terça-feira, 20 de setembro de 2011

Um olho aberto

Quer Dilma queira, quer não, parte da classe média furiosa com a roubalheira debita na sua conta o que a mídia teima em chamar de “faxina ética”. E a aplaude.

Ironia para Lula ser sucedido por quem parece ter dificuldades em tolerar malfeitos. Ou por quem carece de cara de pau e de gogó afiado para justificar o injustificável. Como ele faz.

Notem que no parágrafo anterior deixei Dilma bem e mal ao mesmo tempo. Bem por apontá-la como uma pessoa, ao que tudo indica, pouco à vontade para engolir malfeitos.

Mal por insinuar que procede assim à falta do cinismo e da lábia que sobram em Lula. Descartem a hipótese de que faço média à esquerda e à direita. Ou que dissimulo. Longe disso.

Como Dilma não costuma contar a ninguém o que lhe vai na alma e detesta auxiliares boquirrotos, só me resta tentar perceber seus verdadeiros sentimentos.

Dilma lamentou ter herdado ministros de Lula? É provável que sim. Mas ela é realista o bastante para lembrar que Lula tinha esse direito – ora se tinha! Faz favor...

Restava-lhe dar tempo ao tempo.

Empossado pelo destino em 1985, José Sarney levou apenas um ano para livrar-se de ministros nomeados pelo presidente Tancredo Neves – aquele que subiu a rampa do Palácio do Planalto dentro de um caixão.

Um ano para Dilma estava de bom tamanho. Eis, porém, que entra em cena o imprevisto.

Quando ministro da Previdência do governo Lula, o senador Romero Jucá (PMDB-RR) foi acusado de oferecer fazendas fantasmas como garantia de empréstimos que tomara em bancos oficiais.

Lula o manteve no cargo – do mesmo modo como Dilma tentou manter Antonio Palocci na Casa Civil ao se tornar público seu súbito enriquecimento.

No caso de Palocci não deu. Uma vez demitido, a ele se seguiram os ministros dos Transportes, da Agricultura e finalmente o de Turismo, os três suspeitos de envolvimento em falcatruas.

Do último, Pedro Novais, diz-se que era homem de confiança de Sarney. Como seu substituto, Gastão Vieira, também é. Nada a corrigir.

Acontece que Novais virou ministro por empenho dos colegas Henrique Eduardo Alves, líder do PMDB na Câmara dos Deputados, e Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Sarney faturou em silêncio uma indicação que não foi bancada por ele. No que Novais, mais tarde, naufragou, Sarney foi à luta em silêncio e emplacou Gastão.

Henrique Eduardo e Eduardo Cunha deram com a cara na parede. Suaram a camisa para nomear ministro um de dois deputados dispostos a fazer-lhes todas as vontades se chegassem lá – um de Sergipe, outro da Paraíba. Não eram bons candidatos. Um flertou com dinheiro para a abertura de estradas. Outro com a encomenda de assassinatos.

Com razão ou sem, o pessoal começa a achar que Dilma cedeu à pressão coletiva contra a lambança desregrada. Em primeiro lugar, ponto para o próprio pessoal, que se acha autor da pressão.

Em segundo, para Dilma. Ao contrário de Lula, ela não fecha inteiramente os olhos à corrupção. Mantém aberto pelo menos um deles.

É assim que o pessoal anda pensando, segundo atestam pesquisas aplicadas para consumo interno do governo. Guardadas em sigilo, mas compulsadas por Dilma de vez em quando, elas coincidem com outras encomendadas por partidos de oposição, tão ou mais desorientados do que peru bêbado à espera do golpe fatal.

Por que Dilma não mete o pé na bunda dos meliantes infiltrados nos partidos e só escala gente boa para ajudá-la a governar?

Ora, porque tem mais meliantes do que gente boa dentro dos partidos, aposta o pessoal ouvido nas pesquisas. E se ela resolve excluir os meliantes correrá o risco de não conseguir governar.

Dilma também não pode falar em “faxina ética”, nem ter a iniciativa escancarada de promovê-la a qualquer preço. Seria suicídio.

Entende o pessoal que ela deve agir com discrição e a reboque das denúncias publicadas pela mídia. De resto, é razoável argumentar que lhe seria impossível ignorá-las. Lula só existe um.





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