Claro que por trás da reação contra o decreto presidencial que instituiu o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH) estão preconceitos seculares de um país com passado escravocrata.
A noção equivocada de que a defesa direitos humanos seria invenção destinada a proteger bandidos é um dessas justificativas que racistas de todas as classes e cores usam para clamar por mais e mais violência contra negros e pobres.
Porém, os temores de supostas reações por parte dos militares contra o PNDH no fundo escondem muito mais do que o medo de os quartéis darem novos e improváveis golpes de Estado.
Eles expressam o medo de que se primeiro vierem à tona informações sobre violações contra os direitos humanos cometidas pelos governos da 'Gloriosa', o passo seguinte poderia ser uma torrente sem controle de revelações sobre os mais sujos atos praticados durante os anos de ausência do estado democrático de direito.
Atos que ainda hoje sustentam as maiores estruturas da política e da economia deste País e envolvem figuras que nunca saíram do poder.
Imaginem a extensão da lista de picaretagens praticadas durante a falta de democracia. A lista poderia ser interminável.
Afinal, com a sua política dúbia de substituir importações, privilegiando grupos econômicos nacionais, ao mesmo tempo que escancarava o Brasil a esquemas como os contratos de risco, militares e os civis pilharam o Brasil e preparam os instrumentos que mais tarde seriam utilizados em um novo ciclo de bandalheiras, durante as privatizações e desregulamentação da economia cometidas durante a era tucana.
Muitos dos participantes daqueles processos continuam atuantes. Alguns se escondem no Clube Militar do Rio de Janeiro, de onde evocam saudosamente as habilidades de figuras como Carlos Alberto Brilhante Ustra, que segue impune, e do ex-capitão Wilson Luís Alves 'Riocentro' Machado, que talvez chegue ao generalato.
Outros, como o economista e ex-ministro Antônio Delfim Netto, que serviu à ditadura na renegociação da dívida externa, mais recentemente se transformou em assessor informal do presidente Lula.
Há, também, aqueles homens que ainda estão entre os mais poderosos. Presidente do Senado, José Sarney é a figura mais emblemática dessa qualidade de gente.
Durante décadas, construiu sua enorme rede de relações e influências entre militares úteis à implantação de grandes projetos de privados de mineração, de hidrelétricas e de siderurgia, setores em que continua a operar.
Todos eles teriam muito a perder caso as verdades a respeito de Tucuruí, Balbina e Carajás um dia viessem a despertar o interesse do Ministério Público.
Ou, ainda, é o caso de perguntar: será que os diplomatas brasileiros perderiam sua fleuma e arrogância caso fossem tornadas públicas a correspondência entre as ditaduras do Brasil e do Paraguai para a construção de Itaipu?
Outra parte da histeria que apareceu quando o PNDH se materializou no Decreto 7037 deve ser atribuída ao fato de que, após quase 22 anos após a Constituição ter sido promulgada, o Estado finalmente deu o primeiro passo legal concreto para colocar em prática o artigo 221 da Constituição.
Esse dispositivo trata das concessões de canais de rádio e tevê, mas nunca foi exercitado por nenhum governo. O setor da comunicação eletrônica é o que mais resiste a deixar os tempos em que concessões de rádio de tevê significavam apoio de mídia ao projeto de Brasil Grande e serviam de moeda para a extensão do mandato presidencial de Sarney.
Apesar da dedicação e da resistência do Ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria de Direitos Humanos, que costurou o apoio ao PNDH por 30 ministérios e dezenas de organizações de defesa de direitos humanos, a fraqueza política para a implementação do Programa reside no fato de que nenhum governo pós-ditadura assumiu como tarefa central a reconstituição histórica do período de exceção e muito menos quis punir exemplarmente aqueles que conceberam e praticaram a tortura como política de Estado.
Se realmente quisesse fazê-lo, a exemplo do que já fizeram a Argentina de Videla e o Chile de Pinochet, o governo deveria se dedicar a essa tarefa histórica com tanto empenho quanto tanto quanto enfrenta o problema da fome.
