terça-feira, 3 de março de 2009

Reforma agrária e MST

Reforma agrária e MST


Todo mundo era retirante, migrante de outras áreas do país já castigadas pelo latifúndio. Todos vinham com seus oito ou dez filhos descendo do Norte e Nordeste, procurando as terras gerais sem dono... Foi mais ou menos assim que Dom Pedro Casaldáliga começou a me contar sua história na prelazia de São Felix, em Mato Grosso. Na década de 70, em plena ditadura militar, ele enviara um documento à CNBB no qual denunciava a violência e o trabalho escravo naqueles confins brasileiros. Por essas e outras, transformara-se num "perigoso subversivo" controlado pela polícia federal e ameaçado de morte pelos "donos" da região.

O fato é que Casaldáliga tinha razão. Havia terra pra dedéu. Os retirantes entravam na mata, derrubavam, roçavam e iniciavam sua plantação de subsistência. De repente surgiam os jagunços do grileiro avisando que aquela terra tinha dono. Humilhavam os posseiros, destruíam casebres e roçados tocando fogo em tudo. Não havia nenhuma infra-estrutura administrativa, nenhuma organização trabalhista, nenhuma fiscalização. Restava aos retirantes recomeçar tudo mais adiante, para tudo se repetir de novo.

A Igreja, através da Comissão Pastoral da Terra (CPT), resolveu dar apoio aos trabalhadores rurais. Muitos religiosos se sobressaíram nesse trabalho, entre eles o padre Ricardo Rezende, autor de um livro impressionante: "Pisando fora da própria sombra - A escravidão por dívida no Brasil contemporâneo".

Após muitos anos de conflitos e assassinatos no campo, um acontecimento inédito marcou a história do universo rural brasileiro: o lançamento do primeiro Plano Nacional da Reforma Agrária (PNRA). Em 1985, em Brasília. Já na Nova República, com Sarney na presidência.

Naquela ocasião, a reforma agrária ainda era uma espécie de bicho-papão e o PNRA foi apresentado triunfalmente por Sarney na abertura do 4º Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais como uma questão econômica e não política ou ideológica. Quer dizer, tratava-se de uma solução democrática para o problema agrário brasileiro; nada a ver com comunismo ou solução socialista.

No governo Lula, foi criado o segundo PNRA. Lançado em Brasília durante a Conferência da Terra, em novembro de 2003. Este se propõe a uma visão ampliada de reforma agrária. Reconhece a diversidade de segmentos sociais no meio rural, prevê ações de promoção da igualdade de gênero, garantia dos direitos das comunidades tradicionais e ações voltadas para as populações ribeirinhas e aquelas atingidas por barragens e grandes obras de infra-estrutura. E evidencia que o meio rural brasileiro precisa se tornar definitivamente um espaço de paz, produção e justiça social. Ou seja, a reforma agrária de Lula é "uma ação estruturante, geradora de trabalho, renda e produção de alimentos, portanto, fundamental para o desenvolvimento sustentável da nação".

E aí? Aí que agora, em Sarandi, em 24 de janeiro deste ano, o MST divulgou a Carta do 13º Encontro Nacional em comemoração aos 25 anos do movimento. Nela, reafirma a disposição de continuar "a luta contra o latifúndio, o agronegócio, o capital, a dominação do Estado burguês e o imperialismo". Reafirma também a solidariedade internacional e o apoio ao "povo afegão, cubano, haitiano, iraquiano e palestino".

Parece-me que a reforma agrária deixou de ser prioridade para o MST. O conteúdo da carta deixa claro seu desejo de fazer alianças com as organizações e movimentos populares e políticos dispostos a acabar com qualquer capitalismo deste planeta. O objetivo é a construção de "uma sociedade igualitária e livre - uma sociedade socialista". Sim...

Houve um tempo em que eu era uma defensora apaixonada do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Até entender que sua razão existencial passou a ser a luta em si. Os atuais militantes do MST não admitem que as pessoas pensem diferente deles; pior, imaginam que isso acontece por ódio.

Ateneia Feijó é jornalista e escritora. Trabalhou nos principais jornais e revistas do país - entre eles a extinta Manchete, o Jornal do Brasil e o Correio Braziliense

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