O FIM DO CARLISMO
O ocaso do carlismo
Chefe de uma dinastia que viveu o poderpor 50 anos, ACM é batido na Bahia,isolado em Brasília e sem cargos nogoverno, ele perde força a cada dia
Por Rodrigo Rangel – Salvador
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Antônio Carlos Magalhães deixa seu gabinete e caminha para o plenário do Senado. São 16 horas da quarta-feira 13 e o Congresso está apinhado. Antônio Carlos está sozinho. Em outros tempos, quando esse patriarca de cabelos brancos, cintura roliça e bigodes de galã caminhava 50 passos em cima de um tapete azul, provocava atenção. Senadores se aproximavam, assessores se perfilavam. Foi assim por muito tempo. ACM comovia. Nos últimos tempos, porém, sua passagem pelo tapete azul tem sido um ato banal. Por vezes solitário. Desde que estreou na política nacional em 1956, há exatos 50 anos portanto, ele sempre esteve no poder. Foi peça-chave em três regimes políticos, passou por 14 presidentes e foi íntimo de sete deles, como JK e FHC. Quase todos já sumiram; ele, entretanto, se manteve lá, na crista, inabalável, seja de que lado fosse. Aboletou-se 11 vezes no poder federal e em três jogou pedras como um dos líderes da oposição. Na Bahia, foi por 39 anos chefe político de primeira grandeza – sendo que nos últimos 16 anos manteve a hegemonia total e absoluta, na economia e na política, algo só imaginável aos babalorixás do candomblé ou aos extintos coronéis do sertão. Ousado, nos tempos da ditadura esticou dedo e falou grosso com ministros militares; nos tempos da democracia, vociferou diante de presidentes da República. Mas de repente o outono lhe chegou. Foram dois golpes de uma só vez. O adversário Luiz Inácio Lula da Silva foi reeleito para o poder federal. Até aí tudo bem. Inesperada foi a Bahia. Seu candidato, o governador Paulo Souto, perdeu a eleição para o petista Jaques Wagner. No primeiro turno. Esse golpe doeu. Pela primeira vez em cinco décadas o grande babalorixá da Bahia ficou sem chão. ACM chegou a seu ponto mais baixo; já não tem domínio sequer sobre seu curral eleitoral. Por isso, aos 79 anos, Antônio Carlos caminha (quase) sozinho. A seu lado, somente o repórter de ISTOÉ.
– Não perdi a eleição, quem perdeu foi oPaulo Souto.– Mas ele era um governador popular,perdeu por causa de uma onda de protestos contra o senhor.– Eu sou eu e o Paulo Souto é o Paulo Souto. Eu nunca perdi uma eleição quando meu próprio nome esteve em jogo.– Será a primeira vez na vida que o senhor vai estar completamente fora do poder. – Quando se tem brilho próprio é indiferente estar no governo ou na oposição. No Congresso eu sou uma atração. Além disso, presido a comissão mais importante, a de Constituição e Justiça. Na Bahia, eu sou o poder. Posso estar no governo ou na oposição, o poder gira em torno de mim. Portanto, eu estou sempre no poder.
Troca: aeroporto Luis Eduardo deve mudar o nome para Dois de Julho
A majestade não perde a fleugma. O fato concreto é que, na interpretação unânime, ACM não tem mais a mesma força. “A derrota de Antônio Carlos tem uma simbologia peculiar para o imaginário nacional”, diz a cientista política Lúcia Hypólito. “Representa o fim de um ciclo, o esgotamento de toda a geração de grandes políticos que surgiu nos anos 50. O eleitor avisou que eles têm que passar o bastão.” O mais dramático da derrota é que a Bahia era jóia da coroa do PFL e da geração que chegou ao poder na ditadura militar. Tem derrota que é eleitoral. O falecido Roberto Campos dizia que são como pirâmides: projetam um cone de sombra sobre a biografia do político. Mas são normais, avalizam o processo democrático. Há derrotas que são políticas. São como faróis: projetam um cone de luz, luz de dimensão maior que sua silhueta. Na Bahia, a derrota de ACM foi muito maior do que aparenta.
