A internet fornece tribuna a todos os cidadãos, que podem espalhar à vontade suas opiniões, interpretações e informações (verdadeiras e falsas), seja assumindo honestamente a autoria, seja ocultando-se como anônimos ou fakes.
Num primeiro momento, houve quem saudasse essa nova realidade como uma quebra do monopólio da imprensa e um respiradouro para a opinião pública tomar conhecimento de verdades que estariam sendo sonegadas pelos barões da mídia.
Agora, entretanto, evidencia-se cada vez mais o outro lado da moeda: abriram-se possibilidades praticamente infinitas de manipulação das consciências. Não só para impingirem-se como verídicos os eventos mostrados no pega-trouxas cinematográfico A bruxa de Blair, como também para a massificação de propaganda política enganosa, na linha do nazista Joseph Goebbels (“Uma mentira mil vezes repetida se torna uma verdade”).
As empresas jornalísticas e seus profissionais são obrigados a respeitar limites, para não sofrerem os prejuízos financeiros decorrentes da perda de credibilidade e das ações judiciais. Não podem dar livre curso a fantasias e calúnias.
Já os sites financiados por facções políticas pouco têm a perder, daí a desenvoltura com que agem. Direcionam-se para cidadãos frustrados e rancorosos, propensos ao fanatismo e, portanto, incapazes de perceber a total falta de verossimilhança naqueles relatos mirabolantes. Trata-se do mesmo caldo de cultura que gerou o nazismo e o fascismo.
A extrema-direita, em sites como o Ternuma, Mídia sem máscara, Usina de letras e A verdade sufocada, prega ostensivamente um novo golpe militar, tentando reeditar, de forma mecânica, a receita que deu certo em 1964.
Mas, se os sem-terra caem bem no papel de espantalho então preenchido pelas Ligas Camponesas de Francisco Julião e se Lula é tão useiro e vezeiro em dar trunfos para o inimigo quanto Goulart, outras peças do quebra-cabeças não se encaixaram: os controladores de vôo nem de longe indignaram a oficialidade como os subalternos das Forças Armadas (com destaque para os marujos liderados pelo cabo Anselmo), o Cansei e o Fora Lula só conseguem reunir gatos pingados, jamais as multidões das Marchas da família, com Deus, pela liberdade. O mais risível é o papel de vilão principal, antes ocupado pela conspiração comunista urdida em Moscou e Pequim. Na falta de coisa melhor, os sites fascistas hoje alardeiam a periculosidade do Foro de São Paulo, por eles apresentados como a “organização revolucionária que está influenciando de maneira decisiva os destinos políticos da América Latina, em especial a América do Sul”.
Na verdade, trata-se apenas de um encontro bianual de partidos políticos e organizações sociais contrárias às políticas neoliberais, que vem acontecendo desde a reunião inicial de 1990, em São Paulo (daí o nome).
Olavo de Carvalho, misto de (péssimo) jornalista, (eficiente) propagandista e (pretenso) filósofo, descreve o Foro de São Paulo de forma tão delirante que parece Ian Fleming introduzindo a Spectre numa novela de James Bond: “...a entidade que já domina os governos de nove países não admite, não suporta, não tolera que parcela alguma de poder, por mais mínima que seja, esteja fora de suas mãos. Nem mesmo as empresas de comunicação e o Judiciário, sem cuja liberdade a democracia não sobrevive um só minuto. Com a maior naturalidade, como se fosse uma herança divina inerente à sua essência, o Foro de São Paulo, com a aprovação risonha do nosso partido governante, reivindica o poder ditatorial sobre todo o continente”.
As hostes virtuais petistas respondem com outros sambas do crioulo doido, como os dossiês sobre conspirações para derrubar o presidente Lula divulgados pelo fantasmagórico grupo Jornalistas Independentes do Brasil (Jibra), com sede oficial em Londres (!).
Assim, segundo o Jibra, as denúncias do mar de lama que marcou o primeiro mandato do presidente Lula não se deveram ao desmascaramento da organização criminosa que ora responde por seus crimes na Justiça, mas sim à má-fé dos formadores de opinião, que estariam sendo corrompidos para denegrir o angelical Zé Dirceu. Teria ocorrido o repasse de numerário, via Nossa Caixa, Bank of Boston e Santander Banespa, para “pelo menos 76 pessoas, entre jornalistas e outras personalidades”, incluindo os jornalistas Ricardo Noblat, Lílian Witte Fibe e Augusto Nunes, o deputado Fernando Gabeira e o ator Lima Duarte.
Além dos partidos rivais do PT, estariam envolvidos na fantástica tramóia os serviços de inteligência dos EUA e do Reino Unido – os quais teriam assassinado o brasileiro Jean Charles de Menezes no metrô londrino, não por o terem confundido com um terrorista, mas por acreditarem que ele fosse o “operador estratégico das ações do Jibra”!
O Ministério Público Federal e as autoridades policiais têm mostrado empenho no combate à pornografia e à pedofilia na internet, mas quase nada vêm fazendo contra as campanhas totalitárias – desde o golpismo da extrema-direita até a desmoralização e intimidação da imprensa por parte dos petistas. Muito menos para defender a honra dos cidadãos que são alvos diários de difamações e calúnias.
É preciso disciplinar o admirável mundo novo da Web, antes que ele se torne 1984.
*Celso Lungaretti, 56 anos, é jornalista em São Paulo, com longa atuação em redações e na área de comunicação corporativa, e escritor. Escreveu Náufrago da utopia (Geração Editorial, 2005).
