sábado, 14 de outubro de 2006

O OFÍCIO DE EDUCAR
Chico Alencar
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Depois da mãe e do pai, é ela quem apresenta o mundo à criança. Sem ela a socialização primária do ser humano não se completaria. É ela que dá carinho e luzes, ensinando a ler, escrever e contar. E mais: ensinando a olhar para fora e para dentro. Ela é aço e cimento, madeira e alicerce, casa de afeto onde mora a luz, bem quieta. Ela é quase uma biblioteca. É ela que tem que refazer, a cada ano, o caminho percorrido no ano anterior, e encontrar sempre novidades, para não 'repetir'. É ela que precisa conhecer cada um do grupo, e, no meio do coletivo, tratar cada pessoa com a sua singularidade.
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Ela nunca pode ser eucalipto, igual, vertical, sugador de toda água, feito para o corte. Ela precisa ser jequitibá, de raízes profundas e galhos fortes, árvores frondosa onde muitos pássaros vêm se aninhar. Ela precisa ser sempre ativa e criativa, cumprir o estabelecido e ir além, oferecendo novos mundos no velho mundo.
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Ela não pode ter fadiga, stress, canseira, pois lida com argila humana, que pede sempre a artesã cuidadosa e eficaz, carinhosa e veraz. Ela precisa deixar seus problemas em casa, ou bem guardados dentro da bolsa, e, nas sagradas horas do trabalho, ser exemplo e espelho. Ela precisa, mesmo sem dinheiro, saber de tudo o que rola no planeta, das epidemias na África às novas descobertas da ciência nos EUA, das lutas dos povos pequeninos aos meteoros que giram pelo céu, sem destino.
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Do Prêmio Nobel da Paz às conquistas de gente que faz. Da afirmação da mulher à situação dos povos esquecidos, que nem usam colher. Ela precisa conhecer a Terra e entender as diversidades das culturas, para, desde o início, revelar o ridículo dos ódios raciais e o absurdo da opressão dos que têm sobre os despossuídos.
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Ela precisa, filósofa, transmitir que toda crença é respeitável e toda imposição de fé é abominável. Ela, sábia, deve repetir o Dalai Lama: 'a melhor religião é qualquer uma que leva o fiel a ter mais amor ao próximo'. Ela sabe que o computador será precioso auxiliar, mas nunca ocupará o seu lugar.
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Seu ofício é artesanal, olho no olho, mão na mão, interlocução, conversa dialogada onde quem tem o saber o socializa, compartilhando o aprendido com os demais. Ela sabe que o conhecimento nunca acaba, e portanto, jamais alguém estará inteiramente formado. Ela sabe que a cada cinco anos todo o aprendido começa a ficar ultrapassado, e é preciso nunca parar de buscar, pesquisar, estudar. Ela sabe que a curiosidade é a mãe da inteligência.
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Ela, quase sempre esquecida pela autoridade, é lembrança cálida da infância alegre que se perpetua na vida do bem sucedido e do desvalido, do mendigo e do doutor, do ainda quase escravo e do senhor - signo de possibilidade, guardiã da oportunidade, expressão da igualdade entre todos os viventes. Ela é a professora: aquela que, dia a dia, na sala de aula, humaniza o ser humano e ensina a lição fundamental da esperança na vida melhor. Não há profissão maior.

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