Desde 2005, quando nasceu a minha única filha, Maria Clara, comecei a pensar mais seriamente sobre o planeta que a minha geração está construindo para os nossos filhos e filhas. Não faço a menor idéia de como será o mundo em 2047, quando a Clarinha tiver os mesmos 42 anos que tenho hoje, mas tudo indica que vamos deixar para essas crianças uma Terra muito distinta daquela que encontramos quando nascemos. E não fazemos tudo que é possível para que seja uma Terra melhor.
Assim, a cada ano no Dia do Meio Ambiente, vem uma culpa enorme pelo fato de a minha geração não ter conseguido sequer encaminhar a solução para problemas chave para o planeta. De mudanças no clima à introdução de seres transgênicos na agricultura e na alimentação, passando pela perda acelerada e irreparável de diversidade biológica e a contaminação irreversível da maioria dos recursos hídricos de superfície. Tudo nos leva a dimensões da existência que nunca experimentamos antes.
Aqui no Brasil também colaboramos forte para a incógnita ambiental. Radicalizamos um padrão de crescimento econômico baseado na ultraexploração da natureza e anualmente seguimos perdendo milhares de quilômetros de florestas – vide os índices que o Inpe acabou de mostrar nesta semana. Tudo para garantir o superávit fiscal de cada dia, independentemente dos brutais efeitos sobre a terra, a água e o ar e as pessoas.
Há muito eu estimo que os seres humanos haviam intervido no ambiente além de nossa capacidade de reverter as intervenções, mas preferia não enfrentar esse fato em toda sua gravidade. Essa fatalidade histórica era demais para mim Infelizmente, terminei por confirmar minha intuição em um final de tarde de janeiro de 2003.
Naquele dia, eu entrevistei para o falecido O Pasquim o físico austríaco Fritjof Capra, autor dos best sellers "Tao da Física" (1975) e "O Ponto de Mutação" (1982). Capra é um visionário que alia sensibilidade pessoal a um profundo conhecimento científico de física quântica. Em seus livros, que se tornaram referência para o movimento ambientalista ocidental, ele anteviu macrotendências ecológicas dramáticas para o futuro da humanidade. É uma espécie de Julio Verne ambiental a enxergar décadas antes aquilo que a maioria constata muito tempo depois.
Lá pelas tantas na entrevista, Capra deixou escapar algo que me surpreendeu: ele acredita que o ponto de mutação da Terra, o ponto a partir do qual não há retorno, já passou.
"Eu decidi não ficar paralisado pelo medo de reconhecer que é muito tarde", deixou escapar. Fisguei a isca e perguntei: "O que o senhor quer dizer com "muito tarde"?`. "Que podemos chegar a um ponto crítico entre 10 e 20 anos. Podemos chegar a uma situação sem volta. Eu me refiro aos danos causados pelas mudanças do clima, pelo aquecimento global, pela extinção de espécies, que tem sido tão grande que o planeta pode simplesmente nunca se recuperar". E mais não disse, talvez receoso pelos efeitos que tal declaração, com o peso da autoria de quem a fez, alcançasse mundo afora.
Por isso escrevo este artigo ácido como uma chuva sulfurosa. Não me sinto mais no direito de passar outro Dia do Meio Ambiente criando para mim e para quem me lê a impressão falsa de que está tudo mal, mas há uma saída logo ali na frente. Que a qualquer momento um redentor descerá à Terra e consertará as opções civilizatórias erradas que a espécie humana fez.
Criar a Clarinha nesse contexto é um enorme desafio, por não saber exatamente em que direção o mundo caminha. Assim, como o Capra, para não me sentir emparedado recorro ao raciocínio do filósofo italiano Antonio Gramsci: podemos ser pessimistas na avaliação, mas precisamos ser otimistas na ação. Aliás, também a Anistia Internacional vai nesse sentido. Recentemente, avaliou como "fracasso" a implementação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, embora demande de todos os governos a urgência de colocá-la em prática.
É certo que a minha geração não tem culpa sozinha pelas opções que se vêm construindo ao longo da História, mais especificamente a partir da Revolução Industrial. Ali a humanidade optou pelos combustíveis fósseis para fornecer energia às máquinas que então começavam a modelar o sistema produtivo. Nossos antepassados sequer imaginaram que a queima da madeira, do carvão, do gás e dos óleos combustíveis produziriam os gases causadores das mudanças no clima que se mantêm ativos por séculos.
Mas, a minha geração – em verdade, a nossa geração, caro leitor - tem a obrigação ética e moral de deixar para a Clarinha e todas as crianças (todas mesmo, inclusive as crianças não brancas e pobres de todos os cantos do planeta) uma Terra equilibrada. No mínimo porque será uma tremenda covardia se os nossos filhos crescerem e perceberem que deixamos sem rumo nem direção o enorme avião Terra em que os embarcamos.
