DO BLOG DO ALON:
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Tropa de Elite é um filme espetacular. É um Vidas Secas do Brasil urbano. Como na obra de Graciliano Ramos, transportada para o cinema por Nelson Pereira dos Santos, a vida dos personagens não tem progressão real. São, literalmente, vidas secas, só que desta vez no asfalto e no morro do Rio de Janeiro da virada do século. Os personagens de Tropa de Elite são somente peças de um mecanismo, que sobrevive para garantir o conforto e o vício da classe dominante. No Brasil rural de Vidas Secas, ela se confundia com uma oligarquia insensível e desumana. No filme de José Padilha, assume os ares de uma burguesia e uma classe média drogadas e filantrópicas. Trata-se de um ecossistema. Há os playboys que consomem a droga. Há os traficantes que garantem o abastecimento da droga para os playboys. E há o BOPE (tropa de elite da Polícia Militar), que entra em ação quando transborda a violência gerada por essa parceria, quando os playboys são vítimas da brutalidade do mecanismo. Ou quando a sociedade "da paz" sente-se ameaçada pelo monstro que cultiva ao lado de casa. No meio dessa fauna, ninguém está nem aí para a pergunta que faz num dos primeiros episódios do filme o capitão Nascimento, do BOPE (na foto de cima, reproduzida do cartaz promocional do filme, o personagem em ação na pele de Wagner Moura; se o filme fosse americano, Wagner seria fortíssimo candidato ao Oscar de melhor ator),:
"Eu sempre me pergunto: quantas crianças a gente tem que perder para o tráfico só para um playboy rolar um baseado?"
A classe dominante já achou uma resposta a essa indagação fundamental. Propõe legalizar o câncer da droga. Legalizar o hábito que destrói nossos jovens. Eu penso ao contrário. Que além de radicalizar no combate ao consumo da droga deveríamos ter uma estratégia para reduzir radicalmente a apologia do consumo de álcool. Do jeitinho que vem sendo feito com o fumo. Meu ponto de vista está no post Os financiadores do terror, de janeiro:
O crime está presente em todo o território nacional, mas é mais agudo e mais violento nas regiões metropolitanas. Na sua configuração atual, o crime está indexado ao tráfico de drogas. E só se traficam drogas onde existe mercado. Então, para combater o crime na sua versão mais moderna (a criminalidade terrorista), o melhor a fazer é achar um jeito de travar a guerra total ao tráfico de drogas. Aí aparece um problema: não há como combater radicalmente o tráfico de drogas sem atacar o mercado de consumo da droga. O terreno para que prosperem o crime e o terrorismo no Brasil vem sendo adubado pela tolerância ao consumo das drogas. Você, que além de desfilar de branco pedindo paz também gosta de consumir sua droga na intimidade, é o principal financiador da barbárie que ameaça os seus entes queridos.
Tropa de Elite mata (literalmente) a pau quando expõe, sem limites politicamente corretos, a anatomia e a fisiologia de uma sociedade cínica e doente, que se recusa a encarar a própria doença. Estão ali, desenhadas, as organizações não-governamentais que articulam a classe dominante e o crime, por meio da droga e da filantropia -esta patrocinada pelo sistema político-empresarial. Está ali, retratada, uma polícia corrupta. Está ali, maravilhosamente exposto, como uma caricatura sem sê-la, o arcabouço supostamente intelectual que serve de alucinógeno "literário" a quem deseja viver mergulhado nessa podridão sem carregar culpa. E ainda por cima vomitando Foucault. Está tudo ali, em fatos. Irrespondível. Fatos são irrespondíveis. Bem, eu já estava disposto a escrever sobre Tropa de Elite quando li a reportagem de capa da revista Veja sobre Ernesto "Che" Guevara. Além da habitual catilinária anticomunista, a Veja desceu a lenha no Che (na foto de baixo, a imagem clássica dele) principalmente porque o argentino 1) teria dado sinais de fraqueza diante da morte iminente, 2) teria sido um mau ministro da Indústria e 