Abertas as urnas, começou o desmanchede uma máquina econômica montada háduas décadas pelos discípulos do babalorixá. Era uma máquina monolítica. Para se sustentar, o carlismo obviamente depende de dinheiro – e parte dele vem de empresas que mantêm contratos milionários com o governo estadual. ISTOÉ apurou que algumas delas são ligadas diretamente a familiares de ACM. É o caso da Axxo Construtora Ltda. A empresa, dona de nada menos que 42 contratos no valor estimado em R$ 15 milhões, tem entre os sócios Arnaldo de Melo Gusmão, casado com Paula Magalhães, neta de ACM. Além disso, outras duas empresas que já pertenceram a Gusmão, a DAG Construtora e a Empate Terraplanagem, possuem mais de 40 contratos com o governo, um pacote que representa mais de R$ 59 milhões. Hoje, as duas empreiteiras estão em nome de terceiros. Desenrolando o novelo, percebe-se que dessas empresas sai dinheiro para as campanhas carlistas. A Empate, por exemplo, doou R$ 140 mil para a campanha de César Borges em 2004. Também no centro do pool de empresas está a construtora MRM, ligada ao deputado federal Félix Mendonça (PFL), aliado de primeira hora de ACM. Entre 2004 e 2005, 26 contratos com a administração estadual carrearam R$ 12 milhões para os cofres da empresa, esta também bastante generosa politicamente com o carlismo. Na campanha municipal de 2004, a MRM distribuiu R$ 537 mil para candidatos do PFL e do PL. “Nós vamos acabar com isso já no primeiro momento”, anuncia Jaques Wagner. “Não vai mais ter empresário preferencial.”
Tensão: “É melhor sofrer no poder”
A guerra entre os dois promete ser longa. Para marcar a mudança de poder, o PT planeja fazer dois movimentos estratégicos contra símbolos que representam o poderio remanescente de Antônio Carlos na Bahia e, ao mesmo tempo, são caríssimos ao senador. Um deles é a troca do nome do aeroporto internacional de Salvador, hoje Luís Eduardo Magalhães. Na verdade, os petistas querem devolver o antigo nome, Dois de Julho, data máxima da Bahia, marco da Independência do Estado. No Congresso já tramitam alguns projetos de lei nesse sentido. Tudo indica que a aprovação da mudança será questão de honra para o PT. E o próprio Jaques Wagner vai se mobilizar. “Não se troca a saga de um povo por uma homenagem a quem quer que seja”, espeta o governador eleito. Em outra frente, os petistas querem retirar os policiais militares que, 24 horas por dia, fazem a segurança do monumento em homenagem ao falecido deputado Luís Eduardo Magalhães, filho de ACM, que venera o monumento, inaugurado em 1998. É lá que está enterrado o coração do filho. Sempre que pode, vai lá e se ajoelha em comovida oração. Os anticarlistas, por sua vez, detestam o memorial. Wagner já tem a solução na cabeça. “É uma aberração que nós vamos ter que resolver”, afirma.
Em Brasília, Antônio Carlos está reagindo. Liderou a campanha de um afilhado político, o deputado Aroldo Cedraz, para ministro do Tribunal de Contas da União. Venceu – e incomodou Lula e o PT. Em outros tempos, ACM não apenas incomodava – ele destroçava. No governo de FHC, o ápice de sua história, ele era o presidente do Senado e seu filho Luís Eduardo era líder do governo na Câmara. Tinha o governador da Bahia nas mãos, dois ministros de Estado, Energia e Previdência, os presidentes da Eletrobrás e do INSS – tudo ao mesmo tempo. Sua ambição, ou “o gosto do exercício do mando”, como ele prefere definir, o levou a tecer nessa época a máxima: “Eu sou o poder.” Hoje não tem nenhum cargo federal. Também perdeu uma vaga no Senado (o senador Rodolfo Tourinho, seu aliado, perdeu para o adversário João Durval) e sua bancada pessoal na Câmara hoje só tem sete deputados. Arrisca ficar com cinco. Na Bahia, ele chegou às urnas com 370 dos 417 prefeitos, 89% do total. Era tão grande sua influência que, em dois terços dos municípios, o carlismo acumulava os grupos do prefeito e da oposição. Wagner fez campanha com apenas 50 prefeitos. Antes mesmo da posse, já atraiu outros 50 para seu lado. E o que ACM vai fazer para estancar a sangria?
