A nova moda é debater, furiosamente, se o presidente do Equador, Rafael Correa, está certo ou errado no que está fazendo com o Brasil. Em primeiro lugar, é preciso entender o que ele "está fazendo com o Brasil", certo?
Correa, um cara jovem, bem intencionado e bem formado, começou direito. Botou a boca no trombone e exigiu reparação da construtora Odebrecht, responsável pela construção da segunda maior usina do país, a São Francisco, que em um ano já estava toda bichada e parou de funcionar. A empresa brasileira respondeu que a culpa toda foi da erupção de um vulcão. Sim, e o projeto não previu isso? E o desgaste prematuro das turbinas, o que tem a ver com vulcão?
Na época, até escrevi uma coluna na "Folha de S.Paulo" terminando assim: "Respeito é bom, e o Equador merece". Mas... Correa ficou extasiado com seus 15 minutos de glória e transformou a justa indignação contra uma empresa privada numa guerrinha política contra os "yankees" do Sul, que somos nós, o Brasil.
Depois de um decreto expulsando a Odebrecht e vetando a saída do país de quatro dos seus funcionários (pelo menos um deles já estava fora), Correa foi num crescendo contra o Brasil: deixou de atacar não apenas uma empresa privada e estendeu a ira para Furnas, que nem tem negócios no Equador, para a Petrobras, que tem muitos projetos lá, e, enfim, passou para a ameaça do calote no BNDES. São três entes públicos. O governo brasileiro não poderia fazer ouvidos moucos.
Se foram condescendentes --até, talvez, em demasia-- com a Bolívia de Evo Morales, Lula e o Itamaraty começaram também leves com Correa, quando a coisa era exclusivamente contra uma empresa privada e com um motivo aceitável. Mas não dava para ver a escalada e continuar oferecendo a outra face para sempre. A reação brasileira foi dura com a suspensão de uma missão técnica a Quito e mais dura ainda agora, com a volta do embaixador Antonino Marques Porto. E precisava ser assim.
Lula ficou irritado com Correa no conteúdo, mas mais ainda na forma. Diplomacia se faz assim: Correa avisa a Lula, ou manda avisar ao chanceler Celso Amorim, que está danado da vida, pensando em recorrer à arbitragem internacional para dar o calote no BNDES. Passo seguinte, o Brasil se informa, analisa o caso e pede tempo, para ver o que é negociável, sem chegar ao ponto de jogar a crise para Paris. E os dois sentam, põem as cartas na mesa e tentam chegar a um acordo.
Mas Correa não é assim, não faz assim. Conversa com Lula, muy amigo, num dia. No dia seguinte, anuncia uma bomba contra o Brasil. Depois, manda seus assessores conversarem com o embaixador brasileiro num dia, sem falar nada da arbitragem, e no dia seguinte, pimba!, anuncia nova bomba e se gaba publicamente de estar confrontando o gigante da região.
A isso se chama, no governo, de "facada nas costas". E, se Lula e Amorim estiverem sempre oferecendo a outra face e aceitando placidamente facadas nas costas do Equador, podem ir se preparando para um efeito-cascata. Evo Morales (Bolívia) vai afiar a sua, o bispo Fernando Lugo (Paraguai) vai sacar uma foice e Hugo Chávez (Venezuela) sempre terá a espada de Bolívar para eventualidades. Se é que alguém não vai aparecer com um martelo...
O Brasil, portanto, não pode aceitar a condição de saco de pancada, sob o risco de se transformar em inimigo número um não dos governos, mas das populações vizinhas; de enfraquecer a Unasul (uma espécie de ampliação do Mercosul); e de ver esgarçada sua posição de liderança regional e de mediador de conflitos.
Como diria o outro, é melhor prevenir do que remediar. E há muito espaço para conversar com Correa, sem surpresas, facadas e guerras de poder. Até porque é melhor para o próprio Equador. Mal ou bem, a Venezuela tem petróleo, e a Bolívia tem gás. Têm suas "armas". O Equador tem o quê? Portanto, ele ganha muito rechaçando atitudes gananciosas de empresas privadas, mas ao mesmo tempo mantendo uma boa relação com o Brasil e com a Unasul. Isso é sempre fundamental. Com uma crise econômica global, vira questão de vida ou morte.
Eliane Cantanhêde é colunista da Folha, desde 1997, e comenta governos, política interna e externa, defesa, área social e comportamento. Foi colunista do Jornal do Brasil e do Estado de S. Paulo, além de diretora de redação das sucursais de O Globo, Gazeta Mercantil e da própria Folha em Brasília.
