Jango e a conspiração do silêncio
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Passou em meio ao silêncio e ao desdém quase completo dos políticos em geral, dos intelectuais e da mídia em particular – especialmente dos grandes jornais e redes de televisão – a data do trigésimo aniversário da morte no exílio do ex-presidente João Goulart - fulminado por um enfarte do miocárdio quando tentava retornar ao Brasil. O esquecimento rotundo - salvo raras exceções - como diria Brizola se vivo fosse – , soa como uma espécie de “apagão” da memória política e social brasileira.No caso da imprensa, a omissão mais parece alguma culpa guardada nos desvãos do inconsciente
É verdade que há o barulho ensurdecedor nos aeroportos com o recrudescimento da crise do tráfego aéreo. O assunto enche páginas e ocupa largos espaços na televisão, com a crise turbinada esta semana no Congresso pela feroz movimentação de eternos e manjados caçadores de cabeças. Desta vez, pedem a do ministro da Defesa, Waldir Pires, ironicamente já ferido antes pelo cutelo dos idos de março de 64, que abateu o governo de Jango. As elogiáveis razões de segurança dos aviões e dos passageiros e tripulantes alegadas por alguns, mal disfarçam o pote de mágoas, as querelas paroquiais e a sanha de vingança política que transparecem nos discursos e ações de muitos congressistas ultimamente.
Mas é a figura política e humana generosa e especial de Jango o motivo destas linhas. Também a tentativa de compreender os motivos de tão estranho véu jogado sobre a memória do líder trabalhista, que morreu na casa da estância La Villa, departamento argentino de Corrientes, a pouco mais de 100 quilômetros da fronteira com o Brasil, tentando retornar à sua terra. O cientista político Moniz Bandeira produziu denso, informativo e pungente depoimento sobre os últimos dias de Jango no exílio - publicado esta semana em A TARDE - e rompeu a barreira ao recordar a data com a dignidade devida.
Já havia detectado sinais da amnésia política no começo deste ano, quando fui ao Uruguai em abril, no período da Semana Santa. Seguia de Montevidéu para o balneário de Punta Del Este em uma daquelas “vans” que trafegam sem parar lotadas de turistas, no trajeto repleto de belos e históricos recantos do país vizinho. O guia, um bem informado senhor de meia idade, confesso ex-militante dos grupos de esquerda nos anos de chumbo na ex-Suíça da América Latina, despejava informações variadas, na tentativa de amenizar a viagem em dia chuvoso e carrancudo na famosa costa do sol uruguaia.
Próximo ao departamento de Maldonado, o guia avisou : ”Vou desligar o som e deixar vocês em paz um pouco, pois agora estamos atravessando uma área de pouco interesse histórico e turístico”. Acontece que eu acabara de reler “O Governo de João Goulart –as lutas sociais no Brasil (1961-1964)”, do baiano Moniz Bandeira, e sabia que não era bem assim. Perguntei : “Mas não foi aqui que viveu durante décadas o único presidente brasileiro a morrer no exílio?”
Surpreso, o guia religou o microfone para dar informações sobre o lugar e apontar ao longe a área da estância onde moraram Jango, Dona Maria Teresa e os filhos do casal. Falou sobre a presença de Jango no País ao lado de Leonel Brizola , coronel Dagoberto Rodrigues, jornalista Paulo Valente e, por tempo mais curto, Darcy Ribeiro e Waldir Pires, que depois seguiram para outros países.logo a discussão esquentou e as opiniões se dividiram a bordo do veículo cheio de cariocas, paulistas, catarinenses, gaúchos, cearenses e baianos. Até o jovem e silencioso motorista se meteu na viva discussão que só foi interrompida na entrada de Punta.
Na Bahia, esta semana, o texto inédito de Moniz Bandeira sobre os dramáticos e tristes últimos dias de Jango também rompeu a conspiração do silêncio. A narrativa acompanhada de importantes e reveladores depoimentos colhido pela repórter Lenilde Pacheco de aliados históricos de Goulart – a exemplo do octogenário ex-deputado do PTB, Clemens Sampaio, ou de adversários ferozes - como o senador Antonio Carlos Magalhães – emprestou o devido relevo jornalístico à data.
O cientista político, atualmente residindo na Alemanha, revela que Jango havia decidido retornar ao Brasil mesmo sem permissão do governo militar, e, nas articulações com este propósito, estava sob forte tensão. Na madrugada do dia 6 de dezembro sofreu o infarto fulminante no quarto da fazenda, na Argentina, onde dormia com dona Maria Teresa, sem voltar a pisar de novo o solo do seu País, onde sempre desejou morrer.
No mais foi o silêncio da mídia (salvo exceções como os artigos de Sebastião Nery, na Tribuna da Imprensa, e Aparecida Torneros (ex-O Cruzeiro) em A TARDE), no governo e na política do Brasil.
E deve ser assim que se constrói um país vesgo e desmemoriado.