– Ora, continuarei fazendo oposição ao governo Lula. E mais ainda ao Jaques Wagner. Com esse vai ser fácil, é um imbecil e está montando o pior secretariadoda história da Bahia.– Como manter um grupo político como esse sem fazer nomeações?– É claro que é melhor sofrer no poder do que longe dele. Mas política é maré, vai e volta. É um perde-e-ganha diário, quem hoje está por cima amanhã estará por baixo e vice-versa. O certo é que ninguém é tão forte que não possa perder nem tão fraco que não possa vencer.
A débâcle de Antônio Carlos vem de longa data. Os amigos observam que ele teria perdido o faro quando morreu seu filho Luís Eduardo, há oito anos. Nesse caso, o acaso trabalhou contra ele. Era seu predileto; ACM sonhava fazê-lo presidente da República, como um dia ajudou a fazer Tancredo Neves, como ajudou José Sarney, Fernando Collor e Fernando Henrique.
– Meu filho era muito maior do que eu.
Depois disso, ACM começou a tropeçar. Brigou por puro capricho comFernando Henrique. Depois, em 2001, por pura arrogância, cismou que o colega Jader Barbalho não poderia sucedê-lo na presidência do Senado – e fez de tudopara derrotá-lo. Acabou flagrado violando o sigilo do painel eletrônico e foi obrigadoa renunciar. Eleito novamente senador em 2002, Antônio Carlos voltou menosforte, contudo, ainda absoluto na Bahia. Na intimidade, ele é um homem gentil.Tem princípios à moda antiga e um código de honra todo particular. Médico,jornalista, leitor compulsivo e refinado, é um dos grandes especialistas brasileiros em Napoleão.
ACM começou sua ascensão aos 32 anos, deputado federal, brigando com Juscelino. Conquistou acesso privilegiado ao presidente. Depois enviou a Jânio Quadros, recém-eleito, um telegrama reclamando de uma nomeação na Bahia: “A mequinhez do seu gesto dá a medida exata de seu caráter”, escreveu. Jânio renunciou logo depois pelas “forças ocultas” – e ACM ganhou fama de ousado. Mais tarde, em 1966, deu um tapa num general linha-dura. Como prêmio, o liberal Castello Branco o nomeou prefeito de Salvador; depois, Emílio Médici o nomeou governador da Bahia. Foi o general Golbery do Couto e Silva, muito irônico, quem lhe deu o codinome de Toninho Malvadeza. Como no caso de Átila, o Huno, as histórias sobre as maldades cometidas pelo personagem criaram o mito. É esse mito que lhe deu o poder. Num país onde a covardia é aclamada como prudência, a falsidade é tratada como esperteza e a dissimulação dos políticos mineiros é chamada de arte, Malvadeza acabou se destacando como um excêntrico tempero.
Ser inimigo de Antônio Carlos é desafiar a própria sorte. Até pouco tempo atrás, era pior. O ex-deputado Benito Gama, por exemplo, já ocupou o posto de predileto de ACM. Um dia o chefe o indicou para ser o presidente da CPI que resultou no processo de impeachment contra Fernando Collor de Mello. ACM exigiu que Benito salvasse Collor; mas ele acabou votando com a consciência. De lá para cá, já disputou três eleições, nunca mais foi eleito. “Ele me persegue até hoje”, disse Benito a ISTOÉ. “Contrariar o senador não é uma tarefa fácil”, diz o procurador da República Edson Abdon, responsável pela denúncia, de 2003, de que ACM montara um grande esquema de grampos telefônicos na Bahia para monitorar seus adversários. “Tive até que deixar a minha vida para trás e mudar de Estado”, ressente-se. Foi essa obsessão por mandar com mão de ferro que acabou provocando a derrocada de uma das mais antigas dinastias políticas do País. “Havia em toda a Bahia uma vontade latente de se libertar da tirania de Antônio Carlos”, relata Jaques Wagner. “Foi uma das razões da minha vitória.”
