Chegou às livrarias um livro do autor espanhol Ramón Nieto sobre o ofício de escrever.
O seu grande mérito é reunir em profusão exemplos da vida de escritores de todos os tempos e do mundo todo (puxando um pouco a brasa para os espanhóis, naturalmente) — exemplos que nos fazem pensar nessa tarefa de escrever como um ingrediente essencial para a vida.
Os seres que escrevem são pessoas normais. Ou nem tanto. Porque o escritor, queiramos ou não, é um ser que se diferencia. Ou talvez seja um ser excessivamente normal, porque exercita as características que fazem do ser humano o animal por definição extraterrestre: imaginação, sonho, sensibilidade, poder verbal etc.
É fascinante comparar as reações e idiossincrasias dos diferentes escritores.
Kafka, por exemplo, sonhava poder escrever sozinho, nos porões quase escuros de um prédio imenso, apenas ele, a mesa, os papéis, e que de vez em quando uma mulher entrasse, deixasse um pouco de comida, e fosse embora.
Já Dr. Samuel Johnson afirmava poder escrever em qualquer momento e lugar, concentrando-se no tema, dedicando-se ao texto sem que nada pudesse importuná-lo.
Estes seres que escrevem é que dão às palavras o tempero necessário para continuarmos a falar e pensar com interesse e prazer. São seres muitas vezes atribulados por problemas econômicos ou existenciais. Os seres que escrevem escrevem com sangue.
Há passagens instigantes neste livro sobre o tipo de leitor imaginado pelos escritores, ou o que os autores pretendem com seus escritos. Para quem se escreve? Para que se escreve? Para obter o sucesso?
O sucesso está no texto bem escrito que, mais cedo ou mais tarde — infelizmente, tarde demais, no caso de escritores que morrem na miséria porque seu tempo não o compreendeu —, gera os imprescindíveis leitores.
Certo, temos aí a questão dos best-sellers, mas até eles contribuem para as letras. A literatura, mesmo inútil, tem a utilidade de despertar-nos para as irrealidades, este outro lado do cotidiano. As irrealidades transformam o real em algo maravilhoso.
Os seres que escrevem não são mais humanos do que ninguém.
Não são melhores ou piores do que ninguém.
O que os torna especiais então? Aquilo que Sartre intuía — que o escritor, "fazendo strip-tease de si mesmo", termina dizendo a verdade, mesmo sem ter disso consciência.
O ofício de escrever, Editora Angra, 2001, 158 páginas.
Gabriel Perissé é autor dos livros LER, PENSAR E ESCREVER e O LEITOR CRIATIVO
O seu grande mérito é reunir em profusão exemplos da vida de escritores de todos os tempos e do mundo todo (puxando um pouco a brasa para os espanhóis, naturalmente) — exemplos que nos fazem pensar nessa tarefa de escrever como um ingrediente essencial para a vida.
Os seres que escrevem são pessoas normais. Ou nem tanto. Porque o escritor, queiramos ou não, é um ser que se diferencia. Ou talvez seja um ser excessivamente normal, porque exercita as características que fazem do ser humano o animal por definição extraterrestre: imaginação, sonho, sensibilidade, poder verbal etc.
É fascinante comparar as reações e idiossincrasias dos diferentes escritores.
Kafka, por exemplo, sonhava poder escrever sozinho, nos porões quase escuros de um prédio imenso, apenas ele, a mesa, os papéis, e que de vez em quando uma mulher entrasse, deixasse um pouco de comida, e fosse embora.
Já Dr. Samuel Johnson afirmava poder escrever em qualquer momento e lugar, concentrando-se no tema, dedicando-se ao texto sem que nada pudesse importuná-lo.
Estes seres que escrevem é que dão às palavras o tempero necessário para continuarmos a falar e pensar com interesse e prazer. São seres muitas vezes atribulados por problemas econômicos ou existenciais. Os seres que escrevem escrevem com sangue.
Há passagens instigantes neste livro sobre o tipo de leitor imaginado pelos escritores, ou o que os autores pretendem com seus escritos. Para quem se escreve? Para que se escreve? Para obter o sucesso?
O sucesso está no texto bem escrito que, mais cedo ou mais tarde — infelizmente, tarde demais, no caso de escritores que morrem na miséria porque seu tempo não o compreendeu —, gera os imprescindíveis leitores.
Certo, temos aí a questão dos best-sellers, mas até eles contribuem para as letras. A literatura, mesmo inútil, tem a utilidade de despertar-nos para as irrealidades, este outro lado do cotidiano. As irrealidades transformam o real em algo maravilhoso.
Os seres que escrevem não são mais humanos do que ninguém.
Não são melhores ou piores do que ninguém.
O que os torna especiais então? Aquilo que Sartre intuía — que o escritor, "fazendo strip-tease de si mesmo", termina dizendo a verdade, mesmo sem ter disso consciência.
O ofício de escrever, Editora Angra, 2001, 158 páginas.
Gabriel Perissé é autor dos livros LER, PENSAR E ESCREVER e O LEITOR CRIATIVO
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