Escrito por Paulo Passarinho
12-Mar-2009
Desde o início dos sintomas mais agudos da crise econômica global – em setembro do ano passado, agravando um quadro que já se notava, desde o segundo semestre de 2007, como de extrema gravidade – temos defendido que a história abre uma oportunidade para Lula rever as opções de política econômica, adotadas desde o início de seu governo, em 2003.
Afinal, se por uma tosca noção de governabilidade o presidente eleito em 2002 optou por manter os pilares da política macroeconômica de FHC do seu segundo mandato, e entregou a direção do Banco Central a um executivo de um banco estrangeiro credor do Brasil, além de deputado federal eleito pelo PSDB, a partir da falência espetacular do sistema financeiro internacional tudo poderia favorecer as alternativas de mudanças.
Ao contrário, o que assistimos foram sucessivas declarações de Lula e de seus ministros afirmando que a crise era externa, a economia brasileira encontrava-se blindada a quaisquer abalos vindos de fora, e que o grande cacife que dispúnhamos para a manutenção das taxas de crescimento era a nossa economia interna, o crescente consumo das famílias e o "novo" papel do Estado, embalado pela virtude indutora ao desenvolvimento propiciado pelo PAC.
De fato, a partir de 2004, o Brasil havia voltado a crescer em termos médios a taxas um pouco mais elevadas que aquelas obtidas no período de governo de FHC. Além disso, de 2004 a 2008 experimentamos cinco anos de taxas de crescimento econômico positivas e maiores que o crescimento populacional, fato que não ocorria desde os anos 70.
Contudo, esses resultados estão inteiramente relacionados a uma conjuntura externa extremamente favorável, caracterizada pela expansão do comércio internacional – que nos favoreceu, como exportadores de commodities agrícolas e minerais – e pela extrema liquidez do sistema financeiro internacional – que ajudava ao menos as grandes empresas a obterem financiamento externo, compensando a indecente taxa de juros interna.
Tivemos, desse modo, mesmo com a manutenção da política econômica de FHC, efeitos diferentes no ambiente econômico. A partir de 2003, passamos a ter superávits em nossas transações correntes com o exterior, resultado que justamente só voltou a se reverter agora, em 2008. Saindo de um déficit em conta corrente de US$ 7,6 bilhões em 2002, chegamos a um saldo positivo de US$ 14 bilhões em 2005.
Entretanto, e sofrendo as conseqüências da abertura comercial do país e da acentuada valorização do real, o crescimento das importações fez com que, a partir de 2006, este saldo iniciasse uma redução que acabou por diminuí-lo para apenas US$ 1,7 bilhão em 2007 e nos levasse a um déficit de US$ 28,3 bilhões agora em 2008, já em uma nova conjuntura externa, com os preços dos produtos exportados pelo país, e suas quantidades, em franco declínio.
Foram essas condições externas, portanto, que determinaram a melhoria do quadro que nos levou a um maior crescimento interno, e são justamente essas condições que agora abortam tais resultados.
Cumpre destacar, também, que mesmo melhorando as taxas de crescimento da economia, o que obtivemos foi muito pouco. Crescemos menos do que o conjunto da economia mundial, e, de forma expressiva, muito menos do que os países em desenvolvimento. De acordo com dados elaborados pelo professor Reinaldo Gonçalves, com base em informações do FMI, de 2003 a 2008 o Brasil cresceu a uma média anual de 4,1%, enquanto o mundo cresceu a uma taxa média de 4,4%.
Por outro lado, países considerados em desenvolvimento experimentaram nesse mesmo período taxas médias de crescimento acima de 8%. Ao mesmo tempo, por força dessa discrepância entre o ritmo da economia mundial e o crescimento da economia brasileira, a participação do Brasil no PIB mundial, entre 2003 e 2008, de 2,84%, diminuiu em relação ao resultado calculado para os anos do governo FHC – o pior de nossa história –, que foi de 3,04%.
E, aqui, ficamos somente nos estreitos limites da análise voltada apenas para o exame das taxas de crescimento econômico, sem atentar para questões mais relevantes, que nos apontam para o tipo e a qualidade do desenvolvimento que estamos obtendo, se é que assim podemos chamá-lo.