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Antônio Carlos Magalhães deixa seu gabinete e caminha para o plenário do Senado. São 16 horas da quarta-feira 13 e o Congresso está apinhado. Antônio Carlos está sozinho. Em outros tempos, quando esse patriarca de cabelos brancos, cintura roliça e bigodes de galã caminhava 50 passos em cima de um tapete azul, provocava atenção. Senadores se aproximavam, assessores se perfilavam. Foi assim por muito tempo. ACM comovia. Nos últimos tempos, porém, sua passagem pelo tapete azul tem sido um ato banal. Por vezes solitário. Desde que estreou na política nacional em 1956, há exatos 50 anos portanto, ele sempre esteve no poder. Foi peça-chave em três regimes políticos, passou por 14 presidentes e foi íntimo de sete deles, como JK e FHC. Quase todos já sumiram; ele, entretanto, se manteve lá, na crista, inabalável, seja de que lado fosse. Aboletou-se 11 vezes no poder federal e em três jogou pedras como um dos líderes da oposição. Na Bahia, foi por 39 anos chefe político de primeira grandeza – sendo que nos últimos 16 anos manteve a hegemonia total e absoluta, na economia e na política, algo só imaginável aos babalorixás do candomblé ou aos extintos coronéis do sertão. Ousado, nos tempos da ditadura esticou dedo e falou grosso com ministros militares; nos tempos da democracia, vociferou diante de presidentes da República. Mas de repente o outono lhe chegou. Foram dois golpes de uma só vez. O adversário Luiz Inácio Lula da Silva foi reeleito para o poder federal. Até aí tudo bem. Inesperada foi a Bahia. Seu candidato, o governador Paulo Souto, perdeu a eleição para o petista Jaques Wagner. No primeiro turno. Esse golpe doeu. Pela primeira vez em cinco décadas o grande babalorixá da Bahia ficou sem chão. ACM chegou a seu ponto mais baixo; já não tem domínio sequer sobre seu curral eleitoral. Por isso, aos 79 anos, Antônio Carlos caminha (quase) sozinho. A seu lado, somente o repórter de ISTOÉ.
– Não perdi a eleição, quem perdeu foi oPaulo Souto.– Mas ele era um governador popular,perdeu por causa de uma onda de protestos contra o senhor.– Eu sou eu e o Paulo Souto é o Paulo Souto. Eu nunca perdi uma eleição quando meu próprio nome esteve em jogo.– Será a primeira vez na vida que o senhor vai estar completamente fora do poder. – Quando se tem brilho próprio é indiferente estar no governo ou na oposição. No Congresso eu sou uma atração. Além disso, presido a comissão mais importante, a de Constituição e Justiça. Na Bahia, eu sou o poder. Posso estar no governo ou na oposição, o poder gira em torno de mim. Portanto, eu estou sempre no poder.
Troca: aeroporto Luis Eduardo deve mudar o nome para Dois de Julho
A majestade não perde a fleugma. O fato concreto é que, na interpretação unânime, ACM não tem mais a mesma força. “A derrota de Antônio Carlos tem uma simbologia peculiar para o imaginário nacional”, diz a cientista política Lúcia Hypólito. “Representa o fim de um ciclo, o esgotamento de toda a geração de grandes políticos que surgiu nos anos 50. O eleitor avisou que eles têm que passar o bastão.” O mais dramático da derrota é que a Bahia era jóia da coroa do PFL e da geração que chegou ao poder na ditadura militar. Tem derrota que é eleitoral. O falecido Roberto Campos dizia que são como pirâmides: projetam um cone de sombra sobre a biografia do político. Mas são normais, avalizam o processo democrático. Há derrotas que são políticas. São como faróis: projetam um cone de luz, luz de dimensão maior que sua silhueta. Na Bahia, a derrota de ACM foi muito maior do que aparenta.
