Nesta altura do campeonato, em que a política cada vez mais se apropria do universo futebolístico, é justo invocar o maior pensador político da nação - Antonio Franco de Oliveira (1906-1976). Era torcedor fanático do Botafogo do Rio de Janeiro e reinou na década de 40 nas areias de Copacabana como respeitado goleiro do Posto Quatro Futebol Clube, que calçava chuteiras número 44 e fazia defesas incríveis com as mãozonas que mediam 23 centímetros. Esta desproporção rendeu o apelido que lhe garantiu a imortalidade: Neném Prancha.
É dele uma frase que define neste momento, com precisão, o corintiano Luiz Inácio Lula da Silva, também presidente da República: “Quem pede, recebe. Quem desloca, tem preferência”. Lula entrou de sola no jogo de várzea do Senado, pediu a bola da crise e recebeu, redondinha, a esférica confusão em que se meteu o time nada amador dos senadores.
Do Rio, do Irã, da Líbia, onde encontrasse um microfone, Lula calibrava a voz e disparava um petardo no ângulo, em defesa incondicional de José Sarney, ‘o presidente que não é um cidadão comum’. Foi ao ponto de atropelar o time de seu partido no Senado, a bancada do PT, para fazer a bancada engolir a idéia de afastamento preventivo do presidente sob suspeita. O líder do PT, Aloísio Mercadante, com cara de bola murcha, teve que subir à tribuna para ensaiar uma explicação complicada para o recuo inexplicável.
Indiferente ao ditador líbio Muammar Kadafi, ao seu lado, Lula ligou da África para Sarney para pedir que não fizesse nada até conversar com ele, pessoalmente. Dissimulado como sempre, Lula voltou ao Brasil e disse que não tinha nenhum encontro com Sarney.
Lula segue, à risca, uma lei imutável de Neném Prancha: “Joga a bola pra cima, enquanto ela estiver no alto não há perigo de gol”. O barbudo do Planalto tenta tirar a bola do meio-de-campo do Senado para salvar o bigodudo do Maranhão. Existe uma lógica nesta jogada que o esperto Neném reconheceria com outra frase lapidar: “O importante é o principal, o resto é secundário”.
Traduzindo: Lula não está preocupado com a integridade física de Sarney. O presidente está apreensivo, na verdade, é com a saúde política de seu governo. E nada traduz melhor a deficiência técnica deste governo do que a constatação de que ele, hoje, está pendurado nos fios embranquecidos do octogenário bigode de Sarney.
A política de Lula é como o futebol para Neném Prancha: “É muito simples – quem tem a bola, ataca; quem não tem, defende”. Ao ver Sarney manietado em campo, com pés e mãos politicamente amarrados pela mão boba de seu pupilo Agaciel Maia, Lula percebeu que o amigo precisava de defesa, já que a bola não sai do campo da oposição. Sem ela, não restou ao presidente outra saída senão a defesa, intransigente, inegociável, inarredável.
Defender Sarney é defender o PMDB, que vai defender as cores governistas no campeonato presidencial de 2010, armado em torno da favorita de Lula e do PT – Dilma Roussef, o Fenômeno do PT, uma espécie de Ronaldo mais magra do time escalado por Lula para manter a mão na taça no próximo mandato. Acuado, Lula acusou a oposição de forçar a renúncia de Sarney como uma tentativa de ganhar o Senado no ‘tapetão’.
No jogo bruto da política, o país acabou descobrindo uma vocação irrefreável de Lula: seu apetite para entrar no jogo alheio, sempre pelo lado errado, permanentemente atraído pelas causas piores.
Fez assim para salvar Antônio Carlos Magalhães, quando o líder baiano se enrolou nas fitas do mega-grampo patrocinado por ele na Bahia e arredores. O pedido de cassação do Conselho de Ética foi interceptado, a pedido de Lula, com o providencial engavetamento na Mesa Diretora do Senado, presidida então – quem, quem? – por ele, José Sarney.
Lula fez de novo ao mover seu time do PT para salvar Renan Calheiros, enrolado em confusões extra-conjugais e bois não contabilizados, que ameaçaram jogar seu mandato no brejo. E Lula faz agora, outra vez, para salvar a cara rosada e a presidência mambembe do eterno Sarney, agora enrolado nos atos secretos e na parentada empregada com os bons augúrios do fiel Agaciel Maia.
