segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Lula papo fosco

Léo Lince


O presidente Lula, como todos sabem, é um especialista em campanha eleitoral. Faz campanha o tempo todo, vinte quatro horas por dia, todos os dias da semana. Mesmo nos anos de entressafra eleitoral, como é o caso do atual, ele não perde o pique. Um caso especial de fascínio pela atividade que desempenha, reconheça-se, com rara maestria. Um craque polivalente. Ataca e defende, chuta com a esquerda e com a direita, domina as manhas do desarme e se destaca como incomparável "fora de série" no quesito armação.



A feição mais visível de tal exercício continuado é a do domínio público. O cidadão está habituado, pelo bombardeio da mídia, ao espetáculo recorrente. Quando caminha, microfone em punho, de um lado a outro dos palanques, sejam os de inaugurações de qualquer tipo de obra ou no lançamento de pedra fundamental daquilo que será ou não edificado, o presidente fala como "pai dos pobres". Mete o pau nas elites. Diz sempre não estar fazendo campanha eleitoral, pois a lei não permite. Mas não se esquece de convidar para os palanques o baronato local, além de apresentar ao povo em geral a sua candidata, com a qual promete voltar no tempo devido para dar um "banho" nos adversários. Joga para a platéia e, tal qual um artilheiro oportunista, sabe levá-la ao delírio.



Outra dimensão, menos visível, desta dedicação integral se revela no esforço voltado para o lance seguinte, o ponto futuro, a preparação das jogadas que possam facilitar os "bastidores" da próxima campanha. Neste particular, o papo mais eficaz é o da "mãe dos ricos". Todos sabem que as nossas campanhas eleitorais estão entre as mais caras do mundo. Todos sabem que, no Brasil de hoje, a proximidade com o poder é fator decisivo para o caixa financeiro das máquinas partidárias. Também é sabido que o sucesso das máquinas eleitorais acoitadas no aparelho de governo e financiadas pelos pontos fortes da economia são um fator decisivo na reprodução da ordem social injusta. Todos sabem. Daí porque, mesmo batendo um bolão, o presidente prefira jogar para o time e não ostentar em demasia suas habilidades neste particular.



Apesar da cautela prudencial, alguns lances típicos desta dimensão do jogo político têm aparecido no noticiário recente. Nas últimas semanas, em mais de uma reunião com empresários, o presidente desferiu críticas aos instrumentos "duros de fiscalização, que podem atrasar projetos". Quer uma nova lei de licitações. Sugere, sem que ninguém ao que se saiba tenha solicitado, a formação de grupos de trabalho para elaborar outros marcos regulatórios, libertos da fiscalização pública considerada excessiva. Uma música para os ouvidos de uma platéia composta por grandes empresários. Um alento para os tesoureiros da próxima campanha eleitoral.



Aliás, por falar na relação empreiteiro/financiamento de campanha, na festa de 50 anos do Sindicato da Indústria da Construção Pesada, o presidente cativou os grandes do setor com seu rombudo discurso verdade. Disse ele: "Vocês sabem a fama de vocês há 15 e 20 anos atrás. Empreiteiro e usineiro de cana eram duas coisas que político gostava na hora de procurar financiamento de campanha, e eram duas coisas que o político gostava de ter bem longe na hora da administração. Nós quebramos esse tabu". Como se sabe, os empreiteiros continuam, como sempre, na linha de frente dos grandes financiadores de campanha e sempre transitaram na intimidade de todos os governos. A única novidade está naqueles que antes protestavam e, agora, tomaram bonde andando e sentaram na janelinha. Tabu quebrado, ora, ora, pois, pois: papo fosco.

Léo Lince é sociólogo.

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