Léo Lince
“O melhor feitor é o ex-escravo”. Essa máxima, nascida nas trevas da opressão escravocrata, conserva até hoje o seu conteúdo terrível. A permanência de seu prazo de validade pode ser observada em distintas eras e situações. Na vasta literatura sobre os tribunais do Santo Ofício, por exemplo, os “cristãos novos” se destacavam na linha de frente entre os inquisidores mais eficientes e cruéis.
A razão que confere substância para tão trevosa sabedoria é simples. O convertido sempre trabalha dobrado pela causa que passa adotar. Atua com desassombro, pois conhece as secretas debilidades, as inseguranças e os grandes receios do lugar de onde saiu. Por outro lado, precisa mostrar serviço e provar lealdade aos donos do pedaço onde passa a atuar de maneira resoluta e deslumbrada. São elementos que explicam a extraordinária eficácia do convertido e, ao mesmo tempo, o lugar da cooptação na mecânica de reprodução do poder e na “circulação” das elites dominantes.
O professor Delfim Neto, figura que dispensa apresentações, produziu, em entrevista de página inteira no caderno de economia de “O Globo” (domingo, 20/9), um rasgado elogio ao presidente Lula que, sem sombra de dúvidas, se situa no contexto das reflexões dos parágrafos acima. Ele afirma, com todas as letras estampadas na manchete que define o ponto central da entrevista, que: “o Lula mudou o país de forma a salvar o capitalismo”. Não se observa na frase, tampouco no seu entorno, qualquer sinal de deslocamento irônico ou sarcasmo, recursos habituais no arsenal do autor. Pelo contrário, há até um tom solene no elogio, que parece vazado nas tintas da sinceridade.
No entanto, o entusiasmo do Delfim com o “lulismo” adquire na entrevista um significado preciso. Perguntado se veria contradição em um governo eleito com as bandeiras da esquerda, que até se dizia socialista, salvar o capitalismo, responde de maneira categórica: “a última coisa que este governo fez foi opor-se ao capitalismo. E muito menos ser marxista, ou outra coisa”. Ao responder sobre a relação entre as críticas que o PT lhe fizera no passado e sua atual condição de conselheiro do Lula, ele recupera o seu habitual irônico e mordaz para tripudiar: “basta olhar os meus trabalhos desde 1954, quando sai da escola: não mudaram muito. Mas a esquerda mudou. Ela demora, mas aprende.”
Ao criticar a “mitologia do mercado perfeito” e dizer que “não há mercado sem Estado forte, justamente para garantir o seu funcionamento”, ele sugere uma roupagem nova, distinta da estreiteza do neoliberalismo puro e duro, para garantir a reprodução dos interesses dominantes. Apóia com entusiasmo as propostas gestadas nos laboratórios do governo para o enfrentamento da crise atual, talvez por identificar nelas fortes afinidades com a restauração conservadora conduzida por ele próprio ao tempo da ditadura militar. Sempre sagaz, ele não diz isso diretamente, mas o observador atento pode deduzir. Basta observar o noticiário fragmentado sobre a inusitada movimentação no “andar de cima” da sociedade brasileira.
Fusões gigantescas, incorporações abruptas, mega-negócios, reconfigurações as mais variadas, tipo Itaú/Nacional, Perdigão/Sadia, Oi/Telemar, Frigoboi e tantos outros, são elementos de um processo violento que está em curso. O coral dos contentes insiste em apontar para a “marolinha” na superfície, mas se observa um abalo tectônico nas camadas profundas: uma mudança vertiginosa na morfologia do capitalismo brasileiro. Em cada passo desta trajetória ainda subterrânea, o dedo do Estado como sócio do capital monopolista está presente. Manipulando normas, alterando legislações e direitos que possam restringir a liberdade dos capitais, financiando via BNDES, operando via fundos de pensão.
Além de outras, essas são algumas das razões do entusiasmo de Delfim Neto com o “lulocapitalismo”.
