sexta-feira, 24 de julho de 2009

Esquerdas e direitas, hoje!

Os inúmeros problemas da esquerda ajudaram as direitas a se camuflarem melhor e se postarem como única e verdadeira solução. O atual contexto internacional é bastante favorável às posições conservadoras e ao mito de que não existe mais espaço para o pensamento de esquerda.

Luís Carlos Lopes

Mais de duzentos anos se passaram da revolução francesa, entretanto, a distinção entre direita e esquerda permanece viva e útil para a compreensão do espectro político atual. Na origem, estes termos de uso político nasceram por designar os lados onde se sentavam os membros da Assembléia de 1791. Os da esquerda queriam a afirmação e o aprofundamento dos princípios dos direitos do homem e os referentes à legítima luta contra a opressão. Os da direita queriam os suprimir ou dar um jeito de contorná-los. Desde lá, havia gradações à esquerda e à direita e não faltaram os que se afirmavam numa posição, na verdade desejando a outra. Os disfarces e os artifícios retóricos existiam há séculos. Não foram inventados pela modernidade dos acontecimentos de 1789.

Nos últimos dois séculos, a mesma distinção, com todos os seus problemas, foi e continua sendo usada por toda parte. Continua sendo possível medir o arco que leva da direita à esquerda com todas suas inflexões. Nem sempre é fácil perceber os disfarces, bem como, o exagero do discurso que escamoteia os propósitos efetivos de quem se postula de esquerda ou é reconhecido como de direita. Lembrando-se sempre que é mais fácil o auto-reconhecimento à esquerda. Poucos desejam ser considerados membros do outro campo ideológico.

Escondem, enquanto podem, o que realmente acreditam. Atualmente, quem é de direita costuma dizer que a distinção não é mais válida, remete a um outro tempo etc. Quem foi de esquerda e traiu suas convicções tem imenso interesse em confundir sua audiência, desejando que se esqueça do passado, como se fosse possível renascer das cinzas.

O olhar de quem é realmente de esquerda não compactua com a exploração do homem pelo homem, nas suas imensas variações. Não aceita que as pessoas sejam manipuladas e a elas sejam negados os seus direitos mais essenciais. Não concorda com a disseminação da ignorância e com o impedimento do acesso às informações políticas e científico-culturais fundamentais. Não pode assentir com direitos e tratamentos desiguais, independentemente do sexo, da idade, das características raciais e das posições ocupadas no tecido social por qualquer pessoa. Acredita que as ordens socioculturais e políticas não são naturais e que podem ser modificadas, no interesse coletivo.

Como fazer valer tudo isto sempre foi muito difícil, ser de esquerda foi confundido com viver fora da realidade, não ter juízo e acreditar no impossível. No século XX, as coisas se complicaram ainda mais, porque, em nome da esquerda foram cometidas atrocidades típicas das direitas, cultivaram-se idéias, práticas e comportamentos muito próximos aos que as direitas sempre defenderam. O filme alemão, em cartaz, A Vida dos Outros, dá uma boa idéia do problema.

A história hoje conhecida do chamado socialismo real de Estado ajudou a confundir as opiniões e facilitou o trabalho das direitas. Por causa disto, é bom identificar a que tipo de esquerda se pertence. Tal como na velha revolução francesa, razões de Estado podem suplantar e, mesmo, destruir os ideais que deram início ao processo.

Os inúmeros problemas da esquerda ajudaram as direitas a se camuflarem melhor e se postarem como única e verdadeira solução. O atual contexto internacional é bastante favorável às posições conservadoras e ao mito de que não existe mais espaço para o pensamento de esquerda. As grandes mídias alardeiam a todo tempo o fim da possibilidade de criação de sociedades mais justas. Difundem, com o apoio de inúmeros intelectuais, a idéia de que não se pode compreender o mundo objetivamente e se lutar contra as iniqüidades atuais. Tentam dominar as consciências por meio da intriga, da mentira e de modos de pensar imunes a quaisquer saídas mais racionais. Apelam para um excesso de emoções alienadas e escondem a existência das ciências e das artes eruditas e populares autênticas, as substituindo pelo pastiche grotesco, o obscurantismo e o misticismo. No interior destas mídias, alguns tentam heroicamente evitar que a luz desapareça completamente. Isto significaria o fim de tudo, o apocalipse para quem ainda pensa e deseja fazer um trabalho decente. Para as direitas, não há problema. Elas estão acostumadas a viver com os entes dos infernos.

Ser de direita é bem mais fácil. Significa estar de acordo, mesmo que a razão indique que não se está dizendo a verdade ou que a causa defendida pode dar prejuízos até mesmo a quem a defende. Existem os que são de direita por estar defendendo seus interesses, por serem poderosos e desejarem ainda mais poder. Infelizmente, há os que defendem idéias de direita contra si próprios. Advogam crenças que os penalizam. Deixam de usar da razão e mentem para si mesmo.

Uma das velhas discussões sobre o mesmo problema é a de saber porque alguns aceitam, na grande imprensa, por exemplo, ter posições tão claramente de direita, mesmo não sendo donos dos jornais e revistas onde escrevem. O falso enigma por vezes aparece, quando se descobre, em alguns casos conhecidos, que os mais aguerridos são também os que recebem de várias fontes. A notícia e a opinião são mercadorias que podem ser oferecidas e vendidas por telefone ou em reuniões privadas. Basta consultar as janelas do noticiário existentes, sobretudo nas mídias alternativas, e ver as pontas dos icebergs, deste velho problema.


Luís Carlos Lopes é professor, autor do livro "Culto às Mídias", dentre outros.

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