes saídas da pena de intelectuais pró-Aécio. Se constrói na peleja política, em um clima de lealdade e companheirismo. E tenho dito.

Eduardo Bisotto

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