sábado, 16 de janeiro de 2010

Haiti: o horror, o horror

As ferramentas normais da análise política e econômica parecem de algum modo irrelevantes – ou mesmo sórdidas – diante de uma calamidade como o terremoto haitiano.... Depois de noticiar esses fatos assustadores, há algo mais a dizer?
Gideon Rachman, Financial Times

Nas décadas de 1970 e 1980 os terremotos na Nicarágua e no México mobilizaram a sociedade civil e ajudaram a acabar com os regimes autoritários nesses países. Oxalá a tragédia que atingiu o Haiti possa catalizar as energias de renovação doméstica e na comunidade internacional, num movimento de reconstrução nacional.

As estimativas iniciais sobre os efeitos do terremoto são assustadoras. Cem mil mortos – 1% da população! Três milhões de desabrigados. A destruição da capital, Porto Príncipe, com falta de luz, água potável e telefones. A ruína de prédios importantes como o Palácio Presidencial, o Parlamento e o QG das Nações Unidas. O Brasil, que comanda militarmente a missão da ONU para a estabilização do país, sofreu de forma considerável. A morte de 14 soldados num só dia (4 ainda estão desaparecidos) é a maior perda das Forças Armadas desde a campanha na Itália durante a Segunda Guerra Mundial. E a sociedade civil brasileira se despediu de uma de suas personalidades mais admiráveis, Zilda Arns, da Pastoral da Criança, morta no desabamento de uma igreja quando dava palestra.

Os desafios para o Haiti, no curtíssimo prazo, são imensos. É preciso lidar com a devastação da infraestrutura, atender, abrigas e alimentar os desabrigados e feridos, enterrar os mortos antes que os cadáveres se tornem focos de doença, conter a onda de crimes que já se espalha pelos destroços e impedir que o desespero gere uma crise de refugiados e fugas em massa para a República Dominicana ou para os Estados Unidos.

A ironia da história é que 2009 havia sido um ótimo ano para o Haiti. Na ausência de desastres naturais, a economia crescera 2.4%, em particular as exportações (incríveis 23%) e os investimentos externos retornavam, sobretudo da comunidade de imigrantes haitianos nos Estados Unidos. A tragédia do terremoto destrói a esperança de retomada do país, a luta agora é mais urgente e imediata, pela mera sobrevivência.

Torço para que a catástrofe humanitária desperte uma reação vigorosa na comunidade de doadores internacionais e que os recursos da ONU sejam canalizados para a reconstrução do país. Contudo, não espero muito dessas possibilidades. Há outras, e muitas, prioridades. Afeganistão, Paquistão, Iraque, Congo. O Haiti é o país mais pobre das Américas, mas não está no centro de nenhum grande conflito político, nem possuir recursos naturais importantes para a economia global.

Para o Brasil, a tragédia haitiana é um travo amargo no excelente trabalho desenvolvido pela Minustah e um lembrete dos riscos imponderáveis e dos custos, inclusive em vidas humanas, de uma política externa mais ativista, mesmo em missões de paz. É inevitável o sentimento de frustração com os caprichos da natureza, que destruíram um processo lento mas constante de ações sociais brasileiras no Haiti.
Mauricio Santoro

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