Ajuda aos pilotos do Legacy
Atendendo aos EUA, diplomata do Itamaraty pediu a juízes por liberação de pilotos americanos
Roberto Maltchik e Paulo Marqueiro, O Globo
Os Estados Unidos se valeram de diplomatas brasileiros para pressionar o Judiciário a permitir que os pilotos americanos Joseph Lepore e Jan Paladino — que conduziam o jato Legacy quando a aeronave colidiu com o Boeing da Gol, em 29 de setembro de 2006, em Mato Grosso — fossem liberados para voltar para seu país. No acidente, até então o mais grave da aviação comercial brasileira, 154 pessoas morreram, entre passageiros e tripulantes do voo 1907.
Documentos enviados pela embaixada americana em Brasília ao Departamento de Estado dos EUA, revelados pelo grupo WikiLeaks, detalham as gestões para apressar a volta dos pilotos para casa.
Num telegrama confidencial de 17 de novembro de 2006, o conselheiro da embaixada americana Phillip Chicola relata o pedido do cônsul-geral Simon Henshaw ao diretor do Departamento de Comunidades Brasileiras no Exterior, embaixador Manoel Gomes Pereira, para levar aos juízes do Tribunal Regional Federal da 1 Região "suas preocupações" quanto à situação dos pilotos.
"O embaixador Pereira disse que ele levaria nossas preocupações à Corte que analisa o pedido dos pilotos para deixar o Brasil. Ele disse que faria isso oralmente, pois temia que uma comunicação formal por escrito gerasse uma reação contra os pilotos", disse Chicola.
Exatamente uma semana mais tarde, Chicola envia novo telegrama, desta vez para dizer que o diplomata brasileiro mandou o recado. Porém, Gomes Pereira advertiu que a insistência nesse tipo de contato poderia prejudicar os pilotos: "O embaixador Manoel Gomes Pereira ligou para dizer que ele tinha feito contato com dois dos juízes que analisam o recurso dos pilotos, falando de nossa preocupação. Ele alertou que nenhuma outra ação deveria ser feita até a decisão, já que os juízes não gostam de pressões externas."
O GLOBO teve acesso a nove telegramas, cinco deles confidenciais, vazados pelo WikiLeaks sobre o tema. Os documentos mostram que havia temor de que os americanos ficassem retidos por um longo período.
À época das manobras de bastidores, a sociedade já sabia que Paladino e Lepore trafegavam no espaço aéreo brasileiro com o transponder — equipamento que sinaliza a aproximação perigosa entre duas aeronaves — desligado. Também era público que estavam voando em altitude incorreta em relação ao plano de voo.
No dia 1 de dezembro, o embaixador Clifford Sobel relata, em outra mensagem confidencial, que o "confuso processo legal brasileiro" tornava a decisão "mais demorada do que deveria". Ele reafirma que novas ações para pressionar os juízes poderiam ser mal interpretadas. Porém, aposta numa "visita cortesia" à embaixada brasileira em Washington em busca de apoio do governo à liberação dos pilotos.
"A embaixada não se opõe a que Washington se aproxime da embaixada brasileira, já que isso poderia ser retratado como uma visita de cortesia e não como pressão adicional."
Entretanto, Sobel prepara o Departamento de Estado para uma eventual derrota no TRF. Revela que o advogado dos pilotos acreditava que, nessa eventualidade, seria vencedor no Superior Tribunal de Justiça (STJ). O embaixador lembra a Washington que o advogado é Théo Dias, filho do ex-ministro da Justiça José Carlos Dias.
"O advogado dos pilotos (filho de um ex-ministro da Justiça) acredita que se ele falhar no tribunal federal vai vencer na instância superior, o Superior Tribunal de Justiça. Nosso advogado sugeriu que, se o apelo dos pilotos for rejeitado, consideremos uma aproximação discreta com o ministro da Justiça, pedindo a ele que faça contato com o Superior Tribunal", diz Sobel no telegrama.
O mesmo telegrama revela que Sobel compartilhava com o Departamento de Estado da frustração sobre o modo como as investigações sobre o caso estavam sendo conduzidas, especialmente pela rápida abertura de processo criminal. Mas adverte que seria melhor esperar que os pilotos partissem para só depois criticar o fato.
Em 5 de dezembro, o TRF concedeu o habeas corpus, que garantiu a Paladino e Lepore o direito de retornar aos Estados Unidos. Os três magistrados da Corte entenderam que a lei brasileira não respalda a restrição à liberdade de locomoção dos estrangeiros.
Não é possível saber, por meio dos telegramas revelados pelo WikiLeaks, se a pressão americana teve influência sobre a decisão do Judiciário.
Os pilotos deixaram o país em 8 de dezembro de 2006, depois de serem indiciados pela Polícia Federal com base no artigo 261 do Código Penal (expor a perigo embarcação ou aeronave própria ou alheia).
Entre numerosos relatos atualizados sobre o caos aéreo — sempre pontuados por referências sobre o comportamento da sociedade em relação à responsabilidade dos pilotos na tragédia com o Boeing da Gol — destaca-se uma longa conversa entre diplomatas americanos e o deputado federal ACM Neto (DEM-BA).
Depois de registrar as pesadas críticas do parlamentar de oposição à política para enfrentar a crise, Sobel afirma que o deputado reforça a convicção de que o governo Lula continuava a sofrer "de uma profunda falta de competência em decisões executivas":
"Ele (o governo) pode manter um importante programa de distribuição de renda, mas é absolutamente incapaz de lidar com os grandes problemas estruturais, que têm resultado em seis meses de caos aéreo. Num país do tamanho do Brasil, onde as viagens aéreas são essenciais, isso representa uma enorme falha da liderança de Lula", afirma o embaixador dos Estados Unidos.
