''A decepção é muito mais profunda''
Paulo Celso Pereira
Paulo Celso Pereira
Ao longo do ano passado centenas de militantes do PT saíram do partido influenciados, sobretudo, pelas denúncias de corrupção. Há exatos 10 anos, sem alarde, César Benjamin deu o mesmo passo. O então dirigente do PT se surpreendeu com a tomada da direção do partido pelo hoje presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e pelo agora ex-deputado José Dirceu. “Vi que não tinha mais lugar dentro do PT. Eu ficava falando em projeto, em crise brasileira, quando, na verdade, o jogo era outro, era a composição de interesses”, explica.
Mais jovem preso político brasileiro, César entrou na carceragem de Bangu aos 17 anos e lá terminou o segundo grau fazendo exame supletivo. Depois do exílio na Suécia, ingressou no curso de Economia na UFRJ, mas não concluiu: “Os filhos começaram a nascer”. Depois da saída do PT, César se engajou na coordenação da Consulta Popular, movimento que, segundo ele, já reúne milhares de participantes e se dispõe a cumprir uma tarefa abandonada pelos partidos. “Organizar o povo, educando e pensando a crise brasileira.” No ano passado, sua reflexão foi parar no programa do PMDB.
Convidado pelo ex-presidente do BNDES Carlos Lessa, participou da elaboração de um texto sobre o momento político do país. A atitude gerou críticas da esquerda, que, em grande parte, ataca o ex-governador Anthony Garotinho, hoje principal pré-candidato do PMDB à Presidência. Benjamin não comenta os possíveis candidatos do PMDB, mas contra-ataca: “O PT acusa o Garotinho de ser assistencialista, e ao mesmo tempo o governo Lula diz que sua única iniciativa é o programa Bolsa-Família. Não sei qual é o moral do PT para manter esse tipo de acusação”.
- O senhor tem dito que o Brasil está num ''vôo cego''. Por quê?
- Entre 1930 e 1970 houve um esforço teórico muito considerável para se compreender o Brasil. Foram antropólogos, sociólogos, historiadores, economistas que produziram a melhor teoria sobre o país. Nos últimos 25 anos o Brasil mudou muito: nos transformamos numa economia de baixo crescimento, temos 83% da população nas cidades, bloqueamos a mobilidade social e o Estado Nacional tornou-se refém do sistema financeiro. Se constituiu um novo país que ainda não foi reinterpretado. Aquela teoria do Brasil diz respeito ao país que existia até os anos 1980, não a este de hoje. Estamos em vôo cego pois não temos uma teoria contemporânea do país.
- É um problema estrutural?
- É. E a crise do governo Lula e do PT somam a isso um vôo cego político, conjuntural. Porque é uma crise mais grave do que a que houve com o governo Collor. O fenômeno Collor foi passageiro, superficial, construído por uma conjuntura específica, enquanto o PT e o Lula eram até há pouco tempo considerados uma certa reserva da nação, mesmo por seus adversários. A partir do momento que o Lula chega ao governo, a nação gastou essa reserva. Ou melhor, ficou claro que a nação não tinha essa reserva. Então, ao vôo cego estrutural, se soma um vôo cego conjuntural e político, o que torna a crise brasileira muito mais grave.
- O que o país pode fazer para sair dessa situação?
- A crise brasileira tem várias dimensões. A menos visível e talvez mais importante é cultural. Se observarmos como se desenvolve o debate brasileiro contemporâneo, vamos verificar três características muito perversas: a primeira é que perdemos a capacidade de fazer nossa própria agenda. O Brasil não tem sido capaz de identificar quais são seus problemas, suas potencialidades e construir seu projeto. Reagimos a uma agenda importada: risco Brasil, Alca, flutuações do mercado financeiro internacional, etc. O segundo elemento é que perdemos a dimensão de tempo histórico da nação. Discutimos sempre na política e na economia a visão do curto prazo, o que é parcialmente explicado pelo fato de que estamos sob a hegemonia do capital financeiro, que é fluido. Mas uma nação não é fluida, seu tempo histórico é diferente do tempo do capital financeiro. E a terceira dimensão da crise é que perdemos a autoconfiança. Hoje, o Brasil se coloca no sistema internacional como um país pedinte.
- Essa política externa é isso?