3) teria sido um executor frio e sanguinário dos adversários políticos da sua revolução. A violência liga os dois assuntos, Tropa de Elite e o texto sobre o Che. Comento rapidamente os pontos de crítica da Veja. No ponto 1, não enxergo muita valentia em tripudiar sobre alguém que supostamente deu sinais de fraqueza diante da morte inevitável. Do mesmo modo que não vejo coragem em fazer ironia com o eventual (mau) comportamento de quem esteve submetido a tortura. Não cabe a nós, mortais, julgar o limite do sofrimento suportado por nossos semelhantes. Tem algo de antihumana a arrogância de quem se coloca de um ponto de observação "superior" para fazer o juízo do comportamento de alguém prestes a ser privado da vida. Ou para fazer o juízo de alguém submetido à humilhação de implorar a seu algoz que interrompa seu sofrimento. Sobre o ponto 2, eu consideraria mais as críticas à suposta incompetência do Che ministro se fosse hábito dos críticos de Che julgar unicamente pela competência. No Brasil, por exemplo, os responsáveis por todos os desastres econômicos dos anos 60 para cá são tratados nos círculos dominantes como sábios, são ouvidos e respeitados como sumidades. Escrevem artigos de destaque em jornais e revistas e são figuras permanentes nas entrevistas de rádio e televisão. Enquanto isso, o governo atual, que conduziu o país à melhor situação econômica da nossa História, é tratado como um bando de incompetentes e trapalhões -na versão benigna da crítica. Por isso é que eu vejo o ponto 2 com reservas. Quanto ao ponto 3, diferentemente do que pretende a reportagem da Veja, Ernesto "Che" Guevara não virou mito porque a propaganda o despiu dos seus prováveis muitos defeitos. O Che virou mito porque sobreviveu e sobreviverá como símbolo da luta por mais justiça. Infelizmente, a direita sul-americana não tem um símbolo para contrapor ao Che. E dizer, como diz a revista, que Che foi um executor frio e sanguinário, nem faz cosquinha na imagem do argentino. O fato é que as pessoas talvez estejam dispostas a agüentar executores sanguinários e frios, se a ação deles for para "o bem". Não é isso, por sinal, que nos vendem todos os dias na política? Dia após dia justifica-se o assassinato "branco" de políticos em nome do "bem". Ou da "ética". Por essas e outras é que o capitão Nascimento é o novo herói brasileiro. Quando você vir o filme, você entenderá. Eu não vi, acredite em mim, mas quem viu me contou tudinho.
Tropa de Elite é um filme espetacular. É um Vidas Secas do Brasil urbano. Como na obra de Graciliano Ramos, transportada para o cinema por Nelson Pereira dos Santos, a vida dos personagens não tem progressão real. São, literalmente, vidas secas, só que desta vez no asfalto e no morro do Rio de Janeiro da virada do século. Os personagens de Tropa de Elite são somente peças de um mecanismo, que sobrevive para garantir o conforto e o vício da classe dominante. No Brasil rural de Vidas Secas, ela se confundia com uma oligarquia insensível e desumana. No filme de José Padilha, assume os ares de uma burguesia e uma classe média drogadas e filantrópicas. Trata-se de um ecossistema. Há os playboys que consomem a droga. Há os traficantes que garantem o abastecimento da droga para os playboys. E há o BOPE (tropa de elite da Polícia Militar), que entra em ação quando transborda a violência gerada por essa parceria, quando os playboys são vítimas da brutalidade do mecanismo. Ou quando a sociedade "da paz" sente-se ameaçada pelo monstro que cultiva ao lado de casa. No meio dessa fauna, ninguém está nem aí para a pergunta que faz num dos primeiros episódios do filme o capitão Nascimento, do BOPE (na foto de cima, reproduzida do cartaz promocional do filme, o personagem em ação na pele de Wagner Moura; se o filme fosse americano, Wagner seria fortíssimo candidato ao Oscar de melhor ator),:
"Eu sempre me pergunto: quantas crianças a gente tem que perder para o tráfico só para um playboy rolar um baseado?"
