segunda-feira, 18 de dezembro de 2006

Lula busca equilíbrio entre base política e base social
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A aproximação do presidente com movimentos sociais pode ser uma mostra de que ele gostaria de se escorar mais na base social para estabelecer um contraponto, caso tenha dificuldades com a base política, para implementar o seu programa.
Nelson Breve – Carta Maior
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BRASÍLIA - Ao lado da imponente escada em caracol, com os degraus protegidos pelo nobre tapete vermelho que exalta a altivez do hall de entrada da Corte Superior da Justiça Eleitoral brasileira, dois homens e uma mulher conversavam sobre a emocionante cerimônia realizada pouco antes no andar de cima: a diplomação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do vice José Alencar no plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) (leia matéria). Pareciam meio deslocados fazendo parte do seleto grupo de cento e poucos convidados, composto por ministros do Poder Executivo e do Judiciário, presidentes da Câmara e do Senado, uns poucos parlamentares, funcionários palacianos e as mulheres dos mandatários diplomados.Luiz Gonzaga da Silva (o Gegê), José Antonio Moroni e Marina dos Santos estavam ali representando os movimentos sociais. Gegê integra a Direção Nacional da Central de Movimentos Populares (CMP), Moroni é diretor de Relações Institucionais da Associação Brasileira das Organizações Não-Governamentais (Abong) e Marina participa da Coordenação Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Fosse outro o presidente diplomado, provavelmente eles não seriam convidados para testemunhar aquele momento histórico.
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“Não viemos em outras diplomações porque não fomos convidados. Nos oito anos do governo FHC, não foram os movimentos que não quiseram dialogar. Pelo contrário. O governo é que não nos reconhecia como atores políticos para o diálogo. Basta ver que ele nos chamou de neobobos”, observou Moroni. “Quando nos recebiam era de forma impositiva”, emendou Gegê. “No governo Lula fomos tratados como verdadeiros sujeitos”, reconheceu o ativista da reforma urbana e da luta por moradia para os mais pobres do país.
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“Para nós, do MST, essa é a grande diferença. Pelo menos fomos respeitados. Nos governos anteriores, era na base da repressão”, concordou Marina.A presença dos representantes dos movimentos sociais na cerimônia em que a reeleição de Lula foi oficialmente reconhecida pela Justiça Eleitoral teve um caráter simbólico importante.
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O presidente está convencido de que só não foi apeado do poder, com a justificativa dos escândalos que pipocaram no governo, porque a oposição teve medo de enfrentar a reação da base social que esses movimentos da sociedade civil representam. Parte dos agradecimentos de Lula pela compreensão do povo que o reelegeu pode ser direcionada a essas instituições que têm força de mobilização popular e estavam preparadas para um enfrentamento, caso percebessem alguma manobra antidemocrática para impedir a reeleição.
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“O governo Lula mexeu com as estruturas da sociedade”, concluiu Moroni, depois de analisar os possíveis motivos que teriam levado o presidente a chorar pela segunda vez na cerimônia de diplomação. “Qualquer pessoa que tenha sua história bombardeada, como ele teve, é nesse momento que as coisas que estão engasgadas afloram. Ao dizer que não há mais voto de cabresto, ele colocou também os formadores de opinião dentro dessa lógica do bombardeio”, supôs o diretor da Abong. Ressalvando não ignorar os problemas que justificaram o “bombardeio”, Moroni disse que no segundo turno da disputa prevaleceu o “voto programático”, pois “havia dois projetos em disputa”. Para ele, a reeleição de Lula e suas circunstâncias são um fenômeno que ainda não foi devidamente explicado. “Vai precisar uma análise mais profunda”, avaliou.Gegê tem outra explicação para a emoção do presidente, que ele diz ter ficado aquém da sua expectativa. “O presidente Lula tem clareza de qual é a responsabilidade dele no segundo mandato. Precisa fazer muito mais que no primeiro.
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Até porque o povo precisa muito mais”, sustentou o dirigente da CMP. “Que o governo conte com os movimentos sociais na hora de ir para o enfrentamento. Mudar a política econômica, ampliar as políticas sociais, fazer a Reforma Agrária. Para isso, pode contar com os movimentos sociais sempre”, avisou Marina.Uma das críticas que a esquerda costuma fazer ao primeiro mandato do presidente Lula é que ele não soube, ou não quis, equilibrar a governabilidade institucional, construída no Parlamento, com a governabilidade social, sustentada nos movimentos sociais. Seus auxiliares mais próximos sustentam que ele não pretende repetir os erros do passado e a reunião que Lula fez com 34 instituições nacionais representativas dos movimentos sociais na semana passada (veja matéria) indica que ele, além de reconhecer o papel que tiveram na sustentação do governo nos momentos mais críticos, gostaria de se escorar mais na base social para estabelecer o contraponto, caso tenha dificuldades com a base política para implementar o seu programa.
