sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Quanto vale um guarda-chuva?

Um automóvel, sem combustível, torna-se imóvel, mesmo sendo um fusca, mesmo sendo do João dos sonhos azuis...

Num destes dias cinzentos na vida deste sonhador, precisando sair a pé na chuva, com uma pasta rechonchuda nos braços que parecia pesar uma tonelada, nosso protagonista passa o tempo a queixar-se da vida e filosofar... Fez um desses empréstimos consignados que penduram a maioria do povo assalariado. O cara do banco garantiu-lhe que o dinheiro estaria em sua conta na sexta-feira, mas já era quinta da outra semana e o extrato só mostrava uma sequência de zeros no saldo disponível... Por conta disso, deixou atrasar aluguel, boletos e mais boletos que não querem saber como está a vida financeira do devedor, se ele tem família, se o carro quebrou ou ficou sem gasolina, se o aluguel não foi pago, se falta leite para seus filhos, se o “pão nosso de cada dia” não frequenta sua mesa, se a falta de dinheiro tira-lhe a dignidade e a alegria de viver num mundo capitalista selvagem, desumano e cruel para os pequenos, porém muito generoso para os que já têm de sobra por conta da mais-valia...

Andava ele na chuva com vento, debaixo de um guarda-chuva tamanho família com dois aros descosturados, molhando os pés, a pasta e metade do tronco; descendo a ladeira, pensando como tudo seria diferente se os ricos ganhassem menos às custas dos trabalhadores como ele, se o proletariado fosse valorizado como grande realizador do milagre da produção, se tivesse um salário digno que cobrisse todas as despesas essenciais e lhe fizesse valer o direito à saúde e ao lazer garantidos na constituição...

Conversava com seus botões sobre: como tudo seria melhor se a renda fosse distribuída com menos diferenças, se todos fossem iguais perante a lei, outro direito garantido pela constituição, se existisse a vontade sincera dos governantes voltarem seus olhares realmente par ao povo e não para as próximas eleições, se a escola pública tivesse toda a qualidade que as autoridades pregam baseadas em cascas de escolas mal-construídas e abandonadas pelo poder público logo depois da inauguração...

Tudo isso pensava João dos Sonhos Azuis, na ausência do fusquinha da mesma cor de seus sonhos enquanto encharcava-se de H2O que caía do céu em abundância junto com suas esperanças de uma sociedade mais justa e igualitária e o guarda-chuva tamanho “extra G” não dava conta...

Aproxima-se um cidadão de calça azul-marinho, boné da mesma cor e camisa amarela... Era um carteiro, também estava a pé, debaixo do mesmo céu carregado de nuvens pungentes, despejando água sem dó nem piedade, mas este, pelo contrário, sem nenhuma proteção. O jovem enxuga os olhos que se dirigem ao João e fala com um sorriso que oscila entre o hilário e o irônico:

Cara, que inveja que tenho do teu guarda-chuva!...

O funcionário dos correios sobe o resto da rua seguido pelos olhos arregalados do João... Aquilo contorce seu cérebro queixoso que chega a seguinte conclusão: Parece que a situação momentânea que vivia, era menos grave do que parecia e que a luta por valorização do ser humano e respeito a dignidade não pode ser algo isolado. Percebeu então que seus sonhos azuis não eram só seus, mas de toda uma classe massacrada pelo sistema elitista em que está inserido... e se todos os sonhadores se unissem, fariam de seus sonhos uma vitoriosa realidade...

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Jornal Informe – O diário Regional

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