Tudo isso Lula fez e faz em nome da governabilidade, esta santa palavra que tudo explica, justifica, ampara e protege. Lula desconhece, porém, um detalhe da sabedoria popular que Neném Prancha resumiu com a habitual simplicidade: “Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa”.
Só no Brasil e só no Governo de Lula, à exceção dos generais da ditadura, se mistura com tanta desfaçatez dois poderes que deviam ser autônomos e independentes: o Executivo e o Legislativo. Sarney, esperto, disse em nota que a crise — ‘que não é dele, mas do Senado’ — criou-se só porque ele apóia o presidente Lula. Pendurou-se, sem nenhum disfarce, nas barbas de Lula. Para um poder já emasculado pelas medidas provisórias que atropelam e abastardam o Congresso, não é surpreendente o gesto de desespero de Sarney.
Inesperada, porém, é a forma cínica e despudorada com que Lula intervém na crise do Senado, atravessando fronteiras políticas e éticas, humilhando ainda mais um Parlamento que já não consegue se safar, com suas próprias forças, das atrapalhadas em que se mete. É preciso que o presidente do Planalto socorra o presidente do Senado, em nome do quê? Da governabilidade, ora essa!
Lula não está inquieto com a roubalheira, os maus feitos, as negociatas, a má imagem e o desgaste do Senado. Está preocupado, apenas, com o amigo e a aliança que lhe dá fôlego e futuro político, sabe-se lá a que preço. O país não deve se preocupar com tudo isso, diz Lula, porque é tudo denuncismo da imprensa, que gosta de publicar só notícia ruim. Lula gostaria de ver todo dia manchetes, artigos e editoriais festejando os gols de Ronaldo e os títulos do Corínthians. Mas Neném Prancha poderia lhe ensinar que a política, como o futebol, é uma caixinha de surpresa.
Este conúbio de Lula com Sarney e do PT com o PMDB lembra outra frase definitiva de Neném: “Casamento é coisa muito séria para terminar nas manchetes de jornais”. A crise atual virou manchete de jornais. E elas podem terminar com este casamento. Neném Prancha já avisou, Lula.
Luiz Cláudio Cunha é jornalista
É dele uma frase que define neste momento, com precisão, o corintiano Luiz Inácio Lula da Silva, também presidente da República: “Quem pede, recebe. Quem desloca, tem preferência”. Lula entrou de sola no jogo de várzea do Senado, pediu a bola da crise e recebeu, redondinha, a esférica confusão em que se meteu o time nada amador dos senadores.
Do Rio, do Irã, da Líbia, onde encontrasse um microfone, Lula calibrava a voz e disparava um petardo no ângulo, em defesa incondicional de José Sarney, ‘o presidente que não é um cidadão comum’. Foi ao ponto de atropelar o time de seu partido no Senado, a bancada do PT, para fazer a bancada engolir a idéia de afastamento preventivo do presidente sob suspeita. O líder do PT, Aloísio Mercadante, com cara de bola murcha, teve que subir à tribuna para ensaiar uma explicação complicada para o recuo inexplicável.
Indiferente ao ditador líbio Muammar Kadafi, ao seu lado, Lula ligou da África para Sarney para pedir que não fizesse nada até conversar com ele, pessoalmente. Dissimulado como sempre, Lula voltou ao Brasil e disse que não tinha nenhum encontro com Sarney.
Lula segue, à risca, uma lei imutável de Neném Prancha: “Joga a bola pra cima, enquanto ela estiver no alto não há perigo de gol”. O barbudo do Planalto tenta tirar a bola do meio-de-campo do Senado para salvar o bigodudo do Maranhão. Existe uma lógica nesta jogada que o esperto Neném reconheceria com outra frase lapidar: “O importante é o principal, o resto é secundário”.
Traduzindo: Lula não está preocupado com a integridade física de Sarney. O presidente está apreensivo, na verdade, é com a saúde política de seu governo. E nada traduz melhor a deficiência técnica deste governo do que a constatação de que ele, hoje, está pendurado nos fios embranquecidos do octogenário bigode de Sarney.
