“Que semana infernal essa, não?” – perguntei por telefone a uma amiga que mora no Jardim Botânico, bairro de classe média alta do Rio. “Exagero. Circulei livremente e não ouvi um único tiro”, respondeu.
Do bairro de Vila Isabel, outro amigo me disse: “Fora a queda do helicóptero da polícia não aconteceu nada de extraordinário”. Provoquei: E a morte do cara do Afro Reggae? “Todo dia morre gente”.
Eu estava no Rio quando foi assassinada em 22 de novembro de 2006 a socialite Ana Cristina Giannini Johannpeter.
Ela dirigia sua caminhonete blindada Mercedes-Benz, modelo ML 500, e parou diante do sinal fechado na esquina da Rua General San Martin com Avenida Afrânio de Melo Franco, no Leblon, a cerca de 150 metros da 14ª Delegacia de Polícia. Cristina então baixou o vidro para fumar.
Dois bandidos, que passavam por ali em uma bicicleta, encostaram-se ao carro e um deles apontou para Cristina um revólver calibre 38, ameaçando-a: “Eu não quero o carro. Só as suas coisas. Eu vou atirar!"
Cristina entregou a bolsa, o celular, e ao se preparar para tirar o relógio do pulso, tirou sem querer o pé do freio. Como o carro era hidramático, movimentou-se sozinho. O bandido atirou na cabeça de Cristina.
Na companhia de amigos, fiz uma ronda por bares e restaurantes do Leblon na noite do dia seguinte. O assassinato de Cristina era o assunto na maioria deles.Mas para meu espanto, ouvi repetidas censuras ao comportamento da morta.
Como uma milionária era capaz de dirigir o próprio carro? Como não havia seguranças ao seu lado? Por que baixou o vidro para fumar? Como pôde ser tão descuidada a ponto de tirar o pé do freio?
A sociedade carioca está sedada pela violência que, no período de apenas uma semana, fez 46 mortos, vítimas da guerra entre facções rivais do tráfico e as forças da segurança.
No primeiro quadrimestre deste ano foram mortas 2.237 pessoas no Rio – 9,4% a mais que no primeiro quadrimestre de 2008.
Em agosto último, o número de mortos em confronto com a polícia foi 150% maior do que em agosto do ano passado.
O número de favelas no Rio cresceu de 750, em 2004, para 1.020 neste ano. Cerca de quinhentas são controladas pelo tráfico. A venda de cocaína rende algo como R$ 300 milhões por ano aos bandidos.
Quem sustenta o tráfico é quem tem dinheiro. E quem tem dinheiro mora no asfalto.
A violência é o pedágio que os cariocas pagam aparentemente conformados para que uma parte deles possa continuar se drogando.
O noticiário costuma informar: “A polícia invadiu o morro tal”. Como se os morros fossem territórios independentes da cidade, dotados de governos próprios que mantêm relações econômicas com outros países do continente, a exemplo da Bolívia, Paraguai e Colômbia.
E de certa forma é o que eles são. Nessas áreas de escandalosa exclusão social, a presença do Estado brasileiro é rarefeita ou inexistente.
Compete à Polícia Federal combater o narcotráfico. Quantas vezes este ano ela foi vista escalando morros?
Compete ao governo federal vigiar as fronteiras do país. É ridículo o número de policiais ocupados com a tarefa. Faltam equipamentos e gente para fiscalizar o desembarque de cargas nos portos.
Até agosto, para modernizar sua polícia, o Rio só havia recebido R$ 12 milhões dos quase R$ 100 milhões prometidos pelo governo federal.
Adiantaria ter recebido mais do que isso?
Em 2009, estão previstos investimentos de R$ 421 milhões na segurança pública do Rio. Só foram liquidados R$ 102 milhões até agora – 24,2% do total.
Em três anos de governo Sérgio Cabral, o total de investimentos em segurança está orçado em R$ 804.818,00. De fato, não mais do que 40% dessa grana já foram aplicadas.
Vez por outra, sob o impacto de algum episódio mais brutal, contingentes cada vez menores de cariocas vão às ruas pedir paz.
O poder público responde com invasões temporárias e parciais de morros, a morte de bandidos ou de meros suspeitos, a apreensão de armas e o afastamento de policiais corruptos.
Quando um capitão libera um assassino em troca de uma jaqueta e de um par de tênis é porque a instituição à qual pertence apodreceu.
O problema do Rio não é de paz – é de guerra. Não é de conciliação, mas de enfrentamento.
A situação de insurgência só se agravou com o descaso dos governos e a arraigada cultura local de simpatia ou de tolerância com a malandragem e o banditismo.
