terça-feira, 20 de janeiro de 2009

SALVEM NOSSOS IDOSOS

O Rio de Janeiro é a cidade da América Latina com o maior número de idosos – 2 milhões e 200 mil ou 14% de toda a população carioca. No Brasil, os maiores de 60 anos representam 10,5% da população total, cerca de 16 milhões – 83% deles vivem nas grandes cidades. Projeções indicam que, em 2025, o Brasil ocupará o sexto lugar no ranking mundial em número de idosos, com um contigente da terceira idade da ordem de 33 milhões.

O aumento quantitativo ressente-se ainda de políticas públicas eficazes que privilegiem o idoso – pelo menos em termos qualitativos. Há uma superposição desarticulada de programas voltados para o mesmo público – idosos, na maioria das vezes, são vítimas de projetos implantados sem qualquer articulação pelos setores de educação, de assistência social e de saúde.

A própria definição de idoso para fins de proteção é controvertida. O advogado Flávio Crocce Caetano, um dos maiores especialistas no assunto, cita que a Constituição Federal menciona o limite de 65 anos – na Política Nacional do Idoso, estabelecida em 1994 (Lei 8.842) esse limite é de 60 anos, seguindo o entendimento da Organização Mundial de Saúde. Já o nosso código penal, menciona a idade de 70 anos.

O distanciamento entre a lei e a realidade dos idosos é mais evidente no Rio de Janeiro, que lidera o ranking nacional da terceira idade – a maioria desse segmento está fora da rede proteção Dentro da cidade oficial, atendidos por algum programa federal, estadual ou municipal, o número de idosos é ínfimo, embora a propaganda oficial de atendimento seja grandiosa Os asilos, mesmos os oficiais, são constantemente acusados de maus tratos aos idosos. O Abrigo Cristo Redentor, na zona norte da cidade, é emblemático. Já chegou a ter 2000 idosos asilados – hoje, são 1320. Alvo de uma CPI pela Câmara Municipal, que constatou as denúncias de maus tratos e a apropriação de cartões de débitos dos internos, a situação permanece inalterada até hoje – internos acamados, vivendo num único pavilhão mal iluminado e com pouca ventilação. Sintomático é a sugestiva placa afixada à entrada do abrigo, lembrando, na ideologia, um campo de concentração nazista: "Deixem a vida lá fora" – o idoso que lá entrar ficará até morrer.

O estatuto do idoso, saudado com fogos de artifícios, é constantemente desrespeitado, sem punição aos infratores. Uma lei estadual, no Rio de Janeiro, obriga bancos a terem uma cadeira de rodas para cada idoso atendido em seus estabelecimentos. Paga-se um almoço a quem indicar um agência carioca que tenha esse equipamento em seu interior. Sem contar que o atendimento, nos caixas, principalmente em dia de pagamentos de aposentados nunca é inferior a uma hora.

O quadro não é diferente na 1a Vara da Infância, do Adolescente e do Idoso. São 25 mil processos aguardando solução até hoje, numa prova inconteste que a velhice também não é premiada com a celeridade que esses tipo de ações demandaria. No cartório da instituição, após uma greve de mais de 60 dias dos serventuários da justiça, um funcionário, que pede anonimato, comenta com sorriso irônico. "A maior parte dos processos aqui são resolvidas no Tribunal Celestial, quando os idosos passam dessa para a melhor". Na véspera do último recesso judiciário, dezenas de idosos, a maioria amparada por amigos ou parentes – o número de cadeiras, algumas com assentos rasgados eram insuficientes para atender todo o público presente – acotovelam-se num minúscula sala, mal refrigerada, contígua a sala de audiência. Nesta, com uma refrigeração perfeita, a juiza substituta, Luciana SantosTeixeira, uma representante do ministério publico e uma escrivã eram servidas, em meio as audiências, com café, água gelada e até sucos. Lá fora, idosos que aguardavam serem chamados, alguns com doenças psicomotoras naturais da idade, clamavam por um copo d’água. Sem serem atendidos, é claro. A primeira audiência, marcada para às 13h30, começou apenas hora e meia depois.

O quadro caótico do descaso por passa a velhice em todo Brasil, inclusive em órgãos que deveriam estar prontos a propicia-lhes a dignidade assegurada em lei, tem também como componente estimulador a própria mídia – impressa e eletrônica. Nos meios de comunicação, esse grupo social é sempre retratado de forma desagradável e negativa, principalmente em relação às suas habilidades físicas, sociabilidade, personalidade e capacidade de trabalho. Na televisão, personagens idosos, nessa mídia, quando existem , sempre representam papéis de menor importância ou visibilidade. A ênfase, neste meio de comunicação, é sempre para a juventude e a beleza. Numa de fazer média com esse segmento quase invisível na televisão, embora representem a maioria dos telespectadores, o lixo eletrônico BBB 9 coloca, pela primeira vez, dois participantes com mais de 60 anos. Se serão alvos de chacotas ou piedade, só o tempo dirá. Nos comerciais, idosos também são presenças raras.

No Brasil, que deveria ser de todas as idades, o idoso é o primeiro a ser punido pelo propalado estado cidadão – a remuneração é drasticamente reduzida ao ser aposentar, no momento que mais necessitaria de um bem estar. É preciso lançar um novo olhar sobre o processo de envelhecimento dos cidadãos brasileiros. Ao traçar o perfil do idoso na América Latina e no Caribe, a Organização Pan Americana de Saúde, em estudo realizado com a Universidade de São Paulo, coloca o Brasil numa posição delicada. Fala da necessidade de ajustar as políticas públicas, primeiro para a infância e adolescência para a garantia de uma velhice com saúde e bem estar. E a professora da USP, Yeda Duarte, que participou do estudo, é mais contundente ao afirmar que, no Brasil, "o idoso é um sobrevivente". "Nosso idoso é uma massa pobre, tem baixa escolaridade e pouco poder socioeconômico, é um sobrevivente. Ele venceu as adversidades e envelheceu. Chegou lá, mas não com uma boa e digna qualidade de vida".

Salvem nossos idosos.


Antonio Castigliola é jornalista profissional e cineasta. Vive no Rio de Janeiro e seu email é acastigliola@terra.com.br

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