Greve dos professores e lixo linguístico
Imagino a luta imensa dos professores/as de língua portuguesa contra essa maré gigantesca de maus tratos contra nossa mal tratada nossa língua, marcada por gerundismos baratos, por vícios e incorreções redacionais e orais. O pior de tudo é quando ouvimos, vemos e lemos boa parte de nossos colegas em toda a parte e níveis escreverem e falar muito mal. Alguns até por ocupar cargos de chefia não admitem correções nem os “subalternos”, principalmente os puxa sacos e subservientes, ousam corrigir. Há professores/as que trabalham disciplinas outras, que não a língua portuguesa, que não se dão ao trabalho de aprender um bocadinho de gramática, tanto na fala cotidiana como na comunicação formal. Conheço um que fala muito em mercado, em defesa do neoliberalismo, &nbs p;mas que comete erros de arrepiar e de doer os ouvidos, quando sou obrigado a ouvi-lo ou a ler o lixo lingüístico nos e-mails que nos envia. Cada vez que o ouço sofro de dores intestinais. Ele e outros são péssimos exemplos para a formação lingüística dos/as alunos/as.
Parece marca registrada que administradores/as de empresas, contabilistas, engenheiros, médicos/as, enfermeiros/as, psicólogos/as, jornalistas (esses são lamentáveis) e outros profissionais desobriguem-se ao respeito à nossa língua, puxando-a para o ralo da vulgaridade e da miséria cultural. Há pessoas formadas em cursos superiores que se sentem mal em falar e escrever corretamente por temerem a pecha de pedantismo. No entanto, não se furtam à falta de ética de ser fofoqueiras, dedo duros, divisionistas, arrogantes, subservientes, puxa sacos, puxa tapetes, “nariz empinado” etc. Raciocinam que escrever e falar corretamente as tornaria formais e distantes do meio em que vivem. Equivocam-se. Na verdade, o que torna as pessoas distantes das outras é a visão de mundo. As omissas, as alienadas, as subservientes à ide ologia dominante é que se colocam fora do convívio dos iguais, num clima de enganosa superioridade. As pessoas que pensam, que refletem, que falam e escrevem corretamente, mas que se inserem na luta por transformações e que se articulam com o povo e com as pessoas com quem trabalham, num permanente espírito de serviço, não são arrogantes nem contadas como tal.
Há coisas ditas, principalmente ditas, que fazem doer os ouvidos. São afrontosos os tais de “a nível de”, “com certeza”, isso principalmente por parte de quem lida com a educação e com a ciência, cujos territórios são marcados privilegiadamente pelas incertezas, é inaceitável; o excesso de verbos, causam arrepios, como por exemplo, “vou estar viajando amanhã”; erros de número como "a unha", "o dente", "o pulmão", "o quadril", "o rim", "lavar a mão", "mais" em vez de mas etc. Afinal, vou, viajo ou estou? Tenho uma só unha etc? E o tal de gerúndio, então? É triste ligar para a operadora de meu celular e ouvir aquele pessoal iniciar a conversa com a droga da pergunta: “em que posso estar te ajudando?”
Por outro lado, há que pensarmos na greve nacional dos/as professores/as. A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) articula greve geral exigindo dos governos municipais, estaduais e federal o cumprimento da Lei do Piso Salarial que determina que os/as professores/as de formação de nível médio, que cumprem carga horária de 40 horas semanais, não ganhem menos do que do que R$950,00. Viste o valor? É exatamente isso. Os/as colegas têm que fazer greve, piquetes, pressões e mobilizações para exigir ganhar não menos do que esse valor aí. Atualmente, segundo pesquisa da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), a grande maioria das prefeituras paga aos/às seus/suas professores/as entre R$587,00 e 1.011,39.
A forma como os poderes públicos e privados lidam com os/as professores/as é dos mais espetaculares maus exemplos de anti-educação. Nenhum/a professor/a trabalha somente as alegadas horas de regência de classe em sala de aula. A carga de trabalho que cada professor/a leva para casa em correção de trabalhos, provas e os malditos diários de classe é descomunal e atentatória aos direitos humanos, que causa doença, estresse e problemas familiares. Além disso, não há como os/as professores/as estudar e fazer cursos sob esse regime de exploração e cansaço. Nessa perspectiva da safadeza do sistema de ódio à educação, que se implantou no Brasil desde o golpe que instaurou a ditadura em 1964, corroborado pelo neoliberalismo de Fernando Collor e de Fernando Henrique Cardoso, e ainda defendido por falsos educadores, transformando o ensino em privilégio restrito à classe dominante e em produto comercial caro e de má qualidade para os/as trabalhadores/as, tem que sofrer mudanças. Efetivamente, essa luta se encontra na pauta das pressões dos/as professores/as em nível nacional agora, que devemos apoiar. Devemos reforçar em todas as frentes a luta para que 50% do Fundo Social do Pré-sal destine-se à educação. Os governos devem comprar vagas nas instituições particulares, onde não houver prédios públicos, para que nossa juventude estude gratuitamente e aumentar as capacitações salarial, teórica e prática de nossos/as professores/as. É evidente que a educação não faz transformações econômicas, sociais e políticas, mas, como dizia Paulo Freire, não há como construi r desenvolvimento sem ela. Esta é questão de direitos humanos. Esta é processo permanente. Como dizia Marx: os educadores devem ser educados, também. A educação justa em todos os sentidos é direito de todos nós. As lutas por mais justas condições para a educação são altamente educativas. Nessa luta até nossa fala e linguagem melhoram. Os/as professores/as que se omitem a elas incorrem em falta de ética e em falta de respeito à educação.
Por isso temos que alegrarmo-nos com a vitória da democracia. Nos governos de Lula e de Dilma as lutas dos/as trabalhadores/as não são tratadas como caso de polícia, como fez José Serra e Geraldo Alkmim em São Paulo, jogando a polícia sobre professores/as, alunos/as, outros/as trabalhadores/as e a própria polícia quando entrou em greve. As lutas sociais nunca foram e nunca serão objeto de polícia, mas de políticas públicas justas. Só não percebem isso Nelson Jobim e Silas Malafaia, que votaram em José Serra por mesquinhos e medíocres interesses pessoais.
Viva a greve dos/as professores/as. Viva a educação de qualidade, com professores/as bem pagos/as e politicamente comprometidos/as.
Contribuição de Dom Orvandil Moreira Barbosa, bispo da Diocese Brasil Central - IATB. Filósofo e profesor universitário, envolvido na luta pelas transformações sociais, políticas e econômicas.
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