quinta-feira, 15 de dezembro de 2005

Perenização da crise?

Perenização da crise?

As CPIs e a avalanche de denúncias transformadas em espetáculo mediático estão cansando. O ritual é tedioso, os "suas excelências" e "sua senhorias"soam hilárias e o amontoado de mentiras e negações dos convocados transformam as sessões, em grande parte, numa opera bufa. O resultado final é até agora decepcionante porque, se corruptos foram identificados, seus corruptores permanecem em grande parte acobertados.
Nisso tudo há um risco, da perenização da crise. Ela realiza aquilo que Antônio Gramsci denunciava das crises mal digeridas:"o velho resiste em morrer e o novo não consegue nascer". Traduzindo para o nosso contexto: a oposição não consegue o impeachment do Presidente e o Presidente não tem mais força moral para novas iniciativas. Usando uma expressão de Tocqueville, " o passado [do PT e de Lula] não ilumina mais o futuro e o espírito caminha nas trevas".
Isso é politicamente ruim porque começa a prevalecer a resignação e a desesperança. Ninguém espera mais coisa nenhuma e a conclusão que fica na cabeça do povo, comprovada nas ruas e nos bares, é esta: os políticos, também do PT, são todos iguais; só pensam em si mesmos e o povo que se dane. Ninguém faz como Gandhi ou como Dom Frei Luiz Flávio Cappio que assumiram posições claras e foram até o fim, oferecendo a sacrificação das próprias vidas.
Em momentos assim faz sentido evocar a utopia, de que nem tudo termina com o atual fracasso histórico. A acumulação de forças continua, os protestos e as ânsias de mudanças mantém viva resistência. Mas precisa-se ir além, buscar a libertação, fruto da ação organizada dos oprimidos. Essa perspectiva abre o futuro. Se não, por que tanto sofrimento? Recuso-me a aceitar que o sofrimento de tantos e tantos séculos tenha sido em vão. A memória dos vencidos é sempre perigosa, capaz de provocar grandes mudanças. Elas irão um dia acontecer porque representam o que deve ser.
Como ensinava o filósofo Ernst Bloch, eminente estudioso das utopias e do princípio esperança: as utopias são apenas verdades prematuras ou verdades de amanhã. Se rebaixarmos este horizonte, nos condenamos ao imobilismo e aceitamos a morte antes de morrer.
Por isso, por nossa parte, continuamos teimosamente sustentando que a política é o campo onde mais virtudes e valores se condensam e que por isso também pode concentrar o maior conjunto de vícios e velhacarias que se pode imaginar. Mas ela, em sua natureza genuina, não é outra coisa senão a busca comum do bem comum. É mais que profissão, é missão de serviço à coisa pública (dai sua essencial dimensão republicana), é cuidado para com a vida do povo, é a arte de realizar para o maior número possível de pessoas as condições para uma discreta alegria de conviver e de desfrutar, apesar de todas as limitações, o curto tempo que nos toca passar por este pequeno planeta Terra.
Se tal sonho for abandonado, a política vira negócio e instalamos a república dos vendilhões, dos corruptos, dos narcisistas que buscam sempre o holofote e que desprezam a democracia e a moralidade que a toda hora proclamam.
O povo brasileiro tem um compromisso com a esperança e com o futuro. É sinal claro de que a história pode ganhar outro rumo, melhor do que aquele vivido até o presente. Nada resiste a uma esperança teimosa. Um dia ela vai triunfar.

LEONARDO BOFF

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