Pseudo-indignados, grande semeadura e síndrome de vira-latas
E lá vou eu escrever pra ser odiado e isolado. Mas não me importo. Desde que deixei o trotskysmo e depois o esquerdismo por inteiro de lado, não me importo mais em viver fora de rebanhos coletivos. Prefiro a sabedoria do isolamento, a paz do indivíduo ao conforto das multidões irracionais.
O previsto desde antes de ontem aconteceu. O óbvio aconteceu. E hoje, pós sete de setembro, glorioso dia em que o saudoso Imperador do Brasil Dom Pedro I proclamou nossa independência, aquele grande campo anti-lulista está eufórico. "Nunca antes na história deste país um movimento sem o selo de qualidade esquerdista tomou as ruas", proclamam. Pois é. O chiste com a palavra de ordem do Guia Genial dos Povos Esquerdistas é proposital. Porquê se por um lado as manifestações de ontem não contaram com o selo de qualidade esquerdista, por outro reproduziram estética e conteúdo esquerdistas.
Quem não há de relacionar os narizes de palhaço e as caras pintadas com o movimento anti-Collor? Um movimento que foi gestado, criado e liderado por quem mesmo? Quem não há de relacionar o movimento anti-corrupção com o famigerado movimento "pela ética na política", gestado, criado e liderado por quem mesmo?
Muito mais do que o nascimento de um novo movimento de sociedade civil organizada independente e apartidária, com viés liberal, libertário e/ou conservador, o que se viu ontem foi um saudosista movimento que parece querer resgatar o "bom e velho PT".
Desculpem se sou chato, antipático e pessimista. Mas foi desta maneira que vi o que aconteceu ontem. E como jornalista que tento ser, gosto de prestar continência sempre ao Comandante: o Fato.
Pseudo indignados
Mas estão indignados com o quê mesmo, os que protestaram ontem? Com a corrupção endêmica que se arrasta no Brasil há 122 anos, desde que a República foi criada? E que já germinava mesmo sob a Monarquia? Indignados com a "falta de ética na gestão do Estado"? Pergunta: em que época, país ou mesmo cidade em que o poder estatal se organizou que não houve corrupção?
Informação: onde houver um ente estatal organizado, ali haverá corrupção. Como não encontramos formas melhores de conviver em civilização, especialmente em sociedades de massa, que não passem pela organização de entes estatais com certas prerrogativas especiais (como, por exemplo, o monopólio do uso da força), somos obrigados a aceitar um certo grau de corrupção por parte de tais entes. Desculpem se choco os corações mais puros. Mas esta é tão somente a verdade.
"Ah!, mas no Brasil a corrupção passou dos limites!", brandam os pseudo-indignados. Até acredito que sim. Até porquê, temos um dos aparelhos estatais mais gigantes do planeta. Obra de seguidos governos no último século inteiro que sempre preferiram acreditar mais no Estado e menos na sociedade. Mais na Pólis do que nos indivíduos livremente organizados e coordenados.
Se querem que a corrupção baixe a níveis mínimos, "toleráveis", digamos assim, não adianta gritar contra a corrupção e pedir ética, honestidade, moral e bons costumes. Tudo isso deve fazer parte da educação individual que crianças deveriam aprender no seio de suas famílias. Isto deveria ser parte de princípios básicos de formação do caráter dos nossos cidadãos. Isso não é, nunca foi e nunca será pauta política. Se querem que a corrupção baixe é inevitável que se peça menos Estado. Que se peça uma diminuição do número de ministérios. Que se acabe com o conceito, sedimentado ao longo de gerações nas cabecinhas de milhões de cidadãos brasileiros, de que o Estado é uma babá que deve cuidar de cada um desde o berço até o túmulo.
Enquanto a indignação não for ao cerne do problema e prosseguir no onanismo moralista, continuamos na estaca zero. E estamos longe, muito longe de termos indignados de verdade. O máximo que temos são pseudo-indignados. E olha lá.
Grande semeadura
Dia desses o ex-prefeito do Rio de Janeiro, Cesar Maia, tratava em sua newsletter, batizada de Ex-Blog, sobre um tal de marketing de grande semeadura. O tal marketing parece ter encontrado o meio-termo entre as mídias sociais e as mídias de massa. Não põe todos os ovos em nenhuma das grandes cestas. Faz uma divisão. Um pouco de mass mídia, um pouco de boca a boca na grande rede.
Bueno. Posso estar muito enganado, mas sinto nas manifestações de ontem um cheiro inequívoco de teste-piloto da teoria para movimentos políticos no Brasil. Se não, analisem comigo. O Globo (o jornal) sai com uma pauta uma semana antes falando do "crescimento dos movimentos anti-corrupção na internet". A pauta, de maneiras diferentes, é replicada por vários outros grandes veículos. Graças a isso a tal "marcha anti-corrupção", que reunia meia dúzia de gatos pingados na rede, acaba ganhando visibilidade e volume.