“O melhor feitor é o ex-escravo”. Essa máxima, nascida nas trevas da opressão escravocrata, conserva até hoje o seu conteúdo terrível. A permanência de seu prazo de validade pode ser observada em distintas eras e situações. Na vasta literatura sobre os tribunais do Santo Ofício, por exemplo, os “cristãos novos” se destacavam na linha de frente entre os inquisidores mais eficientes e cruéis.
A razão que confere substância para tão trevosa sabedoria é simples. O convertido sempre trabalha dobrado pela causa que passa adotar. Atua com desassombro, pois conhece as secretas debilidades, as inseguranças e os grandes receios do lugar de onde saiu. Por outro lado, precisa mostrar serviço e provar lealdade aos donos do pedaço onde passa a atuar de maneira resoluta e deslumbrada. São elementos que explicam a extraordinária eficácia do convertido e, ao mesmo tempo, o lugar da cooptação na mecânica de reprodução do poder e na “circulação” das elites dominantes.
O professor Delfim Neto, figura que dispensa apresentações, produziu, em entrevista de página inteira no caderno de economia de “O Globo” (domingo, 20/9), um rasgado elogio ao presidente Lula que, sem sombra de dúvidas, se situa no contexto das reflexões dos parágrafos acima. Ele afirma, com todas as letras estampadas na manchete que define o ponto central da entrevista, que: “o Lula mudou o país de forma a salvar o capitalismo”. Não se observa na frase, tampouco no seu entorno, qualquer sinal de deslocamento irônico ou sarcasmo, recursos habituais no arsenal do autor. Pelo contrário, há até um tom solene no elogio, que parece vazado nas tintas da sinceridade.
No entanto, o entusiasmo do Delfim com o “lulismo” adquire na entrevista um significado preciso. Perguntado se veria contradição em um governo eleito com as bandeiras da esquerda, que até se dizia socialista, salvar o capitalismo, responde de maneira categórica: “a última coisa que este governo fez foi opor-se ao capitalismo. E muito menos ser marxista, ou outra coisa”. Ao responder sobre a relação entre as críticas que o PT lhe fizera no passado e sua atual condição de conselheiro do Lula, ele recupera o seu habitual irônico e mordaz para tripudiar: “basta olhar os meus trabalhos desde 1954, quando sai da escola: não mudaram muito. Mas a esquerda mudou. Ela demora, mas aprende.”
Ao criticar a “mitologia do mercado perfeito” e dizer que “não há mercado sem Estado forte, justamente para garantir o seu funcionamento”, ele sugere uma roupagem nova, distinta da estreiteza do neoliberalismo puro e duro, para garantir a reprodução dos interesses dominantes. Apóia com entusiasmo as propostas gestadas nos laboratórios do governo para o enfrentamento da crise atual, talvez por identificar nelas fortes afinidades com a restauração conservadora conduzida por ele próprio ao tempo da ditadura militar. Sempre sagaz, ele não diz isso diretamente, mas o observador atento pode deduzir. Basta observar o noticiário fragmentado sobre a inusitada movimentação no “andar de cima” da sociedade brasileira.
Fusões gigantescas, incorporações abruptas, mega-negócios, reconfigurações as mais variadas, tipo Itaú/Nacional, Perdigão/Sadia, Oi/Telemar, Frigoboi e tantos outros, são elementos de um processo violento que está em curso. O coral dos contentes insiste em apontar para a “marolinha” na superfície, mas se observa um abalo tectônico nas camadas profundas: uma mudança vertiginosa na morfologia do capitalismo brasileiro. Em cada passo desta trajetória ainda subterrânea, o dedo do Estado como sócio do capital monopolista está presente. Manipulando normas, alterando legislações e direitos que possam restringir a liberdade dos capitais, financiando via BNDES, operando via fundos de pensão.
Além de outras, essas são algumas das razões do entusiasmo de Delfim Neto com o “lulocapitalismo”.
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