segunda-feira, 18 de setembro de 2006

Artigo


O voto envergonhado

Por André Petry na VEJA deste fim de semana:

O eleitor envergonhado morre de medo que lhe descubram a identidade porque ele morre de vergonha do mensalão, do valerioduto, dos bingos, do caseiro, do lixo, do caixa dois, das cartilhas. Mas, escondidinho, vota em Lula

Já se falou muito que Lula está sendo reeleito no primeiro turno porque ganhou o voto dos pobres. Mas não se fala quase nada que sua provável vitória também se sustenta em outro eleitor – o envergonhado. O eleitor envergonhado vota em Lula, mas não conta para ninguém. Não diz nada para o vizinho, nem para o colega de trabalho. Há casos em que não conta nem para a própria mulher. Antes de responder à pergunta do entrevistador do instituto de pesquisa, o eleitor envergonhado olha para os lados, certifica-se de que não há mais ninguém por perto, e responde baixinho: "Lula". Se o entrevistador não ouve direito e pede para o eleitor envergonhado repetir, ele entra em pânico.
Olha de novo para os lados, aproxima-se do ouvido do entrevistador e apela para o berro em forma de cochicho: "Lu-la". O eleitor envergonhado morre de medo que lhe descubram a identidade porque ele morre de vergonha do mensalão, do valerioduto, dos bingos, do caseiro, do lixo, do caixa dois, das cartilhas. Mas, escondidinho, vota em Lula. Por quê?

Parece paradoxal, mas o principal alimento do eleitor envergonhado são os tucanos. Os tucanos deveriam ter denunciado sistematicamente o mensalão. Deveriam ter mostrado o que o mensalão realmente é: uma escandalosa tentativa de corromper outro poder. Deveriam ter se concentrado no mensalão, que é o símbolo do desprezo pela democracia, pelo Parlamento, pela política. Deveriam ter anunciado que fariam a imediata redução dos milhares de cargos federais preenchidos por indicação política, o que está na base da praga da corrupção e do clientelismo político. Que nada.

Em vez disso, os tucanos fizeram silêncio sobre o essencial e inventaram de apresentar-se como mandarins da ética, como generais da moralidade. Aí, a coisa desandou. Os tucanos quiseram se colocar como diferentes em tudo, esquecendo-se do caixa dois da campanha presidencial de Fernando Henrique em 1998. Apareceu até a planilha. Ou da empresária que cobrou 32 milhões de reais da campanha presidencial de José Serra em 2002. Apareceram até os contratos e as notas fiscais dos serviços prestados. Ora, o país inteiro sabe que tem tucano na origem do valerioduto, tem tucano nos sanguessugas, tem tucano nos vampiros. Como diz a professora Maria Sylvia de Carvalho Franco, da USP, os tucanos têm telhado de vidro e só se safaram até agora porque "não são afoitos como esse pessoal do PT".

O eleitor envergonhado se alimenta da hipocrisia tucana. A pergunta que resta é por que, já que vota escondido mesmo, esse eleitor opta justamente por Lula. Pode ser que, votando em Lula à sorrelfa, o eleitor envergonhado esteja querendo dizer que prefere lidar com a vergonha de votar no PT a fazer o papel do ingênuo que se deixou seduzir pela suposta redenção ética dos tucanos.
Os tucanos teriam feito um bem enorme ao país se não optassem pela falsificação de repetir os petistas de outrora, apresentando-se como guardiães da moralidade pública. Com a derrota que se avizinha, diante da lamentável possibilidade de Lula reeleger-se já no primeiro turno, estão pagando pela arrogância.

O voto envergonhado mostra que, ao contrário do que se diz por aí, não é Lula que ganhará a eleição. Os tucanos é que a perderão

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