Carlos Tautz é jornalista.
Assim, a cada ano no Dia do Meio Ambiente, vem uma culpa enorme pelo fato de a minha geração não ter conseguido sequer encaminhar a solução para problemas chave para o planeta. De mudanças no clima à introdução de seres transgênicos na agricultura e na alimentação, passando pela perda acelerada e irreparável de diversidade biológica e a contaminação irreversível da maioria dos recursos hídricos de superfície. Tudo nos leva a dimensões da existência que nunca experimentamos antes.
Aqui no Brasil também colaboramos forte para a incógnita ambiental. Radicalizamos um padrão de crescimento econômico baseado na ultraexploração da natureza e anualmente seguimos perdendo milhares de quilômetros de florestas – vide os índices que o Inpe acabou de mostrar nesta semana. Tudo para garantir o superávit fiscal de cada dia, independentemente dos brutais efeitos sobre a terra, a água e o ar e as pessoas.
Há muito eu estimo que os seres humanos haviam intervido no ambiente além de nossa capacidade de reverter as intervenções, mas preferia não enfrentar esse fato em toda sua gravidade. Essa fatalidade histórica era demais para mim Infelizmente, terminei por confirmar minha intuição em um final de tarde de janeiro de 2003.
Naquele dia, eu entrevistei para o falecido O Pasquim o físico austríaco Fritjof Capra, autor dos best sellers "Tao da Física" (1975) e "O Ponto de Mutação" (1982). Capra é um visionário que alia sensibilidade pessoal a um profundo conhecimento científico de física quântica. Em seus livros, que se tornaram referência para o movimento ambientalista ocidental, ele anteviu macrotendências ecológicas dramáticas para o futuro da humanidade. É uma espécie de Julio Verne ambiental a enxergar décadas antes aquilo que a maioria constata muito tempo depois.
Lá pelas tantas na entrevista, Capra deixou escapar algo que me surpreendeu: ele acredita que o ponto de mutação da Terra, o ponto a partir do qual não há retorno, já passou.
"Eu decidi não ficar paralisado pelo medo de reconhecer que é muito tarde", deixou escapar. Fisguei a isca e perguntei: "O que o senhor quer dizer com "muito tarde"?`. "Que podemos chegar a um ponto crítico entre 10 e 20 anos. Podemos chegar a uma situação sem volta. Eu me refiro aos danos causados pelas mudanças do clima, pelo aquecimento global, pela extinção de espécies, que tem sido tão grande que o planeta pode simplesmente nunca se recuperar". E mais não disse, talvez receoso pelos efeitos que tal declaração, com o peso da autoria de quem a fez, alcançasse mundo afora.
Por isso escrevo este artigo ácido como uma chuva sulfurosa. Não me sinto mais no direito de passar outro Dia do Meio Ambiente criando para mim e para quem me lê a impressão falsa de que está tudo mal, mas há uma saída logo ali na frente. Que a qualquer momento um redentor descerá à Terra e consertará as opções civilizatórias erradas que a espécie humana fez.
Criar a Clarinha nesse contexto é um enorme desafio, por não saber exatamente em que direção o mundo caminha. Assim, como o Capra, para não me sentir emparedado recorro ao raciocínio do filósofo italiano Antonio Gramsci: podemos ser pessimistas na avaliação, mas precisamos ser otimistas na ação. Aliás, também a Anistia Internacional vai nesse sentido. Recentemente, avaliou como "fracasso" a implementação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, embora demande de todos os governos a urgência de colocá-la em prática.
É certo que a minha geração não tem culpa sozinha pelas opções que se vêm construindo ao longo da História, mais especificamente a partir da Revolução Industrial. Ali a humanidade optou pelos combustíveis fósseis para fornecer energia às máquinas que então começavam a modelar o sistema produtivo. Nossos antepassados sequer imaginaram que a queima da madeira, do carvão, do gás e dos óleos combustíveis produziriam os gases causadores das mudanças no clima que se mantêm ativos por séculos.
Mas, a minha geração – em verdade, a nossa geração, caro leitor - tem a obrigação ética e moral de deixar para a Clarinha e todas as crianças (todas mesmo, inclusive as crianças não brancas e pobres de todos os cantos do planeta) uma Terra equilibrada. No mínimo porque será uma tremenda covardia se os nossos filhos crescerem e perceberem que deixamos sem rumo nem direção o enorme avião Terra em que os embarcamos.
Carlos Tautz é jornalista.
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