Escrito por Léo Lince
16-Abr-2009
Antigamente, muito antigamente, a palavra "pacto" era usada para designar acontecimentos políticos de larga densidade e elevada envergadura. Era a busca, por parte de forças vivas da sociedade, em momentos de crise profunda ou de ruptura radical na ordem política, de novos caminhos para o convívio social. Coisa séria, resultante de expectativas tensas e demandas debatidas com transparência e sob o olhar vigilante da cidadania.
Nada parecido com a estranhíssima reunião que os jornais da semana noticiaram sob a designação solene e inadequada de "Pacto Republicano". Na semana anterior, ninguém sabia de tal evento. Tampouco ninguém sabe o que será dele amanhã. Até porque, a julgar pela versão desencontrada dos jornais, ninguém sabe ao certo do que tratou e o que foi resolvido na referida reunião.
Um jornal, a Folha de S. Paulo, abre manchete que fala em pacto contra o abuso de autoridade, na linha das exigências veiculadas pela direita togada. Outro, o Globo, fala em pacto para possibilitar o arresto de bens sem autorização judicial, que seria do interesse do Executivo. Factóide? Espetáculo que se esgota em si mesmo? Mero acerto entre autoridades que se precatam para as turbulências da crise? Acontecimento opaco, como sempre, aguça desconfianças e estimula as mais variadas especulações.
Sobre o motivo gerador da iniciativa, ao contrário, há convergência no noticiário. Segundo está nos jornais, integrantes da cúpula do Judiciário, do Executivo e do Congresso estão insatisfeitos com a atuação de delegados, procuradores e juízes em investigações. A idéia do mal chamado "pacto republicano" teria surgido em julho do ano passado, em razão das investigações da Polícia Federal, na Operação Satiagraha. A prisão do banqueiro Daniel Dantas, tudo indica, foi o divisor de águas e o sinal de alerta que acordou as autoridades.
Todos sabem que juízes independentes, Ministério Público autônomo, Polícia Federal republicana, sem dúvida, são elementos decisivos para o funcionamento de uma república digna deste nome, onde todos são iguais perante a lei. No entanto, se a lei se sustenta em outros pilares e só é dura para os pobres, a independência de juiz, a autonomia de procuradores e o republicanismo de delegados são um estorvo. Uma ameaça, um risco a ser conjurado.
Sobre o acontecido no dia 13 de abril, cabe ao cidadão decidir: foi um "pacto republicano" ou um mero contubérnio de autoridades? O perfil dos participantes ajuda a responder a questão. Lá estavam os titulares dos três poderes de nossa tão maltratada República. José Sarney e Michel Temer, autênticos representantes do grupo da "moral homogênea" (expressão do saudoso Márcio Moreira Alves) que controla o PMDB, na condição de novos presidentes das duas casas do Parlamento. Gilmar Mendes, expressão contundente da direita togada, na condição de presidente do STF, onde deu plantão para soltar por duas vezes o banqueiro preso. E o presidente de República, a metamorfose ambulante que, cansado de ter opinião formada sobre tudo, agora relaxa e goza os benefícios do poder.
Aliás, uma frase do discurso proferido na ocasião pelo presidente Lula define bem o clima da reunião em pauta. Em alto e bom som, disse ele: "ninguém aqui é freira e santa, e não estamos em um convento". Sem dúvida, um preâmbulo adequado para a malha de cumplicidades ou para um pacto de anormais.
Léo Lince é sociólogo.
16-Abr-2009
Antigamente, muito antigamente, a palavra "pacto" era usada para designar acontecimentos políticos de larga densidade e elevada envergadura. Era a busca, por parte de forças vivas da sociedade, em momentos de crise profunda ou de ruptura radical na ordem política, de novos caminhos para o convívio social. Coisa séria, resultante de expectativas tensas e demandas debatidas com transparência e sob o olhar vigilante da cidadania.
Nada parecido com a estranhíssima reunião que os jornais da semana noticiaram sob a designação solene e inadequada de "Pacto Republicano". Na semana anterior, ninguém sabia de tal evento. Tampouco ninguém sabe o que será dele amanhã. Até porque, a julgar pela versão desencontrada dos jornais, ninguém sabe ao certo do que tratou e o que foi resolvido na referida reunião.
Um jornal, a Folha de S. Paulo, abre manchete que fala em pacto contra o abuso de autoridade, na linha das exigências veiculadas pela direita togada. Outro, o Globo, fala em pacto para possibilitar o arresto de bens sem autorização judicial, que seria do interesse do Executivo. Factóide? Espetáculo que se esgota em si mesmo? Mero acerto entre autoridades que se precatam para as turbulências da crise? Acontecimento opaco, como sempre, aguça desconfianças e estimula as mais variadas especulações.
Sobre o motivo gerador da iniciativa, ao contrário, há convergência no noticiário. Segundo está nos jornais, integrantes da cúpula do Judiciário, do Executivo e do Congresso estão insatisfeitos com a atuação de delegados, procuradores e juízes em investigações. A idéia do mal chamado "pacto republicano" teria surgido em julho do ano passado, em razão das investigações da Polícia Federal, na Operação Satiagraha. A prisão do banqueiro Daniel Dantas, tudo indica, foi o divisor de águas e o sinal de alerta que acordou as autoridades.
Todos sabem que juízes independentes, Ministério Público autônomo, Polícia Federal republicana, sem dúvida, são elementos decisivos para o funcionamento de uma república digna deste nome, onde todos são iguais perante a lei. No entanto, se a lei se sustenta em outros pilares e só é dura para os pobres, a independência de juiz, a autonomia de procuradores e o republicanismo de delegados são um estorvo. Uma ameaça, um risco a ser conjurado.
Sobre o acontecido no dia 13 de abril, cabe ao cidadão decidir: foi um "pacto republicano" ou um mero contubérnio de autoridades? O perfil dos participantes ajuda a responder a questão. Lá estavam os titulares dos três poderes de nossa tão maltratada República. José Sarney e Michel Temer, autênticos representantes do grupo da "moral homogênea" (expressão do saudoso Márcio Moreira Alves) que controla o PMDB, na condição de novos presidentes das duas casas do Parlamento. Gilmar Mendes, expressão contundente da direita togada, na condição de presidente do STF, onde deu plantão para soltar por duas vezes o banqueiro preso. E o presidente de República, a metamorfose ambulante que, cansado de ter opinião formada sobre tudo, agora relaxa e goza os benefícios do poder.
Aliás, uma frase do discurso proferido na ocasião pelo presidente Lula define bem o clima da reunião em pauta. Em alto e bom som, disse ele: "ninguém aqui é freira e santa, e não estamos em um convento". Sem dúvida, um preâmbulo adequado para a malha de cumplicidades ou para um pacto de anormais.
Léo Lince é sociólogo.
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