A rigor, nesse período, sacrificamos, ou melhor, deformamos ainda mais o que vem sendo chamado de desenvolvimento. O agronegócio, forçando a liberalização dos transgênicos e a devastação ambiental; os bancos e o sistema financeiro em geral dando as cartas no Banco Central; os aparatos públicos dos sistemas de saúde e educação em péssimas condições de infra-estrutura e de trabalho para os seus profissionais; o fortalecimento político dos setores mais atrasados e retrógrados do país, como Sarney e seus aliados, por se colocarem como parceiros do atual governo; a paralisia do programa de reforma agrária e a crescente tentativa de isolamento e criminalização dos movimentos sociais que a denunciam; ou a proposta de ampliação e perpetuação das gritantes injustiças da estrutura tributária. São apenas alguns exemplos do preço que temos pagado pela opção de Lula.
Com os resultados recém divulgados sobre o comportamento do PIB no último trimestre de 2008, com a queda de 3,6% em relação ao trimestre anterior, combinado com o dado do IBGE sobre o recuo de 17,2% na produção industrial em janeiro, na comparação com o mesmo mês do ano passado, fica mais do que claro que o rumo do país vai muito mal.
O emprego e as políticas públicas voltadas para a população vão se comprometer, ainda mais, e fortes turbulências irão crescentemente apimentar a disputa política, especialmente em torno da disputa eleitoral de 2010. Os tucanos, com as candidaturas de Serra e Aécio, e a voracidade do PMDB em sua "aliança" com Lula irão complicar ainda mais as nossas perspectivas de futuro.
E todo esse quadro se agrava sobremaneira com o saldo que esses anos de Lula nos deixa, especialmente em relação à esquerda brasileira. Na sua maior parte inteiramente vinculada, comprometida e desmoralizada pela adesão ao lulismo, e, na oposição, uma pequena e combativa esquerda que resiste, mas que sofre dos descaminhos trilhados pelo país sob a batuta do ex-operário.
Paulo Passarinho, economista, é presidente do Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro.
12-Mar-2009
Desde o início dos sintomas mais agudos da crise econômica global – em setembro do ano passado, agravando um quadro que já se notava, desde o segundo semestre de 2007, como de extrema gravidade – temos defendido que a história abre uma oportunidade para Lula rever as opções de política econômica, adotadas desde o início de seu governo, em 2003.
Afinal, se por uma tosca noção de governabilidade o presidente eleito em 2002 optou por manter os pilares da política macroeconômica de FHC do seu segundo mandato, e entregou a direção do Banco Central a um executivo de um banco estrangeiro credor do Brasil, além de deputado federal eleito pelo PSDB, a partir da falência espetacular do sistema financeiro internacional tudo poderia favorecer as alternativas de mudanças.
Ao contrário, o que assistimos foram sucessivas declarações de Lula e de seus ministros afirmando que a crise era externa, a economia brasileira encontrava-se blindada a quaisquer abalos vindos de fora, e que o grande cacife que dispúnhamos para a manutenção das taxas de crescimento era a nossa economia interna, o crescente consumo das famílias e o "novo" papel do Estado, embalado pela virtude indutora ao desenvolvimento propiciado pelo PAC.
De fato, a partir de 2004, o Brasil havia voltado a crescer em termos médios a taxas um pouco mais elevadas que aquelas obtidas no período de governo de FHC. Além disso, de 2004 a 2008 experimentamos cinco anos de taxas de crescimento econômico positivas e maiores que o crescimento populacional, fato que não ocorria desde os anos 70.
Contudo, esses resultados estão inteiramente relacionados a uma conjuntura externa extremamente favorável, caracterizada pela expansão do comércio internacional – que nos favoreceu, como exportadores de commodities agrícolas e minerais – e pela extrema liquidez do sistema financeiro internacional – que ajudava ao menos as grandes empresas a obterem financiamento externo, compensando a indecente taxa de juros interna.
