sábado, 14 de outubro de 2006

MAGISTÉRIO DEGRADADO
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Sou de uma geração formada na educação pública. Do primário ao término do curso na Escola Naval, me habituei a olhar as escolas ''particulares'' como boates. ''Pagou, passou'', era o que se dizia delas na década dos 50. Cassado em 64, fui trabalhar na loja de tecidos de meu pai em Vila Isabel; um também armarinho que tratava suas ''freguesas'' com muita cortesia.
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Mas cortesia extrema, ia para uma categoria profissional específica: as professoras da maior escola pública do bairro, a República Argentina. E havia um mote concreto para tal, além da relação afetiva com o meu passado de ex-aluno. Sendo as melhores clientes, não deixavam lacuna no cumprimento de compromissos com o livro de venda ''fiada'' que constituía o forte da receita da Casa Simpathya. E por uma razão muito simples: as boas condições salariais da profissão que minha própria irmã havia escolhido, com valor inicial correspondente ao que eu recebia no posto de Segundo-Tenente da Marinha, que então já alcançara. Condições que o golpe da direita começaria a degradar, com o estímulo à privatização da educação e saúde públicas, que ali se iniciava.
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Se recorro a reminiscências, é por conta da atual greve da rede estadual de ensino. É por conta da angústia sentida, ao acompanhar a assembléia de sexta-feira última, em que professores e funcionários do ensino médio público se mantinham mobilizados contra o governo do Estado. Num ginásio superaquecido, demonstravam o espírito combativo, buscando caminhos de modificar o quadro profissional macabro imposto àqueles e àquelas que optaram por esta carreira missionária, sem se dar conta da verdadeira armadilha existencial em que entravam. Uma armadilha que mantém inalterado, desde 1994, um padrão salarial injusto, onde o teto beira R$ 1.000,00 para quem cumpriu 25 anos respirando pó de giz, preparando aulas e corrigindo provas. Isto, para os professores, todos com formação universitária. Imaginem o que sobrou para o quadro administrativo.
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Poucos, na plenária, conseguiam disfarçar o empobrecimento evidente nos trajes, certamente adquiridos em lojas de produtos baratos, num contraste gritante com a imagem, que naquele momento me vinha à mente, das professoras circulando na loja de meu pai. E me dava conta da demagogia do grande patronato que, do alto de suas contas bancárias, invoca o baixo índice educacional brasileiro, como forma de justificar os salários de miséria que pagam a seus funcionários, nos ramos comercial ou industrial em que operam.
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''Greve de professores só desorganiza a vida dos alunos que ficam sem aula'', gritam os de visão curta, e pouco generosa. Verdade, mas é visão curta e pouco generosa, pois os que assim se expressam não abrem mão de suas reivindicações quando se sentem ameaçados por condicionamentos até bem menos degradantes dos que os impostos aos profissionais da educação pública. Melhor fariam se tomassem conhecimento das não pouca atividades nas coletividades escolares, com trabalhos paralelos, extra-curriculares, durante a greve.
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Mantenham a política de desqualificação da escola pública, que mesmo o governo petista não conseguiu modificar - pelo contrário; no âmbito da União, estão aí as subvenções e isenções às universidades privadas, por conta de contestáveis programas assistenciais -, e criamos o cenário para um mergulho na barbárie em futuro não muito distante. Continuem privilegiando pagamentos de juros ilegais, de uma dívida pública, nunca auditorada a despeito de exigência constitucional, desde 1988; continuem realizando obras de fachada, eleitoreiras, no âmbito dos Estados; continuem surrupiando as verbas educacionais na área dos municípios, e continuem a não compreender o porquê da crescente violência urbana, achando que vamos liquidá-la com mais repressão; com mais ''caveirões''.
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Que esta greve chegue a termo, com a recuperação significativa das perdas salariais provenientes do congelamento de 10 anos, mas também com a implantação de uma política educacional que proporcione melhores condições materiais para a escola pública, além de garantia de constante aperfeiçoamento do quadro de docentes. Sem isso, não adianta insistir na publicidade das ''10 mil obras'', porque, mesmo reais, o cimento nelas despendido não tem perenidade garantida. Mas o efeito positivo de educação gratuita, e de boa qualidade, este certamente tem.
Milton Temer

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