Campanha eleitoral como enganação
Leonardo Boff
Quem escuta o que dizem e mostram os candidatos na televisão tem que fechar os olhos e se perguntar: em que país essa gente de fato vive? É um Brasil tirado da Utopia de Thomas Morus: haverá altos níveis de crescimento, inclusão social, redistribuição da riqueza, reforma agrária completa, superação da violência endêmica, revolução educacional e por aí vai.
Este cenário é um embuste e não tem nada a ver com o Brasil real, carente de toda ética, com um povo cada vez mais cansado de promessas não cumpridas, refém de uma classe política atrasada e irremediavelmente drogada em corrupção.Como sair desta situação permanente de crise? Não sei, mas desconfio. O que sei é a severa advertência de nosso economista-humanista, Celso Furtado, em seu livro Brasil: a construção interrompida (1992): “O tempo histórico se acelera e a contagem desse tempo se faz contra nós.
Trata-se de saber se temos um futuro como nação que conta na construção do devenir humano. Ou se prevalecerão as forças que se empenham em interromper o nosso processo histórico de formação de um Estado-nação”.Desde o momento em que a economia colonizou a política e a submeteu à sua lógica de acumulação a qualquer custo, social e ambiental, criando uma profunda discrepância entre a racionalidade dos mercados e o interesse social, interrompeu-se a construção de um país com futuro para o seu povo.
Dentro do quadro atual da política e da forma como o Estado se organizou, dando centralidade ao Banco Central e às agências reguladoras que mantêm manietadas as mãos do Executivo, não há salvação para o Brasil. Quem detém o poder real é o sistema financeiro e seus órgãos de atuação. A fala do presidente se esvaziou. O que conta mesmo e todos ficam à espera e atentos são as decisões do Banco Central e do Copom. Assim é também nos EUA. Bush pode dizer as muitas bobagens que diz, geralmente num inglês muito ruim, e não conta muito. Mas, quando fala o presidente do FED, a nação e o mundo param: é ele que decide os destinos da economia, os níveis de juros, o aumento ou a diminuição da dívida externa de todos os países.
A ser isso verdade, nem deveríamos eleger um presidente, mas um presidente do Banco Central. Não é ele que, de fato, decide? Ou então obrigar o candidato à presidência, já em sua campanha, a dizer quem vai ocupar o cargo de presidente do Branco Central. Aí sim o voto popular contaria e saberíamos, mais ou menos, os rumos do país.O que nos falta para sairmos da crise? Celso Furtado nos dá uma sugestão no livro acima citado: “falta-nos a experiência de provas cruciais como as que conheceram outros povos cuja sobrevivência chegou a ser ameaçada”. Qual seria nossa prova crucial?
Tiremos o exemplo de nosso país vizinho, a Argentina. Seu presidente Kirchner não disse ao sistema financeiro mundial e ao presidente Bush “não vou pagar a dívida”. Seria negar o sistema em sua essência, o que o alijaria do mundo. Mas, inteligentemente, disse: “vou pagar a dívida; mas para cada dólar, pago apenas dez centavos”. E não retirou a palavra. E todos, mesmo recalcitrando, tiveram que aceitar. Ele enfrentou a prova crucial e passou. Hoje, a Argentina cresce três vezes mais que o Brasil.
Por que nosso futuro presidente não enfrenta a mesma prova crucial face aos rentistas nacionais? Liberaria fundos para um crescimento real para o povo. Essa seria a verdadeira política que colocaria a economia a serviço do bem comum
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