quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Vitrine do futuro

Autor: Chico Alencar
Publicado: O GLOBO
Data: 12/12/2009


Para além das esperanças e frustrações que Conferências Mundiais sobre clima possam gerar, há atitudes de vida que medem os rumos que a civilização, ainda que cada vez mais padronizada, tende a tomar. Tratasse de sustentar ou contestar políticas globais também com posturas cotidianas e pessoais, mas nem por isso menos políticas. Por compreender, desde Montesquieu, que a “virtude cidadã” precede e embasa a boa lei. Que o macro começa no micro.

Por coerência e para nossa sobrevivência como espécie dotada de razão e movida a paixão.

Somos carne e espírito, barro e luz. Somos capazes de superação, perseguimos transcendência, aspiramos eternidades. Espiritualidade só existe praticada: é espiritualizar-se.

É questionamento diário do aparente sem-sentido do mundo. É a não aceitação da existência como efêmera trajetória, destinada ao nada, que por isso deve ser usufruída imediata e sofregamente. É a negação do fundamentalismo de mercado que o sistema que tudo “coisifica” tenta absolutizar, oferecendo na vitrine, como objeto de consumo, nossos desejos de beleza e harmonia.

Assim como educar é ensinar a olhar para fora e para dentro, espiritualizar-se é dotarmo-nos de grandeza, de atenção, daquilo que nos faz sentir que a vida vale a pena ser vivida: o amor, o sentimento solidário de pertença, o compromisso de deixar o mundo melhor do que quando nele chegamos.

Ecologia é decorrência: percepção da trajetória da nossa casa, a Terra , nesse pluriverso de galáxias em expansão, e do maravilhoso fenômeno da articulação de elementos biológicos, físicos e químicos que, há treze bilhões de anos, produz a energia da vida, da qual somos parte, complexa e frágil. Sinergia vital que tantas vezes tentamos subjugar, produzindo, em nome do “progresso”, esgotamento, superaquecimento e insustentabilidade.

Leonardo Boff, com sabedoria profética, lembra que “ingressamos numa nova era, a ecozóica”: ou sobreviveremos, com uma mudança radical do nosso modo de ser, de produzir, de consumir, de conviver — metanoia, conversão — ou pereceremos todos, aterrados por lixo, intoxicados por gases, degradados pelo veneno que nós mesmos, na Torre de Babel do “crescimentismo”, construímos.

Ecologia é atitude: reação contrária à onda de necessidades artificiais a que somos induzidos, perdida a fronteira do supérfluo. Resgatar nossa dimensão espiritual e ecológica é contestar a lógica do efêmero, da “novidade” que consola, do videocapitalismo, demiurgo do “homo consumericus”: não penso, não existo, só assisto. E clico, deleto, ensaco, poluo e me endivido. E logo me desfaço, pois há novas demandas — que nem sei se tenho...

Ser ecológico é negar a cultura da vaidade a serviço da felicidade privada. É ser arauto do realismo utópico, do inédito viável: reavaliar, reeducar, reestruturar, reciclar, reduzir, redistribuir, redemocratizar.

Viver mais simplesmente, para que simplesmente todos possam viver.

Nenhum comentário: