Rogério Schmitt*
Há cerca de três semanas, em mais um de seus famosos discursos de improviso, o presidente Lula chamou a atenção para o fato de que todos os prováveis presidenciáveis nas eleições de 2010 têm origem no campo ideológico da esquerda. As palavras exatas do presidente teriam sido: "Pela primeira vez não vamos ter um candidato de direita na campanha. Não é fantástico isso?".
Na linguagem da teoria política, o termo "direita" serve tanto para designar os adeptos do liberalismo econômico como também os adeptos dos valores morais tradicionais. Simplificadamente, os direitistas são chamados de "liberais" quando aderem ao primeiro conjunto de princípios, ou de "conservadores" quando aderem a ambos.
Mas o diagnóstico presidencial acima é apenas parcialmente verdadeiro. De fato, ele se aplica bem ao governador José Serra (PSDB), à ministra Dilma Rousseff (PT), ao deputado Ciro Gomes (PSB) e à senadora Marina Silva (PV). Nenhum desses candidatos, individualmente, nem os seus partidos podem ser doutrinariamente rotulados como direitistas. Se fossem indagados a respeito, todos eles certamente se classificariam como de "esquerda" ou de "centro-esquerda". As pesquisas feitas pelos cientistas políticos sobre esses quatro partidos também chegam ao mesmo resultado.
O erro do presidente Lula foi o seu aparente lapso de memória. Esse mesmo cenário previsto para 2010 já esteve em vigor nas duas últimas eleições presidenciais. Em 2002, os principais candidatos foram o próprio Lula (PT), José Serra (PSDB), Anthony Garotinho (PSB) e Ciro Gomes (PPS). Por seu turno, em 2006, a disputa esteve concentrada em torno de Lula (PT), Geraldo Alckmin (PSDB), Heloísa Helena (PSOL) e Cristovam Buarque (PDT). Salvo melhor juízo, nem mesmo os peritos dos seriados policiais da TV conseguiriam identificar vestígios significativos de direitismo nessas campanhas eleitorais.
A rigor, os partidos classificados à direita do centro do espectro ideológico brasileiro começaram a não mais lançar candidatos presidenciais próprios já na década de 90. Em 1998, quando Enéas Carneiro (Prona) obteve apenas 2,1% dos votos, o único representante da direita na disputa – “o nome era Enéas” – já viera de um partido "nanico". Em 1994, Enéas Carneiro e Esperidião Amin (PPR) obtiveram juntos 10,1% dos votos. Em contrapartida, na sucessão presidencial de 1989, os sete candidatos de direita – Fernando Collor (PRN), Paulo Maluf (PDS), Guilherme Afif (PL), Aureliano Chaves (PFL), Ronaldo Caiado (PSD), Affonso Camargo (PTB) e Enéas Carneiro (Prona) – alcançaram quase a metade (46,9%) dos votos.
A virtual ausência da direita nas disputas presidenciais brasileiras é ainda mais paradoxal devido ao fato de que as pesquisas nacionais de opinião reiteradamente apontam para a hegemonia numérica do eleitorado direitista no país. Um dos exemplos mais recentes foi um levantamento do instituto Datafolha realizado em 2006, no qual 47% dos entrevistados se declararam de direita (contra 23% de centro e 30% de esquerda). Ainda que a compreensão dessas categorias ideológicas possa variar muito de eleitor para eleitor, essa mesma distribuição de preferências políticas costuma se repetir em todas as pesquisas similares.
Naturalmente, não tenho como elucidar o mistério do "sumiço" da direita brasileira em um simples artigo como este. Mas é razoável supor que o fenômeno possa estar associado a vários fatores simultâneos, tais como, por exemplo, a bipolarização presidencial entre PT e PSDB (para a qual já chamei a atenção em minha coluna anterior) e o predomínio ideológico da geração que atingiu a maturidade política na resistência ao regime militar nos anos 60 e 70.
Por fim, mas não menos importante, também não posso concordar com o juízo de valor ("fantástico") feito pelo presidente Lula ao constatar a ausência da direita no próximo ciclo eleitoral. Todas as principais democracias mundiais se caracterizam pela convivência pacífica e pela alternância no poder entre governos mais à esquerda (social-democratas, trabalhistas ou democratas norte-americanos) ou mais à direita (conservadores, liberais, democratas-cristãos ou republicanos norte-americanos).
Num certo sentido, a polarização entre tucanos (a "direita" da esquerda) e petistas (a "esquerda" da esquerda) mostra que isso também é válido para o Brasil. Mas a inexistência de uma direita autêntica (o mesmo valeria se fosse a esquerda) nas nossas disputas presidenciais certamente prejudica a qualidade do debate político brasileiro em médio e longo prazos.
*Consultor político, coordenador de Estudos e Pesquisas do Centro deLiderança Pública (CLP) e Doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj). Foi professor da Universidade de São Paulo (USP), da PUC-SP e da Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Publicou o livro "Partidos políticos do Brasil: 1945-2000" (Jorge Zahar Editor, 2000) e co-organizou a coletânea Partidos e coligações eleitorais no Brasil (Unesp/Fundação Konrad Adenauer, 2005).
Há cerca de três semanas, em mais um de seus famosos discursos de improviso, o presidente Lula chamou a atenção para o fato de que todos os prováveis presidenciáveis nas eleições de 2010 têm origem no campo ideológico da esquerda. As palavras exatas do presidente teriam sido: "Pela primeira vez não vamos ter um candidato de direita na campanha. Não é fantástico isso?".
Na linguagem da teoria política, o termo "direita" serve tanto para designar os adeptos do liberalismo econômico como também os adeptos dos valores morais tradicionais. Simplificadamente, os direitistas são chamados de "liberais" quando aderem ao primeiro conjunto de princípios, ou de "conservadores" quando aderem a ambos.
Mas o diagnóstico presidencial acima é apenas parcialmente verdadeiro. De fato, ele se aplica bem ao governador José Serra (PSDB), à ministra Dilma Rousseff (PT), ao deputado Ciro Gomes (PSB) e à senadora Marina Silva (PV). Nenhum desses candidatos, individualmente, nem os seus partidos podem ser doutrinariamente rotulados como direitistas. Se fossem indagados a respeito, todos eles certamente se classificariam como de "esquerda" ou de "centro-esquerda". As pesquisas feitas pelos cientistas políticos sobre esses quatro partidos também chegam ao mesmo resultado.
O erro do presidente Lula foi o seu aparente lapso de memória. Esse mesmo cenário previsto para 2010 já esteve em vigor nas duas últimas eleições presidenciais. Em 2002, os principais candidatos foram o próprio Lula (PT), José Serra (PSDB), Anthony Garotinho (PSB) e Ciro Gomes (PPS). Por seu turno, em 2006, a disputa esteve concentrada em torno de Lula (PT), Geraldo Alckmin (PSDB), Heloísa Helena (PSOL) e Cristovam Buarque (PDT). Salvo melhor juízo, nem mesmo os peritos dos seriados policiais da TV conseguiriam identificar vestígios significativos de direitismo nessas campanhas eleitorais.
A rigor, os partidos classificados à direita do centro do espectro ideológico brasileiro começaram a não mais lançar candidatos presidenciais próprios já na década de 90. Em 1998, quando Enéas Carneiro (Prona) obteve apenas 2,1% dos votos, o único representante da direita na disputa – “o nome era Enéas” – já viera de um partido "nanico". Em 1994, Enéas Carneiro e Esperidião Amin (PPR) obtiveram juntos 10,1% dos votos. Em contrapartida, na sucessão presidencial de 1989, os sete candidatos de direita – Fernando Collor (PRN), Paulo Maluf (PDS), Guilherme Afif (PL), Aureliano Chaves (PFL), Ronaldo Caiado (PSD), Affonso Camargo (PTB) e Enéas Carneiro (Prona) – alcançaram quase a metade (46,9%) dos votos.
A virtual ausência da direita nas disputas presidenciais brasileiras é ainda mais paradoxal devido ao fato de que as pesquisas nacionais de opinião reiteradamente apontam para a hegemonia numérica do eleitorado direitista no país. Um dos exemplos mais recentes foi um levantamento do instituto Datafolha realizado em 2006, no qual 47% dos entrevistados se declararam de direita (contra 23% de centro e 30% de esquerda). Ainda que a compreensão dessas categorias ideológicas possa variar muito de eleitor para eleitor, essa mesma distribuição de preferências políticas costuma se repetir em todas as pesquisas similares.
Naturalmente, não tenho como elucidar o mistério do "sumiço" da direita brasileira em um simples artigo como este. Mas é razoável supor que o fenômeno possa estar associado a vários fatores simultâneos, tais como, por exemplo, a bipolarização presidencial entre PT e PSDB (para a qual já chamei a atenção em minha coluna anterior) e o predomínio ideológico da geração que atingiu a maturidade política na resistência ao regime militar nos anos 60 e 70.
Por fim, mas não menos importante, também não posso concordar com o juízo de valor ("fantástico") feito pelo presidente Lula ao constatar a ausência da direita no próximo ciclo eleitoral. Todas as principais democracias mundiais se caracterizam pela convivência pacífica e pela alternância no poder entre governos mais à esquerda (social-democratas, trabalhistas ou democratas norte-americanos) ou mais à direita (conservadores, liberais, democratas-cristãos ou republicanos norte-americanos).
Num certo sentido, a polarização entre tucanos (a "direita" da esquerda) e petistas (a "esquerda" da esquerda) mostra que isso também é válido para o Brasil. Mas a inexistência de uma direita autêntica (o mesmo valeria se fosse a esquerda) nas nossas disputas presidenciais certamente prejudica a qualidade do debate político brasileiro em médio e longo prazos.
*Consultor político, coordenador de Estudos e Pesquisas do Centro deLiderança Pública (CLP) e Doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj). Foi professor da Universidade de São Paulo (USP), da PUC-SP e da Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Publicou o livro "Partidos políticos do Brasil: 1945-2000" (Jorge Zahar Editor, 2000) e co-organizou a coletânea Partidos e coligações eleitorais no Brasil (Unesp/Fundação Konrad Adenauer, 2005).
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