E aí vemos as manifestações de ontem, sendo a maior em Brasília, notório bastião da moral e da ética no Brasil.
Segundo o Jornal Hoje, no comecinho da tarde, eram perto de 20 mil manifestantes em Brasília. Segundo o Bonner, no Jornal Nacional, já eram 30 mil. Fazendo minhas contas deduzi que até o Jornal da Globo, com Wack e Pelajo já seriam uns 50 mil.
Mas o número é o que menos importa. O que me incomoda nisso tudo é o inequívoco artificialismo. O inequívoco cheiro de teste piloto para tentar criar um movimento de rua que contraponha o PT. E que surge de maneira planejada, calculada e dirigida, não das ruas, mas de centros de comando bem distantes de qualquer coisa parecida com "cidadãos comuns indignados". Algo que aliás, politicamente falando, simplesmente não existe.
Síndrome de vira-latas
Começou esta bobajada toda de "indignados" e "revoluções do Twitter e do Facebook" pelo Oriente Médio, Tunísia à frente e o Egito como caso mais notório e famoso. Diria o Padre Quevedo, se analista de política fosse, que "isso son coisas que non eqzisten!". Revoluções, movimentos de massa e mudanças de poder só são realizados se houver um centro coordenador. Uma direção política. É assim desde que o mundo é mundo e continuará sendo até o fim dos tempos. Com ou sem Facebook, Twitter ou que diabo ainda venha a se criar.
As "revoluções do Twitter e do Facebook" no Oriente Médio tiveram sempre a direção da famigerada Irmandade Muçulmana. Com auxílio luxuoso da Al Jazerra, esta rede de televisão terrorista que opera segundo os velhos cânones da comunicação de massa. Apenas idiotas, inocentes úteis e maliciosos consideraram os movimentos no Oriente Médio como legítima expressão de mobilização espontânea de cidadãos comuns.
Aí a coisa ganhou mais glamour ainda quando estourou na Espanha. Uma Espanha que vive uma brutal crise econômica (de resto como quase toda a Europa social-democrata) e que gerou daí o motivo para que os "indignados" de lá ganhassem corpo. Qualquer um que tenha estudado com um mínimo de atenção o caso espanhol sabe que os movimentos de rua foram gerados por grupos de esquerda com longo histórico de mobilizações de rua e ganharam massa graças a crise econômica.
Já no Chile o buraco é ainda mais embaixo, já que não há nenhuma crise econômica. O que há, tão somente, é a esquerda tentando arrebentar com o primeiro governo de centro-direita eleito em terras chilenas nas últimas duas décadas. E que usa os estudantes como massa de manobra pra isso. Simples assim.
Em tudo e por tudo, grupos políticos organizados e causas bem definidas criam os tais "indignados", pseudo-cidadãos comuns, pseudo-organizados "espontaneamente" e pseudo-mobilizados via web.
Aí entra o nosso vira-latismo. "Se o Oriente Médio, a Europa e o Chile tem indignados, nós também temos que ter!", bradam os vira-latas pátrios. Mas com qual motivo? Qual pauta? Por qual razão? Com qual foco? "Ah!, isso é o de menos, vemos depois que os indignados já estiverem nas ruas", explicam os Maquiavéis de boteco.
Junte-se a isso uma "oposição" em desespero, sem bandeiras, sem lideranças, dividida, sem diagnósticos, sem propostas alternativas para o país e temos o caldo perfeito para as manifestações de sete de setembro. "Afinal, se o PT tem sua CUT, sua UNE e seu MST, também temos de criar os nossos", pensam os apalermados "líderes oposicionistas".
Desculpe, mas não acho que seja disso que precisamos. Acho que precisamos de cidadãos indignados e pra usar a palavra mais adequada, emputecidos. Mas indignados e emputecidos de verdade. Não indignados que fazem carnaval. Não reproduzindo velhas fórmulas e slogans petistas. Não reproduzindo o mesmíssimo movimento que irá levar ao mesmíssimo lugar que o petismo levou.
Posso ser antipático. Posso ser voz isolada. Mas digo tudo o que penso. E procuro fazer isso de maneira clara e embasada.
Se houver qualquer argumento consistente, claro e embasado que me prove que as manifestações anti-corrupção do sete de setembro vão levar a qualquer coisa que não seja o desperdício de energia puro e simples, afora o desvio de foco óbvio, aí revejo minha opinião.
É isso.
Punto. E basta.
Eduardo Bisotto