A política de Lula é como o futebol para Neném Prancha: “É muito simples – quem tem a bola, ataca; quem não tem, defende”. Ao ver Sarney manietado em campo, com pés e mãos politicamente amarrados pela mão boba de seu pupilo Agaciel Maia, Lula percebeu que o amigo precisava de defesa, já que a bola não sai do campo da oposição. Sem ela, não restou ao presidente outra saída senão a defesa, intransigente, inegociável, inarredável.
Defender Sarney é defender o PMDB, que vai defender as cores governistas no campeonato presidencial de 2010, armado em torno da favorita de Lula e do PT – Dilma Roussef, o Fenômeno do PT, uma espécie de Ronaldo mais magra do time escalado por Lula para manter a mão na taça no próximo mandato. Acuado, Lula acusou a oposição de forçar a renúncia de Sarney como uma tentativa de ganhar o Senado no ‘tapetão’.
No jogo bruto da política, o país acabou descobrindo uma vocação irrefreável de Lula: seu apetite para entrar no jogo alheio, sempre pelo lado errado, permanentemente atraído pelas causas piores.
Fez assim para salvar Antônio Carlos Magalhães, quando o líder baiano se enrolou nas fitas do mega-grampo patrocinado por ele na Bahia e arredores. O pedido de cassação do Conselho de Ética foi interceptado, a pedido de Lula, com o providencial engavetamento na Mesa Diretora do Senado, presidida então – quem, quem? – por ele, José Sarney.
Lula fez de novo ao mover seu time do PT para salvar Renan Calheiros, enrolado em confusões extra-conjugais e bois não contabilizados, que ameaçaram jogar seu mandato no brejo. E Lula faz agora, outra vez, para salvar a cara rosada e a presidência mambembe do eterno Sarney, agora enrolado nos atos secretos e na parentada empregada com os bons augúrios do fiel Agaciel Maia.
Tudo isso Lula fez e faz em nome da governabilidade, esta santa palavra que tudo explica, justifica, ampara e protege. Lula desconhece, porém, um detalhe da sabedoria popular que Neném Prancha resumiu com a habitual simplicidade: “Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa”.
Só no Brasil e só no Governo de Lula, à exceção dos generais da ditadura, se mistura com tanta desfaçatez dois poderes que deviam ser autônomos e independentes: o Executivo e o Legislativo. Sarney, esperto, disse em nota que a crise — ‘que não é dele, mas do Senado’ — criou-se só porque ele apóia o presidente Lula. Pendurou-se, sem nenhum disfarce, nas barbas de Lula. Para um poder já emasculado pelas medidas provisórias que atropelam e abastardam o Congresso, não é surpreendente o gesto de desespero de Sarney.
Inesperada, porém, é a forma cínica e despudorada com que Lula intervém na crise do Senado, atravessando fronteiras políticas e éticas, humilhando ainda mais um Parlamento que já não consegue se safar, com suas próprias forças, das atrapalhadas em que se mete. É preciso que o presidente do Planalto socorra o presidente do Senado, em nome do quê? Da governabilidade, ora essa!
Lula não está inquieto com a roubalheira, os maus feitos, as negociatas, a má imagem e o desgaste do Senado. Está preocupado, apenas, com o amigo e a aliança que lhe dá fôlego e futuro político, sabe-se lá a que preço. O país não deve se preocupar com tudo isso, diz Lula, porque é tudo denuncismo da imprensa, que gosta de publicar só notícia ruim. Lula gostaria de ver todo dia manchetes, artigos e editoriais festejando os gols de Ronaldo e os títulos do Corínthians. Mas Neném Prancha poderia lhe ensinar que a política, como o futebol, é uma caixinha de surpresa.
Este conúbio de Lula com Sarney e do PT com o PMDB lembra outra frase definitiva de Neném: “Casamento é coisa muito séria para terminar nas manchetes de jornais”. A crise atual virou manchete de jornais. E elas podem terminar com este casamento. Neném Prancha já avisou, Lula.
Luiz Cláudio Cunha é jornalista
Nenhum comentário:
Postar um comentário