O Estado brasileiro carece de um plano consistente, amplo e ambicioso para salvar o Rio. E o que é pior: os cariocas parecem não se importar muito com isso.
Do bairro de Vila Isabel, outro amigo me disse: “Fora a queda do helicóptero da polícia não aconteceu nada de extraordinário”. Provoquei: E a morte do cara do Afro Reggae? “Todo dia morre gente”.
Eu estava no Rio quando foi assassinada em 22 de novembro de 2006 a socialite Ana Cristina Giannini Johannpeter.
Ela dirigia sua caminhonete blindada Mercedes-Benz, modelo ML 500, e parou diante do sinal fechado na esquina da Rua General San Martin com Avenida Afrânio de Melo Franco, no Leblon, a cerca de 150 metros da 14ª Delegacia de Polícia. Cristina então baixou o vidro para fumar.
Dois bandidos, que passavam por ali em uma bicicleta, encostaram-se ao carro e um deles apontou para Cristina um revólver calibre 38, ameaçando-a: “Eu não quero o carro. Só as suas coisas. Eu vou atirar!"
Cristina entregou a bolsa, o celular, e ao se preparar para tirar o relógio do pulso, tirou sem querer o pé do freio. Como o carro era hidramático, movimentou-se sozinho. O bandido atirou na cabeça de Cristina.
Na companhia de amigos, fiz uma ronda por bares e restaurantes do Leblon na noite do dia seguinte. O assassinato de Cristina era o assunto na maioria deles.Mas para meu espanto, ouvi repetidas censuras ao comportamento da morta.
Como uma milionária era capaz de dirigir o próprio carro? Como não havia seguranças ao seu lado? Por que baixou o vidro para fumar? Como pôde ser tão descuidada a ponto de tirar o pé do freio?
A sociedade carioca está sedada pela violência que, no período de apenas uma semana, fez 46 mortos, vítimas da guerra entre facções rivais do tráfico e as forças da segurança.
No primeiro quadrimestre deste ano foram mortas 2.237 pessoas no Rio – 9,4% a mais que no primeiro quadrimestre de 2008.
Em agosto último, o número de mortos em confronto com a polícia foi 150% maior do que em agosto do ano passado.
O número de favelas no Rio cresceu de 750, em 2004, para 1.020 neste ano. Cerca de quinhentas são controladas pelo tráfico. A venda de cocaína rende algo como R$ 300 milhões por ano aos bandidos.
Quem sustenta o tráfico é quem tem dinheiro. E quem tem dinheiro mora no asfalto.
A violência é o pedágio que os cariocas pagam aparentemente conformados para que uma parte deles possa continuar se drogando.
O noticiário costuma informar: “A polícia invadiu o morro tal”. Como se os morros fossem territórios independentes da cidade, dotados de governos próprios que mantêm relações econômicas com outros países do continente, a exemplo da Bolívia, Paraguai e Colômbia.
E de certa forma é o que eles são. Nessas áreas de escandalosa exclusão social, a presença do Estado brasileiro é rarefeita ou inexistente.
Compete à Polícia Federal combater o narcotráfico. Quantas vezes este ano ela foi vista escalando morros?
Compete ao governo federal vigiar as fronteiras do país. É ridículo o número de policiais ocupados com a tarefa. Faltam equipamentos e gente para fiscalizar o desembarque de cargas nos portos.
Até agosto, para modernizar sua polícia, o Rio só havia recebido R$ 12 milhões dos quase R$ 100 milhões prometidos pelo governo federal.
Adiantaria ter recebido mais do que isso?
Em 2009, estão previstos investimentos de R$ 421 milhões na segurança pública do Rio. Só foram liquidados R$ 102 milhões até agora – 24,2% do total.
Em três anos de governo Sérgio Cabral, o total de investimentos em segurança está orçado em R$ 804.818,00. De fato, não mais do que 40% dessa grana já foram aplicadas.
Vez por outra, sob o impacto de algum episódio mais brutal, contingentes cada vez menores de cariocas vão às ruas pedir paz.
O poder público responde com invasões temporárias e parciais de morros, a morte de bandidos ou de meros suspeitos, a apreensão de armas e o afastamento de policiais corruptos.
Quando um capitão libera um assassino em troca de uma jaqueta e de um par de tênis é porque a instituição à qual pertence apodreceu.
O problema do Rio não é de paz – é de guerra. Não é de conciliação, mas de enfrentamento.
A situação de insurgência só se agravou com o descaso dos governos e a arraigada cultura local de simpatia ou de tolerância com a malandragem e o banditismo.
O Estado brasileiro carece de um plano consistente, amplo e ambicioso para salvar o Rio. E o que é pior: os cariocas parecem não se importar muito com isso.
Ricardo Noblat
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