Tivemos, desse modo, mesmo com a manutenção da política econômica de FHC, efeitos diferentes no ambiente econômico. A partir de 2003, passamos a ter superávits em nossas transações correntes com o exterior, resultado que justamente só voltou a se reverter agora, em 2008. Saindo de um déficit em conta corrente de US$ 7,6 bilhões em 2002, chegamos a um saldo positivo de US$ 14 bilhões em 2005.
Entretanto, e sofrendo as conseqüências da abertura comercial do país e da acentuada valorização do real, o crescimento das importações fez com que, a partir de 2006, este saldo iniciasse uma redução que acabou por diminuí-lo para apenas US$ 1,7 bilhão em 2007 e nos levasse a um déficit de US$ 28,3 bilhões agora em 2008, já em uma nova conjuntura externa, com os preços dos produtos exportados pelo país, e suas quantidades, em franco declínio.
Foram essas condições externas, portanto, que determinaram a melhoria do quadro que nos levou a um maior crescimento interno, e são justamente essas condições que agora abortam tais resultados.
Cumpre destacar, também, que mesmo melhorando as taxas de crescimento da economia, o que obtivemos foi muito pouco. Crescemos menos do que o conjunto da economia mundial, e, de forma expressiva, muito menos do que os países em desenvolvimento. De acordo com dados elaborados pelo professor Reinaldo Gonçalves, com base em informações do FMI, de 2003 a 2008 o Brasil cresceu a uma média anual de 4,1%, enquanto o mundo cresceu a uma taxa média de 4,4%.
Por outro lado, países considerados em desenvolvimento experimentaram nesse mesmo período taxas médias de crescimento acima de 8%. Ao mesmo tempo, por força dessa discrepância entre o ritmo da economia mundial e o crescimento da economia brasileira, a participação do Brasil no PIB mundial, entre 2003 e 2008, de 2,84%, diminuiu em relação ao resultado calculado para os anos do governo FHC – o pior de nossa história –, que foi de 3,04%.
E, aqui, ficamos somente nos estreitos limites da análise voltada apenas para o exame das taxas de crescimento econômico, sem atentar para questões mais relevantes, que nos apontam para o tipo e a qualidade do desenvolvimento que estamos obtendo, se é que assim podemos chamá-lo.
A rigor, nesse período, sacrificamos, ou melhor, deformamos ainda mais o que vem sendo chamado de desenvolvimento. O agronegócio, forçando a liberalização dos transgênicos e a devastação ambiental; os bancos e o sistema financeiro em geral dando as cartas no Banco Central; os aparatos públicos dos sistemas de saúde e educação em péssimas condições de infra-estrutura e de trabalho para os seus profissionais; o fortalecimento político dos setores mais atrasados e retrógrados do país, como Sarney e seus aliados, por se colocarem como parceiros do atual governo; a paralisia do programa de reforma agrária e a crescente tentativa de isolamento e criminalização dos movimentos sociais que a denunciam; ou a proposta de ampliação e perpetuação das gritantes injustiças da estrutura tributária. São apenas alguns exemplos do preço que temos pagado pela opção de Lula.
Com os resultados recém divulgados sobre o comportamento do PIB no último trimestre de 2008, com a queda de 3,6% em relação ao trimestre anterior, combinado com o dado do IBGE sobre o recuo de 17,2% na produção industrial em janeiro, na comparação com o mesmo mês do ano passado, fica mais do que claro que o rumo do país vai muito mal.
O emprego e as políticas públicas voltadas para a população vão se comprometer, ainda mais, e fortes turbulências irão crescentemente apimentar a disputa política, especialmente em torno da disputa eleitoral de 2010. Os tucanos, com as candidaturas de Serra e Aécio, e a voracidade do PMDB em sua "aliança" com Lula irão complicar ainda mais as nossas perspectivas de futuro.
E todo esse quadro se agrava sobremaneira com o saldo que esses anos de Lula nos deixa, especialmente em relação à esquerda brasileira. Na sua maior parte inteiramente vinculada, comprometida e desmoralizada pela adesão ao lulismo, e, na oposição, uma pequena e combativa esquerda que resiste, mas que sofre dos descaminhos trilhados pelo país sob a batuta do ex-operário.
Paulo Passarinho, economista, é presidente do Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro.
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