sábado, 9 de dezembro de 2006

ENTREVISTA - FERNANDO CARDIM DE CARVALHO

“A política econômica tem sido claramente antidesenvolvimentista”, diz o economista

Professor da UFRJ avalia que “quase tudo” precisa ser mudado na economia para que o país tenha taxas de crescimento maiores. Só assim pode haver distribuição de renda, diz ele. “Economias estagnadas favorecem a concentração muito mais que economias em crescimento”.

Gilberto Maringoni - Carta Maior

SÃO PAULO - O professor titular do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e consultor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), Fernando Cardim de Carvalho tem sido um consistente crítico da orientação econômica dos governos FHC e Lula. Em abril de 2003, quando a equipe econômica alegava problemas com a chamada “herança maldita” do governo anterior, Carvalho publicou um artigo de grande repercussão, intitulado “Oito mitos da política macroeconômica”. Ali, desmontava uma a uma, as justificativas oriundas do Ministério da Fazenda destinadas a aumentar o aperto fiscal a que o país está submetido. Para Carvalho, a definição de uma outra política econômica deve ter como pressuposto “que o governo saiba onde quer ir e para onde quer levar o país”. De açodo com ele, “Esta visão estratégica faltava a Fernando Henrique Cardoso e falta a Lula também, apesar de seu discurso eleitoral”. Leia abaixo a entrevista que Fernando Cardim de Carvalho concedeu nesta semana à Carta Maior.

Carta Maior - Ao que tudo indica, o PIB deste ano fechará abaixo de 3%. O presidente Lula, em sua campanha, anunciou um mandato "desenvolvimentista", com taxas mais elevadas. O que precisa ser mudado para esta alteração se materializar?
Fernando Cardim de Carvalho - Na verdade, quase tudo. É comum ver-se economistas convencionais dizendo como a política macroeconômica foi o ponto positivo do governo Lula e lamentando-se logo a seguir pela falta de crescimento, como se um não tivesse a ver com o outro. A política macroeconômica tem sido claramente antidesenvolvimentista desde o governo assumidamente liberal de Fernando Henrique Cardoso, mas o problema central é que falta estratégia de desenvolvimento, na qual a política macroeconômica deva se enquadrar. Os economistas de FHC acreditavam que o mercado diria qual deveria ser a estratégia, e os de Lula, pelo menos até a queda de Antônio Pallocci, também. Lula agora diz que só mágica pode conseguir o desenvolvimento. Nesta carência de visão estratégica que tem caracterizado os governos brasileiros, nada pode fazer com que o desenvolvimento seja retomado. É preciso definir uma estratégia. Definida uma estratégia, aí sim se define o que fazer em cada campo particular de política econômica, inclusive a macroeconômica.

CM - Se há um quase consenso pela queda dos juros, por que eles não caem?
FCC - Porque não há consenso a respeito do que mantém os juros altos. Novamente, os economistas liberais atribuem a manutenção de juros altos a desequilíbrios fiscais que atribuem a gastos correntes, especialmente os da Previdência. Os economistas mais críticos vêem na política de juros desde a influência de um banco central excepcionalmente conservador, o que é verdadeiro, mas provavelmente uma explicação insuficiente, até deficiências do próprio regime de metas inflacionárias adotado em 1999. Por esse regime, o Banco Central deve aumentar juros sempre que temer que o produto esteja crescendo demais, mas não deve baixar os juros quando o produto começa a crescer de menos. A política monetária empregada no segundo reinado de FHC e no primeiro de Lula foi claramente recessiva, em parte pela orientação dos diretores do Banco Central, em parte pelo próprio regime de política escolhido.

CM - É possível crescer aceleradamente distribuindo renda, ao contrário dos grandes surtos de desenvolvimento das décadas 1930-1980?
FCC - É mais do que possível, é quase inevitável. Mesmo no caso brasileiro, o período de mais intenso crescimento levou a um certo grau de redistribuição, mas em favor das classes médias e não em favor da população de renda mais baixa. Se olharmos os casos de todos os países bem sucedidos em acelerar persistentemente o crescimento econômico vamos ver que a melhora na distribuição de renda é inexorável. Desde Adam Smith se sabe que economias aquecidas permitem a trabalhadores obter salários maiores. Economias estagnadas favorecem a concentração muito mais que economias em crescimento. Note-se, contudo, que um elemento essencial para entender a concentração da renda pessoal no Brasil não é a operação dos mercados por si, mas a extrema regressividade de nosso sistema fiscal que taxa desproporcionalmente rendas mais baixas e usa uma imensa parcela de seus recursos para remunerar as carteiras de títulos públicos detidas pelas classes de renda mais alta e média.

CM - O período "desenvolvimentista" no Brasil foi marcado por uma incisiva intervenção do Estado na economia. Um novo ciclo necessitaria desta presença do poder público?
FCC - Certamente, ainda que de forma provavelmente diversa. Eu acredito que o ciclo da intervenção direta provavelmente se encerrou. O setor público pode ter um papel estratégico ativo na coordenação de planos privados, como o Estado francês o fez no pós-segunda guerra através do chamado planejamento indicativo. O Estado definia metas, inclusive setoriais, construía planos de prazo mais longo para consecução dessas metas e reunia interesses privados para alcançá-las, valendo-se de instrumentos como o sistema tributário e de crédito para tanto. Outra área em que o estado pode contribuir de forma poderosa é na absorção de riscos, dando garantias a atividades definidas como prioritárias. Para isso, no entanto, como já dito, é preciso que o governo saiba onde quer ir e para onde quer levar o país. Esta visão estratégica faltava a Cardoso, que parecia acreditar estar o Brasil condenado a uma posição subordinada (pelo menos, era o que ele disse em seu livro sobre dependência, escrito em parceria com Enzo Faletto), mas falta a Lula também, apesar de seu discurso eleitoral.

CM - É possível o país crescer a taxas acima de 5% sem vencer as limitações na área de infra-estrutura (energia, transportes etc.)? Os bloqueios para o crescimento não têm a ver também com as privatizações e com a falta de investimentos nessas áreas?
FCC - Sem dúvida, o estrangulamento dos investimentos públicos é um fator chave de nossa tendência à estagnação e recuperá-los é essencial. Para isso será necessário o controle das despesas correntes do governo no futuro a começar por uma redução drástica de suas despesas financeiras. É crucial que sejam retomados tanto o investimento público quanto o privado.

CM - Como o sr. vislumbra o novo governo Lula?
FCC - Com grande incerteza. O seu primeiro mandato foi desapontador além de qualquer pessimismo. A campanha eleitoral acabou girando em torno de falsas questões, como a da continuidade de privatizações, que não estava em nenhuma agenda importante. Mais do que oscilar entre a visão liberal dos redutos conservadores em seu governo e uma opção desenvolvimentista, Lula parece simplesmente não saber sequer como escolher entre elas, como em seu discurso a respeito da necessidade de mágicas para que o desenvolvimento seja alcançado. Eu temo que "mais do mesmo" possa acabar sendo o cenário otimista para o segundo mandato. Resta como consolo apenas que Alckmin prometia "fazer o mesmo, só que melhor". Só espero que não tenhamos um hiato de quatro anos à espera de alguém que saiba o que propor ao país.


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