Mas, infelizmente, não é o caso.
Carlos Tautz é jornalista
A noção equivocada de que a defesa direitos humanos seria invenção destinada a proteger bandidos é um dessas justificativas que racistas de todas as classes e cores usam para clamar por mais e mais violência contra negros e pobres.
Porém, os temores de supostas reações por parte dos militares contra o PNDH no fundo escondem muito mais do que o medo de os quartéis darem novos e improváveis golpes de Estado.
Eles expressam o medo de que se primeiro vierem à tona informações sobre violações contra os direitos humanos cometidas pelos governos da 'Gloriosa', o passo seguinte poderia ser uma torrente sem controle de revelações sobre os mais sujos atos praticados durante os anos de ausência do estado democrático de direito.
Atos que ainda hoje sustentam as maiores estruturas da política e da economia deste País e envolvem figuras que nunca saíram do poder.
Imaginem a extensão da lista de picaretagens praticadas durante a falta de democracia. A lista poderia ser interminável.
Afinal, com a sua política dúbia de substituir importações, privilegiando grupos econômicos nacionais, ao mesmo tempo que escancarava o Brasil a esquemas como os contratos de risco, militares e os civis pilharam o Brasil e preparam os instrumentos que mais tarde seriam utilizados em um novo ciclo de bandalheiras, durante as privatizações e desregulamentação da economia cometidas durante a era tucana.
Muitos dos participantes daqueles processos continuam atuantes. Alguns se escondem no Clube Militar do Rio de Janeiro, de onde evocam saudosamente as habilidades de figuras como Carlos Alberto Brilhante Ustra, que segue impune, e do ex-capitão Wilson Luís Alves 'Riocentro' Machado, que talvez chegue ao generalato.
Outros, como o economista e ex-ministro Antônio Delfim Netto, que serviu à ditadura na renegociação da dívida externa, mais recentemente se transformou em assessor informal do presidente Lula.
Há, também, aqueles homens que ainda estão entre os mais poderosos. Presidente do Senado, José Sarney é a figura mais emblemática dessa qualidade de gente.
Durante décadas, construiu sua enorme rede de relações e influências entre militares úteis à implantação de grandes projetos de privados de mineração, de hidrelétricas e de siderurgia, setores em que continua a operar.
Todos eles teriam muito a perder caso as verdades a respeito de Tucuruí, Balbina e Carajás um dia viessem a despertar o interesse do Ministério Público.
Ou, ainda, é o caso de perguntar: será que os diplomatas brasileiros perderiam sua fleuma e arrogância caso fossem tornadas públicas a correspondência entre as ditaduras do Brasil e do Paraguai para a construção de Itaipu?
Outra parte da histeria que apareceu quando o PNDH se materializou no Decreto 7037 deve ser atribuída ao fato de que, após quase 22 anos após a Constituição ter sido promulgada, o Estado finalmente deu o primeiro passo legal concreto para colocar em prática o artigo 221 da Constituição.
Esse dispositivo trata das concessões de canais de rádio e tevê, mas nunca foi exercitado por nenhum governo. O setor da comunicação eletrônica é o que mais resiste a deixar os tempos em que concessões de rádio de tevê significavam apoio de mídia ao projeto de Brasil Grande e serviam de moeda para a extensão do mandato presidencial de Sarney.
Apesar da dedicação e da resistência do Ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria de Direitos Humanos, que costurou o apoio ao PNDH por 30 ministérios e dezenas de organizações de defesa de direitos humanos, a fraqueza política para a implementação do Programa reside no fato de que nenhum governo pós-ditadura assumiu como tarefa central a reconstituição histórica do período de exceção e muito menos quis punir exemplarmente aqueles que conceberam e praticaram a tortura como política de Estado.
Se realmente quisesse fazê-lo, a exemplo do que já fizeram a Argentina de Videla e o Chile de Pinochet, o governo deveria se dedicar a essa tarefa histórica com tanto empenho quanto tanto quanto enfrenta o problema da fome.
Mas, infelizmente, não é o caso.
Carlos Tautz é jornalista
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