Por que o Norte é tão rico? Por que o Sul é tão pobre?
OESP - publicado em novembro de 2003
Esqueça tudo o que você aprendeu sobre imperialismo, exploração e abundância de recursos naturais. Após décadas de estudos, os modernos cientistas sociais chegaram à conclusão que o fator determinante do sucesso ou do fracasso de uma nação é a quantidade que ela possui de "capital social".
O que, diabos, vem a ser isso? Grosso modo pode-se dizer que, no processo de interação econômica entre os membros de uma sociedade, não se acumula apenas capital físico - dinheiro - mas também capital social, que é o patrimônio de instituições, relações interpessoais e códigos de conduta que a comunidade assimila. Ao final das contas, não é a quantidade de capital econômico, mas sim a de capital social que determina se a comunidade tende ao sucesso ou ao fracasso.
Para entender como isso funciona é necessário que nos reportemos à história recente da Itália.
Desde a unificação do país, no século 19, os italianos viviam brigando entre si. O Norte da Itália, rico e desenvolvido, queixava-se de Roma, que só privilegiava o Sul, que é mais atrasado. O Sul, por sua vez, culpava o "imperialismo", exercido pelo Norte, por não conseguir se desenvolver. Em 1970, para acabar com a eterna briga, o parlamento decidiu descentralizar o governo, concedendo autonomia virtualmente total a cada uma das vinte províncias.
A experiência despertou o interesse de Harvard que mandou cientistas acompanhar o processo. A Itália, pelos seus contrastes, era uma amostragem do primeiro e do terceiro mundo. As conclusões, depois de 30 anos de pesquisas, foram surpreendentes.
Todas as províncias se tornaram autônomas em igualdade de condições. Mas as províncias do Norte, antes acusadas de "imperialistas", dispararam economicamente, tão logo "deixaram de sê-lo". Já as do Sul, ao "deixar de ser exploradas", deram um enorme passo para trás. O que determinou o sucesso de umas e o fracasso de outras?
"Capital social", é a resposta unânime dos pesquisadores. É ele que possibilita a cooperação mútua, a confiança recíproca e torna viável a ação coletiva. Quanto maior é esse capital, mais eficiente é a sociedade na consecução de seus objetivos.
Vamos tentar entender melhor. Por trás de toda sociedade próspera existe um alicerce moral, qual seja, um conjunto de normas e condutas éticas que a ninguém ocorre transigir. Essa cultura não pode ser imposta pelo Estado, mas sim nascer da própria comunidade. Todos agem corretamente, porque todos entendem que, para todos, é melhor assim. Os "malandros" sempre aparecem, mas tem vida curta. A própria comunidade, tão logo os identifica, trata de isolá-los e repudiá-los.
Não há nada de utópico nesse processo. Onde há capital social as pessoas se mostram propensas a interagir economicamente. E o fazem através de associações, cooperativas, crédito abundante e comércio. O ato de confiar no próximo faz parte das normas e costumes. Mas isso não se dá por ingenuidade. Fulano confia em Sicrano porque sabe de antemão que Sicrano, pensando na sua reputação, jamais lhe "dará o cano" e cumprirá fielmente o que tiver sido combinado entre eles.
As transações e associações, assim, se tornam mais comuns, ágeis e abrangentes. E isso amplia o leque de oportunidades e aumenta a prosperidade. O capital social, como o financeiro, se multiplica pela sua prática. Quanto mais experiências bem sucedidas se dão no presente, maior é o número de outras que se viabilizarão no futuro.
Voltando ao caso da Itália, os contrastes históricos e culturais entre Norte e Sul, fizeram toda a diferença. O Norte, fragmentado em cidades-Estado desde a Idade Média possuía uma herança cívica incomparavelmente maior do que o Sul, que sempre vivera em um regime semifeudal.
A sociedade, no Norte, era vibrante e atuante. Já no Sul se dava o contrário. Vivendo por séculos sob o despotismo, a dissimulação e a desconfiança mútua - mais do que costumes - eram regras de sobrevivência. Oportunismo era - e em parte ainda é - visto como virtude. Se Giovanni fraudava Giuseppe, o primeiro era incensado como esperto e o segundo tachado de otário. Sonegar impostos, mais do que um hábito, era uma obrigação. "Quem age direito, morre miserável", reza um famoso ditado calabrês...
Se no Norte o Estado era desnecessário, no Sul ele sempre foi inexistente. Para fazer cumprir os contratos não se recorria à justiça do Estado, mas sim a organizações como a Máfia. Em 1970, depois de instalados os governos provinciais, eles logo se tornaram fontes de privilégios e de clientelismo. Os novos burocratas haviam sido criados na mesma cultura. Como imaginar que no poder eles seriam diferentes?
O exemplo da Itália é um paradigma para entender as diferenças entre o mundo desenvolvido e o resto.
Por que a Europa se recuperou tão depressa da destruição da Segunda Guerra? Porque os seus povos detinham muito capital social.O resto veio por conseqüência.
No caso do Brasil, em termos de capital social, algo já foi conseguido, mas ainda falta um longo caminho a percorrer. E de nada adianta praguejar contra o imperialismo, o neocolonialismo ou o capitalismo internacional. As deficiências, infelizmente, são exclusivamente nossas.
Os cientistas sociais, hoje em dia, são unânimes ao afirmar: a única e efetiva riqueza que um povo possui são os laços sociais e cívicos que ele mesmo constrói.