Abertas as urnas, começou o desmanchede uma máquina econômica montada háduas décadas pelos discípulos do babalorixá. Era uma máquina monolítica. Para se sustentar, o carlismo obviamente depende de dinheiro – e parte dele vem de empresas que mantêm contratos milionários com o governo estadual. ISTOÉ apurou que algumas delas são ligadas diretamente a familiares de ACM. É o caso da Axxo Construtora Ltda. A empresa, dona de nada menos que 42 contratos no valor estimado em R$ 15 milhões, tem entre os sócios Arnaldo de Melo Gusmão, casado com Paula Magalhães, neta de ACM. Além disso, outras duas empresas que já pertenceram a Gusmão, a DAG Construtora e a Empate Terraplanagem, possuem mais de 40 contratos com o governo, um pacote que representa mais de R$ 59 milhões. Hoje, as duas empreiteiras estão em nome de terceiros. Desenrolando o novelo, percebe-se que dessas empresas sai dinheiro para as campanhas carlistas. A Empate, por exemplo, doou R$ 140 mil para a campanha de César Borges em 2004. Também no centro do pool de empresas está a construtora MRM, ligada ao deputado federal Félix Mendonça (PFL), aliado de primeira hora de ACM. Entre 2004 e 2005, 26 contratos com a administração estadual carrearam R$ 12 milhões para os cofres da empresa, esta também bastante generosa politicamente com o carlismo. Na campanha municipal de 2004, a MRM distribuiu R$ 537 mil para candidatos do PFL e do PL. “Nós vamos acabar com isso já no primeiro momento”, anuncia Jaques Wagner. “Não vai mais ter empresário preferencial.”
Tensão: “É melhor sofrer no poder”
A guerra entre os dois promete ser longa. Para marcar a mudança de poder, o PT planeja fazer dois movimentos estratégicos contra símbolos que representam o poderio remanescente de Antônio Carlos na Bahia e, ao mesmo tempo, são caríssimos ao senador. Um deles é a troca do nome do aeroporto internacional de Salvador, hoje Luís Eduardo Magalhães. Na verdade, os petistas querem devolver o antigo nome, Dois de Julho, data máxima da Bahia, marco da Independência do Estado. No Congresso já tramitam alguns projetos de lei nesse sentido. Tudo indica que a aprovação da mudança será questão de honra para o PT. E o próprio Jaques Wagner vai se mobilizar. “Não se troca a saga de um povo por uma homenagem a quem quer que seja”, espeta o governador eleito. Em outra frente, os petistas querem retirar os policiais militares que, 24 horas por dia, fazem a segurança do monumento em homenagem ao falecido deputado Luís Eduardo Magalhães, filho de ACM, que venera o monumento, inaugurado em 1998. É lá que está enterrado o coração do filho. Sempre que pode, vai lá e se ajoelha em comovida oração. Os anticarlistas, por sua vez, detestam o memorial. Wagner já tem a solução na cabeça. “É uma aberração que nós vamos ter que resolver”, afirma.
Em Brasília, Antônio Carlos está reagindo. Liderou a campanha de um afilhado político, o deputado Aroldo Cedraz, para ministro do Tribunal de Contas da União. Venceu – e incomodou Lula e o PT. Em outros tempos, ACM não apenas incomodava – ele destroçava. No governo de FHC, o ápice de sua história, ele era o presidente do Senado e seu filho Luís Eduardo era líder do governo na Câmara. Tinha o governador da Bahia nas mãos, dois ministros de Estado, Energia e Previdência, os presidentes da Eletrobrás e do INSS – tudo ao mesmo tempo. Sua ambição, ou “o gosto do exercício do mando”, como ele prefere definir, o levou a tecer nessa época a máxima: “Eu sou o poder.” Hoje não tem nenhum cargo federal. Também perdeu uma vaga no Senado (o senador Rodolfo Tourinho, seu aliado, perdeu para o adversário João Durval) e sua bancada pessoal na Câmara hoje só tem sete deputados. Arrisca ficar com cinco. Na Bahia, ele chegou às urnas com 370 dos 417 prefeitos, 89% do total. Era tão grande sua influência que, em dois terços dos municípios, o carlismo acumulava os grupos do prefeito e da oposição. Wagner fez campanha com apenas 50 prefeitos. Antes mesmo da posse, já atraiu outros 50 para seu lado. E o que ACM vai fazer para estancar a sangria?
