Roberto Torres
Talvez a forma mais eficiente que o neoliberalismo encontrou na tentativa de perpetuar sua hegemonia no mundo tenha sido a proclamação do fim das ideologias. A vida social completamente regulada pelas “forcas de mercado” foi trazida à condição de fatalidade contra a qual a política deveria ser perpetuamente limitada. Por mais que a realidade fosse de concentração acentuada do capital, a idéia de um mercado como palco da competição justa se firmou como pedra angular de uma visão de mundo que pretendia ser a única possível. A esquerda foi encurralada. A democracia reduzida, implementada e expandida como formalismo. Respeitar os formatos institucionais que dariam suporte ao mundo justo e competitivo do mercado vitorioso foi colocado como tabu e sua violação passava a render os xingamentos de “atrasado”, “viúvas do muro de Berlin”, entre outros que visavam desautorizar um questionamento político da ordem vigente.
Talvez a forma mais eficiente que o neoliberalismo encontrou na tentativa de perpetuar sua hegemonia no mundo tenha sido a proclamação do fim das ideologias. A vida social completamente regulada pelas “forcas de mercado” foi trazida à condição de fatalidade contra a qual a política deveria ser perpetuamente limitada. Por mais que a realidade fosse de concentração acentuada do capital, a idéia de um mercado como palco da competição justa se firmou como pedra angular de uma visão de mundo que pretendia ser a única possível. A esquerda foi encurralada. A democracia reduzida, implementada e expandida como formalismo. Respeitar os formatos institucionais que dariam suporte ao mundo justo e competitivo do mercado vitorioso foi colocado como tabu e sua violação passava a render os xingamentos de “atrasado”, “viúvas do muro de Berlin”, entre outros que visavam desautorizar um questionamento político da ordem vigente.
Este mundo do Deus-mercado pretendia que a economia fosse imunizada ao máximo contra a política, como se ela fosse um “dado da evolução humana” em busca do seu bem estar, o qual deveria ser protegido contra quem pudesse usar a política para “reinventar” o mundo, interferir naquilo que funcionaria tao melhor quanto menos intervenção tivesse. Criaram-se critérios quase oficiais para condenar os aventureiros que, se eleitos, podiam ameaçar a marcha soberana da “livre iniciativa”, das “forcas do progresso”.
Foi exatamente neste contexto de hegemonia ideológica que as “mentes brilhantes” do liberalismo brasileiro buscaram o conceito de patrimonialismo para legitimar o discurso de demonização do Estado. Segundo a tese de nossos liberais, tudo de ruim que havia no Brasil tinha a ver com a existência de um “estamento burocrático” (termo de Raymundo Faoro) que engolia todas as iniciativas virtuosas dos homens de mercado. Esse estamento, na cabeca de nossos liberais e seus seguidores, tem o poder explicativo que um “encosto” possui na Igreja Universal: ela está em toda parte onde o mal se manifesta.
A falsa dicotomia entre mercado e Estado busca esconder que o mercado é sempre fruto da política, que não funciona sem que seja criado por uma vontade parcial que se impõe sobre as outras, vontade essa que, se vista em seu lastro histórico, sempre vai derivar de um acordo dos vencedores para instaurar a competição. Mercados são áreas de competição, cooperação e consensos valorativos que nunca puderam prescindir de uma ordem social e política. A legalidade quase natural que o neoliberalismo pretende atribuir ao mercado historicamente existente esconde que a competição permitida e percebida como justa é feita por competidores herdeiros do poder, que foram favorecidos por políticas estatais sem as quais a ordem vigente da competição não existira em lugar algum.
O liberalismo econômico é uma intervenção política que usa o Estado para fomentar a competição consentida entre si pelos vencedores e esconde todo o esforço político que precisa para ser o que é. Esconder sua ideologia, torná-la espontânea, é o que faz a política do mercado para que este seja percebido como envolvido por nenhuma política.
A crise do “fim das ideologias” traz à esquerda vários desafios, tanto práticos como teóricos. Do ponto de vista teórico, parece fundamental que a esquerda se lance numa discussão sobre o mercado, seu status na História e suas possibilidades evolutivas. O que não pode é a esquerda usar as mesmas armas em sentido contrário, como se bastasse denunciar os esquemas neoliberais de controle do Estado como “patrimonialismo de direita”. Patrimonialismo é um termo do senso comum erudito que serve para mascarar os conflitos sociais entre classes e todo tipo de privilégio que atravessam mercado e Estado. Se os fatos parecem mostrar que o mercado não é o contrário de Estado e muito menos o contrário de política e todas as incertezas e mazelas que associamos à esta em meio à hegemonia de sua demonização, como definir então o mercado? Demonstrando a mentira liberal, sobra algo de positivo no mercado que a esquerda poderia ou deveria incluir em suas proposições? Em que medida o mercado se associa à democracia?.
Me parece que uma vertente muito promissora para essa questão é a chamada “nova sociologia econômica”. O que também nao é nenhum um pouco positivo é o revanchismo preguiçoso de alguns que acreditam num mero retorno à Marx como caminho suficiente para uma crítica radical ao capitalismo. No momento em que ninguém pode mais esconder a necessidade de política para restabelecer a ordem dos mercados, nada me parece mais oportuno do que alargar os termos do debate para que a pobreza intelectual que interessa à direita (imagine que hoje Reinaldo de Azevedo e FHC tem igual importância para DEM e PSDB!) não seja mantida com a pretensão de parte da esquerda que acha poder enfrentar o dogmatismo neoliberal sem atualizar Marx.
Nenhum comentário:
Postar um comentário