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A questão é: até que ponto o presidente está sendo sincero nesse discurso de contar com os movimentos sociais para empurrar o governo para a esquerda? Se é verdade que no segundo turno da disputa ele deu uma guinada para o lado de quem defende que o Estado precisa ser forte para promover a justiça social, também é verdade que foi uma tática eleitoral proposta pelo Conselho Político da Campanha, com defesas entusiasmadas do ex-presidente do PMDB, Jader Barbalho, e do ex-ministro Ciro Gomes. Este, aliás, segue trajetória contrária à que o presidente apontou como uma espécie de evolução natural da espécie humana.
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Na mocidade, Ciro começou a carreira política no PDS, fazendo mesuras aos ditadores de plantão. Foi prefeito de Fortaleza pelo PMDB. Governador do Ceará e ministro da Fazenda pelo PSDB. Candidato a presidente duas vezes pelo PPS, partido que representou como ministro da Integração Nacional no governo Lula. Agora foi eleito deputado federal, com a maior votação proporcional do país, pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB). Se continuar nessa trajetória, aos 60 anos e com cabelos brancos estará no PSOL ou no PSTU. Pelo diagnóstico do doutor Lula, teria começado a vida política com um problema: ser de direita na juventude. E terminaria com outro: ser de esquerda na maturidade.
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Político não brinca em público de graça. Portanto, a brincadeira do presidente deve reproduzir o que ele pensa, ou o que pensam os conselheiros que mais ouve no momento. Dependendo do auditório, Lula escorrega tanto para a esquerda, como na reunião com os movimentos sociais, quanto para a direita, no almoço com os oficiais-generais, mas não se afasta muito do centro, como disse para a platéia de empresários e personalidades convidadas para a premiação anual da revista IstoÉ. Tanto que ele já ensaia o recuo na ousadia que pregou nas primeiras semanas após a vitória eleitoral.
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Depois de convencer o eleitorado brasileiro de que o Brasil estava preparado para crescer 5% ao ano com inflação baixa e sem mágica, ele começa a construir um discurso para baixar as expectativas que criou. Logo após a diplomação, quando um jornalista lhe perguntou se ele achava que o segundo mandato seria mais difícil por estar diante de uma responsabilidade maior, ele respondeu: “Quando eu digo mais responsabilidade é porque agora eu não tenho que me comparar com os outros, eu tenho que me comparar comigo mesmo. Ou seja, nós já provamos que é possível fazer uma forte política de ajuste fiscal, que é possível a gente controlar a inflação. E agora nós precisamos provar que é possível fazer a economia crescer com inflação baixa, hábito que o Brasil não tem.
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Se você pegar o período do milagre brasileiro, de 68 a 73, ou pegar o pegar o período de Juscelino Kubitscheck, de 56 a 61, você vai perceber que o crescimento era em média 8%, 9%, no milagre brasileiro até mais, mas a inflação era muito alta, e houve uma concentração de renda, porque sequer o aumento do salário mínimo acompanhava a inflação”.
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Para quem achava que ninguém segurava mais este País, não deixa de soar estranho ouvir um presidente propor o milagre da compreensão: “Então, eu acho que o milagre que nós temos que fazer é compreender três coisas básicas: primeiro, que o Brasil é um país capitalista e precisa ter capital circulando para as pessoas poderem fazer os investimentos; segundo, é preciso a gente ter uma forte política de crédito para que o pobre possa se tornar cidadão; e, terceiro, nós temos que ter uma forte política de crescimento, acompanhada de uma política social, com distribuição de renda, senão o Brasil perderá o bonde no século XXI. Ele já perdeu no século XIX, já perdeu no século XX e nós não queremos perder no século XXI”.
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Nesta semana Lula começa a tentar colocar em prática o seu “milagre”, anunciando um conjunto de medidas para destravar o país. Na tentativa de convencer sua base de sustentação política de que a tal coalizão programática não é conversa fiada, antes de anunciar as medidas publicamente, vai apresenta-las ao Conselho Político, integrado pelos presidentes dos dez partidos que pretendem compor a coalizão (PT, PMDB, PCdoB, PSB, PRB, PR, PP, PDT, PTB e PV).
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A cortesia, de acordo com o líder do PTB na Câmara, José Múcio, é para dar “palatabilidade” ao pacote. Gestos como esse são indispensáveis para manter a solidez da base de sustentação parlamentar. Mas não serão suficientes se o presidente errar no fundamental: partilhar de forma equilibrada o governo, permitindo que as bancadas dos partidos se sintam representadas nas estruturas do Estado que permitem o exercício do poder. Traduzindo: patrocínio de cargos e liberação de emendas para manter os “estamentos” que sustentam a permanência no poder ou melhoram as chances de alcança-lo ou ampliá-lo. O resto é conversa de intelectual.
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É nesse sentido que os representantes dos movimentos sociais presentes à posse do presidente sustentam ter uma lógica diferente da dos partidos políticos. “Nossa tranqüilidade é nossa autonomia”, sustentou Gegê. “Nossa agenda é voltada para a sociedade e não para o governo”, acrescentou Moroni. “Se o governo perceber que a nossa agenda está certa...”, disse Gegê. “Pode contar com nosso apoio para defende-la”, completou Marina.

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