– Ora, continuarei fazendo oposição ao governo Lula. E mais ainda ao Jaques Wagner. Com esse vai ser fácil, é um imbecil e está montando o pior secretariadoda história da Bahia.– Como manter um grupo político como esse sem fazer nomeações?– É claro que é melhor sofrer no poder do que longe dele. Mas política é maré, vai e volta. É um perde-e-ganha diário, quem hoje está por cima amanhã estará por baixo e vice-versa. O certo é que ninguém é tão forte que não possa perder nem tão fraco que não possa vencer.
A débâcle de Antônio Carlos vem de longa data. Os amigos observam que ele teria perdido o faro quando morreu seu filho Luís Eduardo, há oito anos. Nesse caso, o acaso trabalhou contra ele. Era seu predileto; ACM sonhava fazê-lo presidente da República, como um dia ajudou a fazer Tancredo Neves, como ajudou José Sarney, Fernando Collor e Fernando Henrique.
– Meu filho era muito maior do que eu.
Depois disso, ACM começou a tropeçar. Brigou por puro capricho comFernando Henrique. Depois, em 2001, por pura arrogância, cismou que o colega Jader Barbalho não poderia sucedê-lo na presidência do Senado – e fez de tudopara derrotá-lo. Acabou flagrado violando o sigilo do painel eletrônico e foi obrigadoa renunciar. Eleito novamente senador em 2002, Antônio Carlos voltou menosforte, contudo, ainda absoluto na Bahia. Na intimidade, ele é um homem gentil.Tem princípios à moda antiga e um código de honra todo particular. Médico,jornalista, leitor compulsivo e refinado, é um dos grandes especialistas brasileiros em Napoleão.
ACM começou sua ascensão aos 32 anos, deputado federal, brigando com Juscelino. Conquistou acesso privilegiado ao presidente. Depois enviou a Jânio Quadros, recém-eleito, um telegrama reclamando de uma nomeação na Bahia: “A mequinhez do seu gesto dá a medida exata de seu caráter”, escreveu. Jânio renunciou logo depois pelas “forças ocultas” – e ACM ganhou fama de ousado. Mais tarde, em 1966, deu um tapa num general linha-dura. Como prêmio, o liberal Castello Branco o nomeou prefeito de Salvador; depois, Emílio Médici o nomeou governador da Bahia. Foi o general Golbery do Couto e Silva, muito irônico, quem lhe deu o codinome de Toninho Malvadeza. Como no caso de Átila, o Huno, as histórias sobre as maldades cometidas pelo personagem criaram o mito. É esse mito que lhe deu o poder. Num país onde a covardia é aclamada como prudência, a falsidade é tratada como esperteza e a dissimulação dos políticos mineiros é chamada de arte, Malvadeza acabou se destacando como um excêntrico tempero.
Ser inimigo de Antônio Carlos é desafiar a própria sorte. Até pouco tempo atrás, era pior. O ex-deputado Benito Gama, por exemplo, já ocupou o posto de predileto de ACM. Um dia o chefe o indicou para ser o presidente da CPI que resultou no processo de impeachment contra Fernando Collor de Mello. ACM exigiu que Benito salvasse Collor; mas ele acabou votando com a consciência. De lá para cá, já disputou três eleições, nunca mais foi eleito. “Ele me persegue até hoje”, disse Benito a ISTOÉ. “Contrariar o senador não é uma tarefa fácil”, diz o procurador da República Edson Abdon, responsável pela denúncia, de 2003, de que ACM montara um grande esquema de grampos telefônicos na Bahia para monitorar seus adversários. “Tive até que deixar a minha vida para trás e mudar de Estado”, ressente-se. Foi essa obsessão por mandar com mão de ferro que acabou provocando a derrocada de uma das mais antigas dinastias políticas do País. “Havia em toda a Bahia uma vontade latente de se libertar da tirania de Antônio Carlos”, relata Jaques Wagner. “Foi uma das razões da minha vitória.”
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Revista Istoé
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