segunda-feira, 4 de dezembro de 2006

Rascunho de Uma Carta ao Presidente da República

Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa


Presidente,

ouvi o senhor dizer que precisamos elevar nossa auto-estima, com o que concordo inteiramente: anda muito baixa mesmo. Gostaria de acolher seu pedido, mas a situação está muito complicada...Quero parar de pensar mal do Brasil, regar minha auto-estima como brasileira, para que ela se torne uma planta viçosa, porém os fatos não têm ajudado.


Tomo a liberdade de escrever-lhe porque sei que o senhor, no fundo de seu coração, não concorda com o Presidente do PT, que andou dizendo que o noticiário era obra de ficção. Antes fosse, Presidente, antes fosse! Tenho certeza que o senhor sabe que se o noticiário lhe foi adverso, é porque esses últimos anos foram férteis em notícias aziagas para o senhor e seu partido. As coisas aconteceram, e não foi um ficcionista quem as inventou. O senhor Garcia é uma figura curiosa, Presidente, muito curiosa.


Há companheiros seus que pensam assim: o PT venceu as eleições de outubro, por isso os que não são petistas devem calar a boca. É verdade. Foi uma vitória e tanto. Quer dizer, foi uma vitória trabalhosa, que fez o senhor e dona Marisa se cansarem muito. Mereceram aquele breve descanso nas águas tão lindas da Bahia. Quanto a calar, baixar a cabeça, concordar com tudo que vem do governo, só porque sou da oposição, francamente, Presidente, é exigir demais de uma brasileira nata, terceira-idadista, neta de vênetos, gente com sangue na guelra. O senhor, que já liderou uma oposição aguerrida, sabe do que estou falando, não é, Presidente? Deu pro senhor ficar quietinho? Não? Também não estou conseguindo.


Começo lembrando que, moradora do Rio de Janeiro, ando assustadíssima, pois estamos no ensaio geral de uma guerra civil. Quando um garoto de 15 anos tem acesso a uma Walther PK e a usa, assim, sem mais nem menos, numa esquina do Leblon, às 8 da noite; quando muitas pessoas morrem durante tiroteios entre mocinhos e bandidos, entre mocinhos e mocinhos e entre bandidos e bandidos, Presidente, a guerra está declarada. Parece que a senhora que morreu de morte tão estúpida cometeu um grave erro: seu carro não era blindado, nem ela saía acompanhada por seguranças... Muita insensatez, o senhor não acha?


O medo domina nossas vidas. Outro horror que nos faz padecer é a situação calamitosa dos hospitais públicos da Cidade e do Estado do Rio de Janeiro. Tenho parentes, e amigos, em diversos outros estados da Federação, e as queixas são as mesmas. Até o Incor de São Paulo, para onde correm os digníssimos representantes do Povo, anda quebrado, ao que parece. Sei que o senhor deu ordem severa para ver uma solução em cima de sua mesa num espaço de 48 horas. Estava lá?


Fora esses problemas gravíssimos, Presidente, há o depoimento de um companheiro petista, o senhor Gedimar Passos. Bacharel em Direito e ex-agente da PF, esse senhor não sabe quem lhe entregou o milhão e setecentos mil reais com os quais foi apanhado no quarto do Hotel Íbis, em São Paulo. Não sabe e, aparentemente, nem quer saber! Segundo ele, sofreu torturas. Talvez seja um caso raro de tortura que deixou como seqüela... uma micose. Pelo menos é original.


A concertação, que recebeu um novo nome, coalizão, e que o senhor Temer, do PMDB, pomposamente declarou ser acordo absolutamente independente de cargos no governo de Vossa Excelência, parece estar tão travada quanto o país, não é não, Presidente? O senhor me perdoe, mas não vejo muito futuro nisso. O ministro Tarso Genro disse ontem que “a coalizão proposta pelo presidente Lula dará liberdade aos parlamentares para que não votem projetos que contrariem suas consciências”. Belas palavras... Temo, no entanto, que façam parte das tais boas intenções de que o inferno anda cheio.


O senhor demonstrou, no que fez mal, se permite a opinião de uma simples cidadã, que gostaria de ver os senhores Aldo Rebelo e Renan Calheiros nas presidências da Câmara e do Senado. Não creio que tenha sido de bom tom. Afinal, os poderes são independentes. Ou não? Meu temor é que venha a acontecer o que já aconteceu num passado recente: um espírito de porco resolva contrariá-lo. Arriscamos dos cargos serem levados por algum aloprado-mor. Não do tipo dos aloprados do dossiê, não, que lá no Congresso não tem disso, como acaba de ser decidido pela CPI dos Sanguessugas. Quando muito, temos Congressistas que merecem pitos. Refiro-me a algum maluco mesmo, aloprado foi modo de falar. Já houve um precedente...


Quanto ao crescimento imprescindível de nosso país, Presidente, pode ser que eu me engane, mas creio que seus auxiliares estão mais tontos que charuto em boca de bêbado. Será que desse mato vai sair coelho? Sou por natureza desconfiada, mas creio que o pacote está demorando muito a ser confeccionado. Desculpe o vocabulário, Presidente, sei que essa palavra não é do seu agrado. Vamos chamar então o pacote de projeto econômico. Será que já está pronto? Está de bom tamanho?


Tudo isso é menor, confesso, diante daquelas suas palavras, sem maldade, num discurso entre amigos: que as leis ambientais, o Ministério Público, o Tribunal de Contas da União, o Congresso, a Imprensa, atributos da democracia, impedem o avanço do nosso país. Sei muito bem que o senhor estava brincando, Presidente, mas corremos o risco de algum malvado ouvir e acreditar. Suas palavras têm muito peso, Presidente. Devem ser poucas e bem pensadas, se me permite o conselho.

Ando preocupada, Presidente, e por isso não consigo atender ao seu pedido. Sabe o que penso? O Brasil está travado, não é? Foi o senhor quem disse! Então creio que o melhor é levá-lo imediatamente a uma oficina, autorizada, veja bem, para ver qual o problema: um bom mecânico lhe dirá o que precisa ser feito. Esperemos que não seja nada na rebimboca da parafuseta, porque aí as coisas vão ficar mais complicadas. Que seja coisa mais fácil de consertar. Aqui fico, de dedos cruzados, aguardando notícias.

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