Correa, um cara jovem, bem intencionado e bem formado, começou direito. Botou a boca no trombone e exigiu reparação da construtora Odebrecht, responsável pela construção da segunda maior usina do país, a São Francisco, que em um ano já estava toda bichada e parou de funcionar. A empresa brasileira respondeu que a culpa toda foi da erupção de um vulcão. Sim, e o projeto não previu isso? E o desgaste prematuro das turbinas, o que tem a ver com vulcão?
Na época, até escrevi uma coluna na "Folha de S.Paulo" terminando assim: "Respeito é bom, e o Equador merece". Mas... Correa ficou extasiado com seus 15 minutos de glória e transformou a justa indignação contra uma empresa privada numa guerrinha política contra os "yankees" do Sul, que somos nós, o Brasil.
Depois de um decreto expulsando a Odebrecht e vetando a saída do país de quatro dos seus funcionários (pelo menos um deles já estava fora), Correa foi num crescendo contra o Brasil: deixou de atacar não apenas uma empresa privada e estendeu a ira para Furnas, que nem tem negócios no Equador, para a Petrobras, que tem muitos projetos lá, e, enfim, passou para a ameaça do calote no BNDES. São três entes públicos. O governo brasileiro não poderia fazer ouvidos moucos.
Se foram condescendentes --até, talvez, em demasia-- com a Bolívia de Evo Morales, Lula e o Itamaraty começaram também leves com Correa, quando a coisa era exclusivamente contra uma empresa privada e com um motivo aceitável. Mas não dava para ver a escalada e continuar oferecendo a outra face para sempre. A reação brasileira foi dura com a suspensão de uma missão técnica a Quito e mais dura ainda agora, com a volta do embaixador Antonino Marques Porto. E precisava ser assim.
Lula ficou irritado com Correa no conteúdo, mas mais ainda na forma. Diplomacia se faz assim: Correa avisa a Lula, ou manda avisar ao chanceler Celso Amorim, que está danado da vida, pensando em recorrer à arbitragem internacional para dar o calote no BNDES. Passo seguinte, o Brasil se informa, analisa o caso e pede tempo, para ver o que é negociável, sem chegar ao ponto de jogar a crise para Paris. E os dois sentam, põem as cartas na mesa e tentam chegar a um acordo.
Mas Correa não é assim, não faz assim. Conversa com Lula, muy amigo, num dia. No dia seguinte, anuncia uma bomba contra o Brasil. Depois, manda seus assessores conversarem com o embaixador brasileiro num dia, sem falar nada da arbitragem, e no dia seguinte, pimba!, anuncia nova bomba e se gaba publicamente de estar confrontando o gigante da região.
A isso se chama, no governo, de "facada nas costas". E, se Lula e Amorim estiverem sempre oferecendo a outra face e aceitando placidamente facadas nas costas do Equador, podem ir se preparando para um efeito-cascata. Evo Morales (Bolívia) vai afiar a sua, o bispo Fernando Lugo (Paraguai) vai sacar uma foice e Hugo Chávez (Venezuela) sempre terá a espada de Bolívar para eventualidades. Se é que alguém não vai aparecer com um martelo...
O Brasil, portanto, não pode aceitar a condição de saco de pancada, sob o risco de se transformar em inimigo número um não dos governos, mas das populações vizinhas; de enfraquecer a Unasul (uma espécie de ampliação do Mercosul); e de ver esgarçada sua posição de liderança regional e de mediador de conflitos.
Como diria o outro, é melhor prevenir do que remediar. E há muito espaço para conversar com Correa, sem surpresas, facadas e guerras de poder. Até porque é melhor para o próprio Equador. Mal ou bem, a Venezuela tem petróleo, e a Bolívia tem gás. Têm suas "armas". O Equador tem o quê? Portanto, ele ganha muito rechaçando atitudes gananciosas de empresas privadas, mas ao mesmo tempo mantendo uma boa relação com o Brasil e com a Unasul. Isso é sempre fundamental. Com uma crise econômica global, vira questão de vida ou morte.
Eliane Cantanhêde é colunista da Folha, desde 1997, e comenta governos, política interna e externa, defesa, área social e comportamento. Foi colunista do Jornal do Brasil e do Estado de S. Paulo, além de diretora de redação das sucursais de O Globo, Gazeta Mercantil e da própria Folha em Brasília.
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