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João Mellão Neto é jornalista
OESP - publicado em novembro de 2003
Esqueça tudo o que você aprendeu sobre imperialismo, exploração e abundância de recursos naturais. Após décadas de estudos, os modernos cientistas sociais chegaram à conclusão que o fator determinante do sucesso ou do fracasso de uma nação é a quantidade que ela possui de "capital social".
O que, diabos, vem a ser isso? Grosso modo pode-se dizer que, no processo de interação econômica entre os membros de uma sociedade, não se acumula apenas capital físico - dinheiro - mas também capital social, que é o patrimônio de instituições, relações interpessoais e códigos de conduta que a comunidade assimila. Ao final das contas, não é a quantidade de capital econômico, mas sim a de capital social que determina se a comunidade tende ao sucesso ou ao fracasso.
Para entender como isso funciona é necessário que nos reportemos à história recente da Itália.
Desde a unificação do país, no século 19, os italianos viviam brigando entre si. O Norte da Itália, rico e desenvolvido, queixava-se de Roma, que só privilegiava o Sul, que é mais atrasado. O Sul, por sua vez, culpava o "imperialismo", exercido pelo Norte, por não conseguir se desenvolver. Em 1970, para acabar com a eterna briga, o parlamento decidiu descentralizar o governo, concedendo autonomia virtualmente total a cada uma das vinte províncias.
A experiência despertou o interesse de Harvard que mandou cientistas acompanhar o processo. A Itália, pelos seus contrastes, era uma amostragem do primeiro e do terceiro mundo. As conclusões, depois de 30 anos de pesquisas, foram surpreendentes.
Todas as províncias se tornaram autônomas em igualdade de condições. Mas as províncias do Norte, antes acusadas de "imperialistas", dispararam economicamente, tão logo "deixaram de sê-lo". Já as do Sul, ao "deixar de ser exploradas", deram um enorme passo para trás. O que determinou o sucesso de umas e o fracasso de outras?
"Capital social", é a resposta unânime dos pesquisadores. É ele que possibilita a cooperação mútua, a confiança recíproca e torna viável a ação coletiva. Quanto maior é esse capital, mais eficiente é a sociedade na consecução de seus objetivos.
Vamos tentar entender melhor. Por trás de toda sociedade próspera existe um alicerce moral, qual seja, um conjunto de normas e condutas éticas que a ninguém ocorre transigir. Essa cultura não pode ser imposta pelo Estado, mas sim nascer da própria comunidade. Todos agem corretamente, porque todos entendem que, para todos, é melhor assim. Os "malandros" sempre aparecem, mas tem vida curta. A própria comunidade, tão logo os identifica, trata de isolá-los e repudiá-los.
Não há nada de utópico nesse processo. Onde há capital social as pessoas se mostram propensas a interagir economicamente. E o fazem através de associações, cooperativas, crédito abundante e comércio. O ato de confiar no próximo faz parte das normas e costumes. Mas isso não se dá por ingenuidade. Fulano confia em Sicrano porque sabe de antemão que Sicrano, pensando na sua reputação, jamais lhe "dará o cano" e cumprirá fielmente o que tiver sido combinado entre eles.
As transações e associações, assim, se tornam mais comuns, ágeis e abrangentes. E isso amplia o leque de oportunidades e aumenta a prosperidade. O capital social, como o financeiro, se multiplica pela sua prática. Quanto mais experiências bem sucedidas se dão no presente, maior é o número de outras que se viabilizarão no futuro.
Voltando ao caso da Itália, os contrastes históricos e culturais entre Norte e Sul, fizeram toda a diferença. O Norte, fragmentado em cidades-Estado desde a Idade Média possuía uma herança cívica incomparavelmente maior do que o Sul, que sempre vivera em um regime semifeudal.
A sociedade, no Norte, era vibrante e atuante. Já no Sul se dava o contrário. Vivendo por séculos sob o despotismo, a dissimulação e a desconfiança mútua - mais do que costumes - eram regras de sobrevivência. Oportunismo era - e em parte ainda é - visto como virtude. Se Giovanni fraudava Giuseppe, o primeiro era incensado como esperto e o segundo tachado de otário. Sonegar impostos, mais do que um hábito, era uma obrigação. "Quem age direito, morre miserável", reza um famoso ditado calabrês...
Se no Norte o Estado era desnecessário, no Sul ele sempre foi inexistente. Para fazer cumprir os contratos não se recorria à justiça do Estado, mas sim a organizações como a Máfia. Em 1970, depois de instalados os governos provinciais, eles logo se tornaram fontes de privilégios e de clientelismo. Os novos burocratas haviam sido criados na mesma cultura. Como imaginar que no poder eles seriam diferentes?
O exemplo da Itália é um paradigma para entender as diferenças entre o mundo desenvolvido e o resto.
Por que a Europa se recuperou tão depressa da destruição da Segunda Guerra? Porque os seus povos detinham muito capital social.O resto veio por conseqüência.
No caso do Brasil, em termos de capital social, algo já foi conseguido, mas ainda falta um longo caminho a percorrer. E de nada adianta praguejar contra o imperialismo, o neocolonialismo ou o capitalismo internacional. As deficiências, infelizmente, são exclusivamente nossas.
Os cientistas sociais, hoje em dia, são unânimes ao afirmar: a única e efetiva riqueza que um povo possui são os laços sociais e cívicos que ele mesmo constrói.
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João Mellão Neto é jornalista
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