sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Lula e Geisel, iguais?!

João Mellão Neto


Meu caro Lula, agora que seus oito anos de governo estão chegando ao fim já dá para fazer um balanço realista do que foi obtido de concreto nesse período. Não há risco de que seus acólitos argumentem que tudo o que digo a seguir tenha finalidades inconfessáveis ou de fundo eleitoreiro. Você já logrou consagrar nas urnas a sua sucessora e nada mais pode mudar isso… Vamos, então, falar com franqueza.

Eu bem me recordo de ter tomado ciência de sua existência no longínquo ano de 1977, quando ingressei na faculdade e me entusiasmei com o movimento estudantil. Você já era uma celebridade, pois exercia o posto de presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo. Ao que tudo indicava, estava se iniciando – como nunca antes se vira neste país – um “movimento sindical independente”.

Nós, universitários, acreditávamos piamente em tudo o que você e os professores simpáticos à sua causa diziam. Mais do que acreditar, nós nos dispúnhamos a sair às ruas para manifestar o nosso desagrado com “tudo aquilo que estava aí”… Eram os tempos do famigerado “regime militar” – a “ditadura” que vocês não se cansam de execrar. O presidente de plantão era o general Ernesto Geisel e, bem me lembro, tudo o que ele fazia era recriminado no mesmo dia, em sala de aula.

Agora, passado tanto tempo, dou tratos à memória e percebo que quase tudo o que vocês tanto repudiavam foi realizado quando chegaram ao poder. Não dá para “pedir meu dinheiro de volta”. Nós, então jovens, não investimos dinheiro em vocês. Muito mais que isso, investimos nosso tempo, nosso empenho e nossos sonhos nas suas causas. Essas coisas não há como recuperar.

Comecemos pela questão sindical: vocês alegavam que todos os líderes sindicais de até então eram “pelegos” – ou seja, faziam o jogo dos patrões e do governo. Já vocês eram diferentes. Pois bem, é com grande pesar que a gente se dá conta de que, de uns anos para cá, todas as centrais trabalhistas se uniram. E todas apoiam o governo… Cadê aquela altivez e a independência a que vocês se propunham?

Até mesmo a União Nacional dos Estudantes (UNE), que sempre foi de oposição, agora se declara a favor… Não foi para isso que, naquela época, a gente se empenhou tanto…

Tudo se repete. Pois não foram justamente os governantes militares, que vocês não se cansam de detratar, que apelaram exaustivamente para o discurso fácil do nacionalismo triunfalista?

“Brasil potência”, “Nação emergente”, “o Brasil, agora, é respeitado lá fora”: tudo isso não lhe soa familiar? O seu pessoal e também você vivem repetindo esses mantras. Mas essas expressões eram típicas do regime militar. Basta reler o Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), da gestão Geisel. Estão todas lá.

Será possível que vocês agora tenham dado de ressuscitar coisas da era Geisel? E as semelhanças não se revelam só no campo da retórica. Tem muito mais.

A política externa dita independente foi um dos trunfos de Geisel. O general assumia publicamente o seu antiamericanismo e o exercia, na prática, voltando os esforços do Itamaraty para o continente africano e demais países “subdesenvolvidos”. Como não dava (e ainda não dá) para viver sem nenhum país rico por perto, o Brasil, à época, voltou-se para a Alemanha, definida, então, como “parceira estratégica”.

A “parceira estratégica”, agora, é a França. A ideia, desde sempre, é a de fustigar os Estados Unidos.

Você, presidente Lula, se aliou ao Irã. Esse país, além de estar sob uma ditadura, está sendo condenado pela comunidade das nações porque vem desenvolvendo um programa nuclear paralelo com vista à bomba.

Pois nos tempos do general Ernesto Geisel quem era recriminado pelo conjunto das nações pelo mesmo motivos éramos nós, os brasileiros. E pagamos caro por isso. Alguns anos depois, já na década de 1980, a conjuntura econômica internacional mudou e o Brasil, com isso, quebrou. Fomos lá, pedir ajuda, justamente àquelas nações ricas de que antes tripudiávamos.

Os governos militares, como agora com você, Lula, também acreditavam no “Estado forte”. E no texto do II PND deixavam isso muito claro. Cabia ao Estado criar mecanismos para “distribuir renda” e também “nortear e impulsionar o desenvolvimento”. Como? Por meio dos investimentos das empresas estatais e também do crédito abundante para as poucas empresas privadas que – aos olhos deles – “reuniam condições de se tornarem grandes”.

Exatamente como o seu governo vem fazendo – valendo-se do BNDES e de outros meios. Está certo isso?

Como dizia, em 1977, um professor de Economia lá da minha faculdade – que, mais tarde, seria um político bem-sucedido do PT, “este tipo de política é danoso para a economia e também muito questionável, no campo moral. Para a economia é ruim porque cria “oligopólios” em cada um dos setores do mercado. Três marcas de carros, três marcas de sabonete, três grandes bancos, etc. Oligopólios são preguiçosos e seus membros nunca concorrem entre si. E, portanto, não inovam. No campo moral o problema é que cabe exclusivamente ao governo decidir quais as empresas que podem ter crédito subsidiado e a longo prazo. As suas concorrentes que afundem no mar. No caso, o mercado. E os critérios serão sempre subjetivos e nada transparentes. Para que investir em eficiência? Vale mais ter bons contatos no governo e ser amigo do rei.”

Mudando de assunto, qual é, afinal, a diferença entre o II PND e o PAC? Não só os argumentos, como também as palavras e expressões são idênticos…

É isso aí, Lula. Você está prestes a descer a rampa e se juntar a nós, mortais comuns, na planície. E eu lhe pergunto: como faço, agora, para resgatar a minha juventude? Mande parar o Brasil, porque eu quero descer!

Artigo publicado no jornal “O Estado de São Paulo” em 19/11/2010.

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