sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Gabeira presidente

Domingo, 26 de outubro. Depois das 19h, as urnas do Rio de Janeiro já não permitiam dúvidas ou ilusões sobre a escolha do peemedebista Eduardo Paes para prefeito da cidade. Uma das redes nacionais de TV começa a transmitir sons e imagens do salão de conferências de um hotel da Zona Sul, à espera da entrevista coletiva do verde Fernando Gabeira, para reconhecimento da derrota. Mesmo na agitação geral da entrada do candidato, dá para ouvir o grito do fundo da sala, captado com nitidez pelo microfone em cima da mesa: "Gabeira Presidente!".

Na Bahia, de onde acompanhava o anticlímax da eleição carioca, deu para ver também o ar de sobressalto exibido por Gabeira, diante da palavra de ordem. Reação, aparentemente, causada pela descarga de eletricidade que costuma percorrer a espinha em momentos assim. O impacto é visível igualmente no rosto de alguns integrantes do grupo de aliados e amigos que acompanhavam o candidato, naquele momento dos mais complicados para qualquer político, por mais sereno e sem ambição que ele seja.

Mais tarde comento com alguns colegas de profissão e amigos mais próximos, em Salvador, o episódio do grito "Gabeira presidente", que passou batido nas perguntas da coletiva. Até onde sei, não mereceu também referência específica nos noticiários daquela noite nas rádios e tevês, nem nas matérias sobre o "day after" da votação, nos jornais impressos de segunda-feira. Ouvi de alguns: "este fato é irrelevante". Outros completaram: ninguém "de bom senso" pode imaginar Gabeira aventurando-se em disputa presidencial, pois ele acaba de sair das urnas com a sua eleição de Senador praticamente garantida, pelo Rio de Janeiro. E, se forçar um pouco, de governador em 2010.

Ainda assim fiquei "meio encucado", para usar expressão tão cara e familiar aos sobreviventes dos anos 60. Só senti algum alívio quando deparei esta semana com uma enquete no Blog do Noblat e, principalmente , ao ler o artigo "O voto que não dei", assinado por Carlos Heitor Cony, na edição da Folha de S. Paulo, dois dias depois da apuração do mais empolgante pleito municipal de 2008.

Cony revela não ter comparecido à sua secção eleitoral para cumprir o chamado "dever cívico" de votar, no último domingo. Tudo bem. Caetano Veloso, um dos mais destacados cabos eleitorais de Gabeira na campanha, também não votou no segundo turno - a constatação coube ao incansável repórter do CQC, Felipe Andreolli, que passou horas de plantão sob um sol de ferver miolos, na frente do prédio onde vota o artista, até o derradeiro votante, e o autor de "Sem lenço nem documento" não apareceu. Estava na Itália cumprindo compromisso profissional, como se saberia depois.

No texto primoroso de seu espaço na página de Opinião da Folha, Cony dá justificativa mais prosaica para a sua ausência. Disse que votaria nos dois candidatos que se apresentaram ao eleitorado carioca, mas a lei proíbe esse gesto de solidariedade e reconhecimento, e seu voto seria anulado. "Queimando etapas, preferi ficar em casa", explica.

O escritor e jornalista, apesar da abstenção, exalta a mensagem positiva dada mais uma vez ao Brasil pelo eleitorado do Rio de Janeiro, "ao escolher um prefeito tradicional em termos políticos, jovem, preparado administrativamente para o dia-a-dia inglório de uma cidade cheia de encantos mil, mas de problemas também mil. Em seguida, o justo reconhecimento de que a grande novidade mesmo foi o candidato derrotado, que trouxe uma idéia nova em termos eleitorais.

"Sem experiência de executivo, pensador em horário integral", Gabeira, segundo o autor de "O Ato e o Fato", um dos livros de textos básicos da minha formação profissional, explicitou uma proposta conceitual para o debate político. "Perdeu eleitoralmente, mas ganhou politicamente", constata com precisão o articulista.

Mas onde eu quero chegar mesmo é em outra conclusão emblemática do texto publicado na Folha. O autor confessa que se fosse obrigado a votar domingo passado, com uma arma nas costas, teria votado em Paes para prefeito, mas guardaria Gabeira - "prefeito ele seria um desperdício" - para votar na próxima sucessão presidencial. "Não estaria votando num candidato, muito menos num partido ou ideologia. Estaria votando numa visão nova de encarar a sociedade e o Estado".

Na mosca, Cony! "Gabeira Presidente!" A esperança continua!


Vitor Hugo Soares é jornalista - E-mail:vitors.h@ig.com.br

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