As ferramentas normais da análise política e econômica parecem de algum modo irrelevantes – ou mesmo sórdidas – diante de uma calamidade como o terremoto haitiano.... Depois de noticiar esses fatos assustadores, há algo mais a dizer?
Gideon Rachman, Financial Times
Nas décadas de 1970 e 1980 os terremotos na Nicarágua e no México mobilizaram a sociedade civil e ajudaram a acabar com os regimes autoritários nesses países. Oxalá a tragédia que atingiu o Haiti possa catalizar as energias de renovação doméstica e na comunidade internacional, num movimento de reconstrução nacional.
As estimativas iniciais sobre os efeitos do terremoto são assustadoras. Cem mil mortos – 1% da população! Três milhões de desabrigados. A destruição da capital, Porto Príncipe, com falta de luz, água potável e telefones. A ruína de prédios importantes como o Palácio Presidencial, o Parlamento e o QG das Nações Unidas. O Brasil, que comanda militarmente a missão da ONU para a estabilização do país, sofreu de forma considerável. A morte de 14 soldados num só dia (4 ainda estão desaparecidos) é a maior perda das Forças Armadas desde a campanha na Itália durante a Segunda Guerra Mundial. E a sociedade civil brasileira se despediu de uma de suas personalidades mais admiráveis, Zilda Arns, da Pastoral da Criança, morta no desabamento de uma igreja quando dava palestra.
Os desafios para o Haiti, no curtíssimo prazo, são imensos. É preciso lidar com a devastação da infraestrutura, atender, abrigas e alimentar os desabrigados e feridos, enterrar os mortos antes que os cadáveres se tornem focos de doença, conter a onda de crimes que já se espalha pelos destroços e impedir que o desespero gere uma crise de refugiados e fugas em massa para a República Dominicana ou para os Estados Unidos.
A ironia da história é que 2009 havia sido um ótimo ano para o Haiti. Na ausência de desastres naturais, a economia crescera 2.4%, em particular as exportações (incríveis 23%) e os investimentos externos retornavam, sobretudo da comunidade de imigrantes haitianos nos Estados Unidos. A tragédia do terremoto destrói a esperança de retomada do país, a luta agora é mais urgente e imediata, pela mera sobrevivência.
Torço para que a catástrofe humanitária desperte uma reação vigorosa na comunidade de doadores internacionais e que os recursos da ONU sejam canalizados para a reconstrução do país. Contudo, não espero muito dessas possibilidades. Há outras, e muitas, prioridades. Afeganistão, Paquistão, Iraque, Congo. O Haiti é o país mais pobre das Américas, mas não está no centro de nenhum grande conflito político, nem possuir recursos naturais importantes para a economia global.
Para o Brasil, a tragédia haitiana é um travo amargo no excelente trabalho desenvolvido pela Minustah e um lembrete dos riscos imponderáveis e dos custos, inclusive em vidas humanas, de uma política externa mais ativista, mesmo em missões de paz. É inevitável o sentimento de frustração com os caprichos da natureza, que destruíram um processo lento mas constante de ações sociais brasileiras no Haiti.
Mauricio Santoro
Gideon Rachman, Financial Times
Nas décadas de 1970 e 1980 os terremotos na Nicarágua e no México mobilizaram a sociedade civil e ajudaram a acabar com os regimes autoritários nesses países. Oxalá a tragédia que atingiu o Haiti possa catalizar as energias de renovação doméstica e na comunidade internacional, num movimento de reconstrução nacional.
As estimativas iniciais sobre os efeitos do terremoto são assustadoras. Cem mil mortos – 1% da população! Três milhões de desabrigados. A destruição da capital, Porto Príncipe, com falta de luz, água potável e telefones. A ruína de prédios importantes como o Palácio Presidencial, o Parlamento e o QG das Nações Unidas. O Brasil, que comanda militarmente a missão da ONU para a estabilização do país, sofreu de forma considerável. A morte de 14 soldados num só dia (4 ainda estão desaparecidos) é a maior perda das Forças Armadas desde a campanha na Itália durante a Segunda Guerra Mundial. E a sociedade civil brasileira se despediu de uma de suas personalidades mais admiráveis, Zilda Arns, da Pastoral da Criança, morta no desabamento de uma igreja quando dava palestra.
Os desafios para o Haiti, no curtíssimo prazo, são imensos. É preciso lidar com a devastação da infraestrutura, atender, abrigas e alimentar os desabrigados e feridos, enterrar os mortos antes que os cadáveres se tornem focos de doença, conter a onda de crimes que já se espalha pelos destroços e impedir que o desespero gere uma crise de refugiados e fugas em massa para a República Dominicana ou para os Estados Unidos.
A ironia da história é que 2009 havia sido um ótimo ano para o Haiti. Na ausência de desastres naturais, a economia crescera 2.4%, em particular as exportações (incríveis 23%) e os investimentos externos retornavam, sobretudo da comunidade de imigrantes haitianos nos Estados Unidos. A tragédia do terremoto destrói a esperança de retomada do país, a luta agora é mais urgente e imediata, pela mera sobrevivência.
Torço para que a catástrofe humanitária desperte uma reação vigorosa na comunidade de doadores internacionais e que os recursos da ONU sejam canalizados para a reconstrução do país. Contudo, não espero muito dessas possibilidades. Há outras, e muitas, prioridades. Afeganistão, Paquistão, Iraque, Congo. O Haiti é o país mais pobre das Américas, mas não está no centro de nenhum grande conflito político, nem possuir recursos naturais importantes para a economia global.
Para o Brasil, a tragédia haitiana é um travo amargo no excelente trabalho desenvolvido pela Minustah e um lembrete dos riscos imponderáveis e dos custos, inclusive em vidas humanas, de uma política externa mais ativista, mesmo em missões de paz. É inevitável o sentimento de frustração com os caprichos da natureza, que destruíram um processo lento mas constante de ações sociais brasileiras no Haiti.
Mauricio Santoro
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