A classe dominante já achou uma resposta a essa indagação fundamental. Propõe legalizar o câncer da droga. Legalizar o hábito que destrói nossos jovens. Eu penso ao contrário. Que além de radicalizar no combate ao consumo da droga deveríamos ter uma estratégia para reduzir radicalmente a apologia do consumo de álcool. Do jeitinho que vem sendo feito com o fumo. Meu ponto de vista está no post Os financiadores do terror, de janeiro:
O crime está presente em todo o território nacional, mas é mais agudo e mais violento nas regiões metropolitanas. Na sua configuração atual, o crime está indexado ao tráfico de drogas. E só se traficam drogas onde existe mercado. Então, para combater o crime na sua versão mais moderna (a criminalidade terrorista), o melhor a fazer é achar um jeito de travar a guerra total ao tráfico de drogas. Aí aparece um problema: não há como combater radicalmente o tráfico de drogas sem atacar o mercado de consumo da droga. O terreno para que prosperem o crime e o terrorismo no Brasil vem sendo adubado pela tolerância ao consumo das drogas. Você, que além de desfilar de branco pedindo paz também gosta de consumir sua droga na intimidade, é o principal financiador da barbárie que ameaça os seus entes queridos.
Tropa de Elite mata (literalmente) a pau quando expõe, sem limites politicamente corretos, a anatomia e a fisiologia de uma sociedade cínica e doente, que se recusa a encarar a própria doença. Estão ali, desenhadas, as organizações não-governamentais que articulam a classe dominante e o crime, por meio da droga e da filantropia -esta patrocinada pelo sistema político-empresarial. Está ali, retratada, uma polícia corrupta. Está ali, maravilhosamente exposto, como uma caricatura sem sê-la, o arcabouço supostamente intelectual que serve de alucinógeno "literário" a quem deseja viver mergulhado nessa podridão sem carregar culpa. E ainda por cima vomitando Foucault. Está tudo ali, em fatos. Irrespondível. Fatos são irrespondíveis. Bem, eu já estava disposto a escrever sobre Tropa de Elite quando li a reportagem de capa da revista Veja sobre Ernesto "Che" Guevara. Além da habitual catilinária anticomunista, a Veja desceu a lenha no Che (na foto de baixo, a imagem clássica dele) principalmente porque o argentino 1) teria dado sinais de fraqueza diante da morte iminente, 2) teria sido um mau ministro da Indústria e 3) teria sido um executor frio e sanguinário dos adversários políticos da sua revolução. A violência liga os dois assuntos, Tropa de Elite e o texto sobre o Che. Comento rapidamente os pontos de crítica da Veja. No ponto 1, não enxergo muita valentia em tripudiar sobre alguém que supostamente deu sinais de fraqueza diante da morte inevitável. Do mesmo modo que não vejo coragem em fazer ironia com o eventual (mau) comportamento de quem esteve submetido a tortura. Não cabe a nós, mortais, julgar o limite do sofrimento suportado por nossos semelhantes. Tem algo de antihumana a arrogância de quem se coloca de um ponto de observação "superior" para fazer o juízo do comportamento de alguém prestes a ser privado da vida. Ou para fazer o juízo de alguém submetido à humilhação de implorar a seu algoz que interrompa seu sofrimento. Sobre o ponto 2, eu consideraria mais as críticas à suposta incompetência do Che ministro se fosse hábito dos críticos de Che julgar unicamente pela competência. No Brasil, por exemplo, os responsáveis por todos os desastres econômicos dos anos 60 para cá são tratados nos círculos dominantes como sábios, são ouvidos e respeitados como sumidades. Escrevem artigos de destaque em jornais e revistas e são figuras permanentes nas entrevistas de rádio e televisão. Enquanto isso, o governo atual, que conduziu o país à melhor situação econômica da nossa História, é tratado como um bando de incompetentes e trapalhões -na versão benigna da crítica. Por isso é que eu vejo o ponto 2 com reservas. Quanto ao ponto 3, diferentemente do que pretende a reportagem da Veja, Ernesto "Che" Guevara não virou mito porque a propaganda o despiu dos seus prováveis muitos defeitos. O Che virou mito porque sobreviveu e sobreviverá como símbolo da luta por mais justiça. Infelizmente, a direita sul-americana não tem um símbolo para contrapor ao Che. E dizer, como diz a revista, que Che foi um executor frio e sanguinário, nem faz cosquinha na imagem do argentino. O fato é que as pessoas talvez estejam dispostas a agüentar executores sanguinários e frios, se a ação deles for para "o bem". Não é isso, por sinal, que nos vendem todos os dias na política? Dia após dia justifica-se o assassinato "branco" de políticos em nome do "bem". Ou da "ética". Por essas e outras é que o capitão Nascimento é o novo herói brasileiro. Quando você vir o filme, você entenderá. Eu não vi, acredite em mim, mas quem viu me contou tudinho.
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