Num primeiro momento, houve quem saudasse essa nova realidade como uma quebra do monopólio da imprensa e um respiradouro para a opinião pública tomar conhecimento de verdades que estariam sendo sonegadas pelos barões da mídia.
Agora, entretanto, evidencia-se cada vez mais o outro lado da moeda: abriram-se possibilidades praticamente infinitas de manipulação das consciências. Não só para impingirem-se como verídicos os eventos mostrados no pega-trouxas cinematográfico A bruxa de Blair, como também para a massificação de propaganda política enganosa, na linha do nazista Joseph Goebbels (“Uma mentira mil vezes repetida se torna uma verdade”).
As empresas jornalísticas e seus profissionais são obrigados a respeitar limites, para não sofrerem os prejuízos financeiros decorrentes da perda de credibilidade e das ações judiciais. Não podem dar livre curso a fantasias e calúnias.
Já os sites financiados por facções políticas pouco têm a perder, daí a desenvoltura com que agem. Direcionam-se para cidadãos frustrados e rancorosos, propensos ao fanatismo e, portanto, incapazes de perceber a total falta de verossimilhança naqueles relatos mirabolantes. Trata-se do mesmo caldo de cultura que gerou o nazismo e o fascismo.
A extrema-direita, em sites como o Ternuma, Mídia sem máscara, Usina de letras e A verdade sufocada, prega ostensivamente um novo golpe militar, tentando reeditar, de forma mecânica, a receita que deu certo em 1964.
Mas, se os sem-terra caem bem no papel de espantalho então preenchido pelas Ligas Camponesas de Francisco Julião e se Lula é tão useiro e vezeiro em dar trunfos para o inimigo quanto Goulart, outras peças do quebra-cabeças não se encaixaram: os controladores de vôo nem de longe indignaram a oficialidade como os subalternos das Forças Armadas (com destaque para os marujos liderados pelo cabo Anselmo), o Cansei e o Fora Lula só conseguem reunir gatos pingados, jamais as multidões das Marchas da família, com Deus, pela liberdade. O mais risível é o papel de vilão principal, antes ocupado pela conspiração comunista urdida em Moscou e Pequim. Na falta de coisa melhor, os sites fascistas hoje alardeiam a periculosidade do Foro de São Paulo, por eles apresentados como a “organização revolucionária que está influenciando de maneira decisiva os destinos políticos da América Latina, em especial a América do Sul”.
Na verdade, trata-se apenas de um encontro bianual de partidos políticos e organizações sociais contrárias às políticas neoliberais, que vem acontecendo desde a reunião inicial de 1990, em São Paulo (daí o nome).
Olavo de Carvalho, misto de (péssimo) jornalista, (eficiente) propagandista e (pretenso) filósofo, descreve o Foro de São Paulo de forma tão delirante que parece Ian Fleming introduzindo a Spectre numa novela de James Bond: “...a entidade que já domina os governos de nove países não admite, não suporta, não tolera que parcela alguma de poder, por mais mínima que seja, esteja fora de suas mãos. Nem mesmo as empresas de comunicação e o Judiciário, sem cuja liberdade a democracia não sobrevive um só minuto. Com a maior naturalidade, como se fosse uma herança divina inerente à sua essência, o Foro de São Paulo, com a aprovação risonha do nosso partido governante, reivindica o poder ditatorial sobre todo o continente”.
As hostes virtuais petistas respondem com outros sambas do crioulo doido, como os dossiês sobre conspirações para derrubar o presidente Lula divulgados pelo fantasmagórico grupo Jornalistas Independentes do Brasil (Jibra), com sede oficial em Londres (!).
Assim, segundo o Jibra, as denúncias do mar de lama que marcou o primeiro mandato do presidente Lula não se deveram ao desmascaramento da organização criminosa que ora responde por seus crimes na Justiça, mas sim à má-fé dos formadores de opinião, que estariam sendo corrompidos para denegrir o angelical Zé Dirceu. Teria ocorrido o repasse de numerário, via Nossa Caixa, Bank of Boston e Santander Banespa, para “pelo menos 76 pessoas, entre jornalistas e outras personalidades”, incluindo os jornalistas Ricardo Noblat, Lílian Witte Fibe e Augusto Nunes, o deputado Fernando Gabeira e o ator Lima Duarte.
Além dos partidos rivais do PT, estariam envolvidos na fantástica tramóia os serviços de inteligência dos EUA e do Reino Unido – os quais teriam assassinado o brasileiro Jean Charles de Menezes no metrô londrino, não por o terem confundido com um terrorista, mas por acreditarem que ele fosse o “operador estratégico das ações do Jibra”!
O Ministério Público Federal e as autoridades policiais têm mostrado empenho no combate à pornografia e à pedofilia na internet, mas quase nada vêm fazendo contra as campanhas totalitárias – desde o golpismo da extrema-direita até a desmoralização e intimidação da imprensa por parte dos petistas. Muito menos para defender a honra dos cidadãos que são alvos diários de difamações e calúnias.
É preciso disciplinar o admirável mundo novo da Web, antes que ele se torne 1984.
*Celso Lungaretti, 56 anos, é jornalista em São Paulo, com longa atuação em redações e na área de comunicação corporativa, e escritor. Escreveu Náufrago da utopia (Geração Editorial, 2005).
Mais dele em http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/.
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