Coluna (Nas entrelinhas) publicada no dia 20/05/2008 no Correio Braziliense.
As pressões para que nos sujeitemos a alguma modalidade de governança imperialista na Amazônia são uma versão atualizada da Guerra do Ópio. Nela, o império britânico do Século 19, vitorioso nas Guerras Napoleônicas, impôs o consumo da droga a uma China de joelhos
Por Alon Feuerwerker
Até pouco tempo, debater a necessidade de firmar nossa soberania na Amazônia era considerado coisa de nacionalista lunático, de saudosista do Brasil Potência, de Policarpo Quaresma. Felizmente, esse tempo passou. Num mundo crescentemente ávido por energia e matérias-primas, não é mais possível subestimar ou tentar esconder a cobiça dos países desenvolvidos pelas riquezas da maior fonte planetária de recursos naturais renováveis e não-renováveis.
Infelizmente, a emergência do debate encontra-nos em situação algo parecida com a da China do Século 19, ainda que em escala menos crítica. Somos um grande país, plenamente capaz de oferecer progresso e bem-estar a sua população. Desde que decidamos usar para valer nossas potencialidades, de modo sustentado e sustentável. Permanecemos porém algo travados, por causa da sujeição da nossa elite política e intelectual a uma “agenda global” que de global não tem nada, pois reflete principalmente o desejo de manter um statu quo em que poucos países tomam para si a parte do leão do processo civilizatório.
As pressões para que nos sujeitemos a alguma modalidade de governança imperialista na Amazônia são uma versão atualizada da Guerra do Ópio, episódio em que o Império Britânico do Século 19, vitorioso nas Guerras Napoleônicas, impôs a uma China de joelhos o consumo da droga e a capitulação colonial, no âmbito da estratégia voltada a combater o protecionismo e impor a abertura dos mercados chineses. Parece familiar?
Todos os estudos sobre o aquecimento global coincidem no diagnóstico de que não será possível manter ambientalmente um planeta no qual os pobres, sejam pessoas ou países, atinjam o atual patamar de dispêndio material e energético dos ricos. O consenso acaba aí. A proposta dos ricos é que os pobres desacelerem o seu próprio consumo para ajudar a salvar a biosfera. Já para os pobres parece bem mais razoável que os ricos abram mão em parte do consumismo deles. Politicamente, é uma divergência insolúvel. E diferenças políticas que não podem ser resolvidas na base da conversa, ou da institucionalidade, acabam sendo decididas é no braço mesmo.
A cisão planetária ficou ainda mais nítida quando às ameaças ambientais de médio e longo prazo provocadas pela emissão de gases do efeito estufa somaram-se os riscos de curtíssimo prazo do agravamento da insegurança alimentar dos mais pobres, via inflação. Como a oferta mundial de comida não acompanha a explosão da demanda nos países emergentes, e como os Estados Unidos decidiram enveredar pela produção de etanol extraído do milho, os preços dos alimentos sobem firme e consistentemente.
Cada um responde a seu modo à crise alimentar. Para os ricos, novamente, a solução está em conter o consumo. Já para os candidatos a entrar no mercado e na civilização trata-se de aumentar a oferta. Vê-se portanto que não há uma agenda global, mas duas. E a disputa pelo futuro da Amazônia sintetiza e simboliza a queda de braço. Os ricos, com argumentos ambientais, resistem a que ela seja economicamente explorada em benefício dos pobres. Já para estes trata-se de descobrir como a Amazônia poderá, de modo ambientalmente responsável, contribuir para melhorar a vida de quem está hoje à margem dos padrões de vida do mundo desenvolvido.
Europeus e americanos querem que ocupemos nossas melhores terras com a cana-de-açúcar para produzir um etanol que ajude a diminuir a dependência deles da gasolina importada. Questionar o modelo de um carro por habitante? Nem pensar. Querem também a contenção da nossa fronteira agrícola, para que nossas plantas nativas, disciplinadamente e para todo o sempre, fixem o gás carbônico lançado na atmosfera pelas sociedades de bem-estar. No meio do sanduíche, o lobby do álcool martela o argumento pretensamente tranquilizador de que há terras sobrando para produzir ao mesmo tempo todo o biocombustível de que precisam os ricos e toda a comida demandada pelos pobres.
Como nem mesmo eles acreditam nisso, nota-se aqui e ali a escalada militar dos Estados Unidos na nossa região. Para agravar a cobiça, tudo indica que o Brasil emergirá neste século como um megaprodutor de petróleo. Daí por que os militares reajam com nervosismo às pressões autonomistas das nações indígenas na fronteira norte. Todas as peças se encaixam.
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