Ostracismo era o “desterro político”, aplicado aos atenienses considerados “perigosos” para a vida da polis. Desterrado era o condenado pela Justiça por malfeitos capitulados num código penal.
O degredo era mais penoso do que o ostracismo — um desterro light, mais para os colarinhos brancos
Pelo nome dado à vila, supõe-se que Desterro fosse o destino de todo o criminoso deportado pelas cortes. Na verdade, os criminosos mais perigosos, assassinos e rebeldes sediciosos, eram desterrados para Angola. O que não quer dizer que nossa nascente vila não recebesse a sua quota de gente ruim. Ou que, como já era praxe naqueles tempos, o “desterrado” conseguisse privilégios no local do cumprimento da pena. Podia até mesmo se tornar um… político.
Num lugar chamado Desterro, claro está que a lei e a ordem eram bens “escassos”. Em Santo Antônio de Lisboa, o chefe político Manoel Manso de Avelar — “que tinha muito de Avelar e pouco de Manso”, segundo a verve de Oswaldo Cabral — tolerava a liberdade para homicidas. Como a de um certo padre-assassino — Estevão Simões Manço (este, um Manço com cê-cedilha). Dizem que o crime foi passional, pelo amor de uma mulher. A vítima teria sido um jovem concorrente e o assassinato foi denunciado ao “governador-geral do Brasil”, em pura perda. O coronel Manso de Avelar “acoitou” o padre e lhe garantiu a vida mansa…, no que há de ter sido, em 1733, a versão avant-la-lettre do Crime do Padre Amaro, muito antes de Eça de Queirós ter escrito o romance, somente em 1875.
Da Corte, desterravam-se para a Ilha de Santa Catarina malfeitores “veniais”, autores de crimes mais brandos do que assassinatos. Em 1782, os “livros de tombo” registraram o desterro para a Ilha do Sul do Brasil de uma certa Maria Benvarda — “porque, não obstante casada, não fazia vida honesta com o seu marido legal”. Quer dizer: acabou denunciada pelo “corno”…
Um certo Paulo da Silva Porto foi banido de Lisboa e desterrado para servir na Fortaleza de Anhatomirim, “pelo dano que puder causar se por aqui aparecer” — dando a sentença por entender que o homem era “chegado” às anáguas mais comprometidas.
Também com fama de homme à femme chegou o desterrado Vicente Joaquim Soares de Viegas. Deu com os costados na Ilha “por ser casado e andar desinquietando outra mulher, igualmente casada”.
A partir da independência, em 1822, Desterro passou a experimentar certa “distensão em benefício do direito individual e humano”, como registraria alguma ONG da época. O resultado prático dessa brandura foi a retirada do pelourinho do Largo da Matriz — “menos para significar uma melhoria no regime penal do que para expressar cristalina melhoria dos costumes e sentimentos”.
Com sua história quase três vezes centenária (a da vila) e “quatrocentona”, considerada a sua fundação, por Francisco Dias Velho, nos idos de 1675, soa bizantina essa recorrente discussão sobre a mudança do nome Florianópolis.
Desterro ou Exiliópolis eram nomes degradantes. Açorianópolis é uma simplificação: nem tudo é açoriano na Ilha da Magia.
Nem por ser amarga a história da “República de Floriano”, a história deixa de ser história. Florianópolis, com o nome amenizado pelo acrônimo “Floripa”, segue sua vida navegando no Atlântico Sul, tão bela quanto nos tempos da Criação.
O degredo era mais penoso do que o ostracismo — um desterro light, mais para os colarinhos brancos
Pelo nome dado à vila, supõe-se que Desterro fosse o destino de todo o criminoso deportado pelas cortes. Na verdade, os criminosos mais perigosos, assassinos e rebeldes sediciosos, eram desterrados para Angola. O que não quer dizer que nossa nascente vila não recebesse a sua quota de gente ruim. Ou que, como já era praxe naqueles tempos, o “desterrado” conseguisse privilégios no local do cumprimento da pena. Podia até mesmo se tornar um… político.
Num lugar chamado Desterro, claro está que a lei e a ordem eram bens “escassos”. Em Santo Antônio de Lisboa, o chefe político Manoel Manso de Avelar — “que tinha muito de Avelar e pouco de Manso”, segundo a verve de Oswaldo Cabral — tolerava a liberdade para homicidas. Como a de um certo padre-assassino — Estevão Simões Manço (este, um Manço com cê-cedilha). Dizem que o crime foi passional, pelo amor de uma mulher. A vítima teria sido um jovem concorrente e o assassinato foi denunciado ao “governador-geral do Brasil”, em pura perda. O coronel Manso de Avelar “acoitou” o padre e lhe garantiu a vida mansa…, no que há de ter sido, em 1733, a versão avant-la-lettre do Crime do Padre Amaro, muito antes de Eça de Queirós ter escrito o romance, somente em 1875.
Da Corte, desterravam-se para a Ilha de Santa Catarina malfeitores “veniais”, autores de crimes mais brandos do que assassinatos. Em 1782, os “livros de tombo” registraram o desterro para a Ilha do Sul do Brasil de uma certa Maria Benvarda — “porque, não obstante casada, não fazia vida honesta com o seu marido legal”. Quer dizer: acabou denunciada pelo “corno”…
Um certo Paulo da Silva Porto foi banido de Lisboa e desterrado para servir na Fortaleza de Anhatomirim, “pelo dano que puder causar se por aqui aparecer” — dando a sentença por entender que o homem era “chegado” às anáguas mais comprometidas.
Também com fama de homme à femme chegou o desterrado Vicente Joaquim Soares de Viegas. Deu com os costados na Ilha “por ser casado e andar desinquietando outra mulher, igualmente casada”.
A partir da independência, em 1822, Desterro passou a experimentar certa “distensão em benefício do direito individual e humano”, como registraria alguma ONG da época. O resultado prático dessa brandura foi a retirada do pelourinho do Largo da Matriz — “menos para significar uma melhoria no regime penal do que para expressar cristalina melhoria dos costumes e sentimentos”.
Com sua história quase três vezes centenária (a da vila) e “quatrocentona”, considerada a sua fundação, por Francisco Dias Velho, nos idos de 1675, soa bizantina essa recorrente discussão sobre a mudança do nome Florianópolis.
Desterro ou Exiliópolis eram nomes degradantes. Açorianópolis é uma simplificação: nem tudo é açoriano na Ilha da Magia.
Nem por ser amarga a história da “República de Floriano”, a história deixa de ser história. Florianópolis, com o nome amenizado pelo acrônimo “Floripa”, segue sua vida navegando no Atlântico Sul, tão bela quanto nos tempos da Criação.
Sergio da Costa Ramos
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