Atendendo aos EUA, diplomata do Itamaraty pediu a juízes por liberação de pilotos americanos
Roberto Maltchik e Paulo Marqueiro, O Globo
Os Estados Unidos se valeram de diplomatas brasileiros para pressionar o Judiciário a permitir que os pilotos americanos Joseph Lepore e Jan Paladino — que conduziam o jato Legacy quando a aeronave colidiu com o Boeing da Gol, em 29 de setembro de 2006, em Mato Grosso — fossem liberados para voltar para seu país. No acidente, até então o mais grave da aviação comercial brasileira, 154 pessoas morreram, entre passageiros e tripulantes do voo 1907.
Documentos enviados pela embaixada americana em Brasília ao Departamento de Estado dos EUA, revelados pelo grupo WikiLeaks, detalham as gestões para apressar a volta dos pilotos para casa.
Num telegrama confidencial de 17 de novembro de 2006, o conselheiro da embaixada americana Phillip Chicola relata o pedido do cônsul-geral Simon Henshaw ao diretor do Departamento de Comunidades Brasileiras no Exterior, embaixador Manoel Gomes Pereira, para levar aos juízes do Tribunal Regional Federal da 1 Região "suas preocupações" quanto à situação dos pilotos.
"O embaixador Pereira disse que ele levaria nossas preocupações à Corte que analisa o pedido dos pilotos para deixar o Brasil. Ele disse que faria isso oralmente, pois temia que uma comunicação formal por escrito gerasse uma reação contra os pilotos", disse Chicola.
Exatamente uma semana mais tarde, Chicola envia novo telegrama, desta vez para dizer que o diplomata brasileiro mandou o recado. Porém, Gomes Pereira advertiu que a insistência nesse tipo de contato poderia prejudicar os pilotos: "O embaixador Manoel Gomes Pereira ligou para dizer que ele tinha feito contato com dois dos juízes que analisam o recurso dos pilotos, falando de nossa preocupação. Ele alertou que nenhuma outra ação deveria ser feita até a decisão, já que os juízes não gostam de pressões externas."
O GLOBO teve acesso a nove telegramas, cinco deles confidenciais, vazados pelo WikiLeaks sobre o tema. Os documentos mostram que havia temor de que os americanos ficassem retidos por um longo período.
À época das manobras de bastidores, a sociedade já sabia que Paladino e Lepore trafegavam no espaço aéreo brasileiro com o transponder — equipamento que sinaliza a aproximação perigosa entre duas aeronaves — desligado. Também era público que estavam voando em altitude incorreta em relação ao plano de voo.
No dia 1 de dezembro, o embaixador Clifford Sobel relata, em outra mensagem confidencial, que o "confuso processo legal brasileiro" tornava a decisão "mais demorada do que deveria". Ele reafirma que novas ações para pressionar os juízes poderiam ser mal interpretadas. Porém, aposta numa "visita cortesia" à embaixada brasileira em Washington em busca de apoio do governo à liberação dos pilotos.
"A embaixada não se opõe a que Washington se aproxime da embaixada brasileira, já que isso poderia ser retratado como uma visita de cortesia e não como pressão adicional."
Entretanto, Sobel prepara o Departamento de Estado para uma eventual derrota no TRF. Revela que o advogado dos pilotos acreditava que, nessa eventualidade, seria vencedor no Superior Tribunal de Justiça (STJ). O embaixador lembra a Washington que o advogado é Théo Dias, filho do ex-ministro da Justiça José Carlos Dias.
"O advogado dos pilotos (filho de um ex-ministro da Justiça) acredita que se ele falhar no tribunal federal vai vencer na instância superior, o Superior Tribunal de Justiça. Nosso advogado sugeriu que, se o apelo dos pilotos for rejeitado, consideremos uma aproximação discreta com o ministro da Justiça, pedindo a ele que faça contato com o Superior Tribunal", diz Sobel no telegrama.
O mesmo telegrama revela que Sobel compartilhava com o Departamento de Estado da frustração sobre o modo como as investigações sobre o caso estavam sendo conduzidas, especialmente pela rápida abertura de processo criminal. Mas adverte que seria melhor esperar que os pilotos partissem para só depois criticar o fato.
Em 5 de dezembro, o TRF concedeu o habeas corpus, que garantiu a Paladino e Lepore o direito de retornar aos Estados Unidos. Os três magistrados da Corte entenderam que a lei brasileira não respalda a restrição à liberdade de locomoção dos estrangeiros.
Não é possível saber, por meio dos telegramas revelados pelo WikiLeaks, se a pressão americana teve influência sobre a decisão do Judiciário.
Os pilotos deixaram o país em 8 de dezembro de 2006, depois de serem indiciados pela Polícia Federal com base no artigo 261 do Código Penal (expor a perigo embarcação ou aeronave própria ou alheia).
Entre numerosos relatos atualizados sobre o caos aéreo — sempre pontuados por referências sobre o comportamento da sociedade em relação à responsabilidade dos pilotos na tragédia com o Boeing da Gol — destaca-se uma longa conversa entre diplomatas americanos e o deputado federal ACM Neto (DEM-BA).
Depois de registrar as pesadas críticas do parlamentar de oposição à política para enfrentar a crise, Sobel afirma que o deputado reforça a convicção de que o governo Lula continuava a sofrer "de uma profunda falta de competência em decisões executivas":
"Ele (o governo) pode manter um importante programa de distribuição de renda, mas é absolutamente incapaz de lidar com os grandes problemas estruturais, que têm resultado em seis meses de caos aéreo. Num país do tamanho do Brasil, onde as viagens aéreas são essenciais, isso representa uma enorme falha da liderança de Lula", afirma o embaixador dos Estados Unidos.
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