Vitor Hugo Soares. Jornalista, editor de Opinião de A TARDE. E-mail: vitors.h@uol.com.br
Passou em meio ao silêncio e ao desdém quase completo dos políticos em geral, dos intelectuais e da mídia em particular – especialmente dos grandes jornais e redes de televisão – a data do trigésimo aniversário da morte no exílio do ex-presidente João Goulart - fulminado por um enfarte do miocárdio quando tentava retornar ao Brasil. O esquecimento rotundo - salvo raras exceções - como diria Brizola se vivo fosse – , soa como uma espécie de “apagão” da memória política e social brasileira.No caso da imprensa, a omissão mais parece alguma culpa guardada nos desvãos do inconsciente
É verdade que há o barulho ensurdecedor nos aeroportos com o recrudescimento da crise do tráfego aéreo. O assunto enche páginas e ocupa largos espaços na televisão, com a crise turbinada esta semana no Congresso pela feroz movimentação de eternos e manjados caçadores de cabeças. Desta vez, pedem a do ministro da Defesa, Waldir Pires, ironicamente já ferido antes pelo cutelo dos idos de março de 64, que abateu o governo de Jango. As elogiáveis razões de segurança dos aviões e dos passageiros e tripulantes alegadas por alguns, mal disfarçam o pote de mágoas, as querelas paroquiais e a sanha de vingança política que transparecem nos discursos e ações de muitos congressistas ultimamente.
Mas é a figura política e humana generosa e especial de Jango o motivo destas linhas. Também a tentativa de compreender os motivos de tão estranho véu jogado sobre a memória do líder trabalhista, que morreu na casa da estância La Villa, departamento argentino de Corrientes, a pouco mais de 100 quilômetros da fronteira com o Brasil, tentando retornar à sua terra. O cientista político Moniz Bandeira produziu denso, informativo e pungente depoimento sobre os últimos dias de Jango no exílio - publicado esta semana em A TARDE - e rompeu a barreira ao recordar a data com a dignidade devida.
Já havia detectado sinais da amnésia política no começo deste ano, quando fui ao Uruguai em abril, no período da Semana Santa. Seguia de Montevidéu para o balneário de Punta Del Este em uma daquelas “vans” que trafegam sem parar lotadas de turistas, no trajeto repleto de belos e históricos recantos do país vizinho. O guia, um bem informado senhor de meia idade, confesso ex-militante dos grupos de esquerda nos anos de chumbo na ex-Suíça da América Latina, despejava informações variadas, na tentativa de amenizar a viagem em dia chuvoso e carrancudo na famosa costa do sol uruguaia.
Próximo ao departamento de Maldonado, o guia avisou : ”Vou desligar o som e deixar vocês em paz um pouco, pois agora estamos atravessando uma área de pouco interesse histórico e turístico”. Acontece que eu acabara de reler “O Governo de João Goulart –as lutas sociais no Brasil (1961-1964)”, do baiano Moniz Bandeira, e sabia que não era bem assim. Perguntei : “Mas não foi aqui que viveu durante décadas o único presidente brasileiro a morrer no exílio?”
Surpreso, o guia religou o microfone para dar informações sobre o lugar e apontar ao longe a área da estância onde moraram Jango, Dona Maria Teresa e os filhos do casal. Falou sobre a presença de Jango no País ao lado de Leonel Brizola , coronel Dagoberto Rodrigues, jornalista Paulo Valente e, por tempo mais curto, Darcy Ribeiro e Waldir Pires, que depois seguiram para outros países.logo a discussão esquentou e as opiniões se dividiram a bordo do veículo cheio de cariocas, paulistas, catarinenses, gaúchos, cearenses e baianos. Até o jovem e silencioso motorista se meteu na viva discussão que só foi interrompida na entrada de Punta.
Na Bahia, esta semana, o texto inédito de Moniz Bandeira sobre os dramáticos e tristes últimos dias de Jango também rompeu a conspiração do silêncio. A narrativa acompanhada de importantes e reveladores depoimentos colhido pela repórter Lenilde Pacheco de aliados históricos de Goulart – a exemplo do octogenário ex-deputado do PTB, Clemens Sampaio, ou de adversários ferozes - como o senador Antonio Carlos Magalhães – emprestou o devido relevo jornalístico à data.
O cientista político, atualmente residindo na Alemanha, revela que Jango havia decidido retornar ao Brasil mesmo sem permissão do governo militar, e, nas articulações com este propósito, estava sob forte tensão. Na madrugada do dia 6 de dezembro sofreu o infarto fulminante no quarto da fazenda, na Argentina, onde dormia com dona Maria Teresa, sem voltar a pisar de novo o solo do seu País, onde sempre desejou morrer.
No mais foi o silêncio da mídia (salvo exceções como os artigos de Sebastião Nery, na Tribuna da Imprensa, e Aparecida Torneros (ex-O Cruzeiro) em A TARDE), no governo e na política do Brasil.
E deve ser assim que se constrói um país vesgo e desmemoriado.
Vitor Hugo Soares. Jornalista, editor de Opinião de A TARDE. E-mail: vitors.h@uol.com.br
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