- O Brasil real é muito mais forte potencialmente do que esse Brasil que aparece eternamente pedinte, bom-moço, curvado às pressões do sistema financeiro, reagindo a agendas que vêm de fora para dentro. E essa crise tem também uma dimensão política. No Estado brasileiro, os interesses de supra-nacionais estão muito bem representados, porque controlam duas instituições essenciais: o Ministério da Fazenda e o Banco Central. Com esses órgãos você define a política cambial, monetária, fiscal e a execução do Orçamento. Os interesses de natureza sub-nacional se fazem representar pelo Legislativo, com as bancadas dos Estados, da construção civil, do agronegócio, dos bancos... E, num terceiro nível, a população pobre recebe o Bolsa-Família. Mas ninguém defende os interesses nacionais. Se a escola pública se degrada, não existe uma defesa. Quem defende os interesses de longo prazo da nação? Hoje, ninguém.
- Há um nível econômico?
- Claro. Temos um problema estrutural. A imprensa vive repetindo que a economia vai bem, e isso me espanta. Nós somos a economia de mais baixo crescimento no mundo neste ano; temos uma taxa de juros de 18% e o segundo lugar é a Turquia, com 6,3%; usando os dados do IBGE, que são conservadores, vemos que 27% da força de trabalho brasileira está em desemprego ou em sub-emprego crônico, recebendo menos de um salário mínimo. Por que se diz que a economia vai bem? Porque os negócios vão bem. Os negócios estão muito lucrativos, mas isso não quer dizer que a economia nacional vá bem. É preciso desmistificar isso. O circuito de negócios não alavanca a economia, não gera emprego, não distribui riqueza. Os negócios vão bem, mas a economia vai mal.
- Dentro desse quadro, como o o povo brasileiro pode se fazer presente?
- Ele vai se fazer presente. O Brasil mudou muito ao longo de seus 500 anos. E a grande alteração foi a formação do povo brasileiro. Na origem, éramos contingentes de desenraizados: índios destribalizados, negros desafricanizados, brancos deseuropeizados. E o processo histórico brasileiro constituiu um povo novo, com uma clara identidade nacional, que fala a mesma língua, que desenvolveu uma cultura de síntese, que tem características muito positivas. Ele nasceu na modernidade e olha para o futuro. Formar o povo brasileiro foi nosso maior êxito, mas temos um imenso fracasso: esse povo nunca comandou sua nação. Durante nossa história convivemos com essa contradição. Só que não está sendo mais possível, porque o povo já é forte e grande demais. Agora, o passo histórico é assumir o controle da sua nação, para refundá-la.
- De que forma?
- O Brasil foi fundado há 500 anos como uma empresa comercial controlada e voltada para fora. O Brasil tem de ser refundado como uma nação para si. Quem pode fazer isso é o povo e só agora ele tem condições para isso. Então, a crise atual é muito mais profunda e dramática do que as outras, porque ela exige uma solução radical que nunca tivemos. Por isso ela é tão demorada, prolongada e mais difícil.
- Seria uma revolução?
- A forma e o tempo desse processo ninguém sabe. Mas estamos debruçados sobre essa questão e ela precisa de solução. Nossa história recente é de sucessivas frustrações, não temos sabido construir essa solução politicamente. Então, a crise vai se repor e vai exigir uma solução.
- Lula foi a chegada do povo ao poder?
- Não. O Lula foi uma falsa chegada. Lula foi uma fantasia coletiva. O Brasil precisa dar esse passo, e apareceu uma figura como o Lula, que parece ser a encarnação disso por suas características pessoais. Mas a imagem do líder que ia comandar essa transformação fomos nós que criamos, porque precisávamos disso. O Lula nunca foi isso, nem sequer foi um reformista, sempre foi conservador. Ele trafegou pela esquerda porque a vida fez isso. O Lula é um tremendo equívoco. Um equívoco tão grande que não sei responder qual o efeito desse equívoco sobre o povo brasileiro. É um episódio meio patético, meio dramático, e que terá um impacto grande porque a decepção com Lula é muito mais profunda do que as decepções anteriores.
- Mas como esse engano conseguiu se consolidar durante tanto tempo?
- É porque o desejo da existência desse líder é muito forte. A esquerda brasileira se deixou liderar nos últimos 20 anos por uma pessoa que diz publicamente que não é de esquerda. É como alguém se candidatar a presidente do Flamengo sendo vascaíno. O Lula é o primeiro líder da esquerda que não tem compromisso com a esquerda. O Lula está adorando ser presidente da República, está bebendo todos os vinhos da adega do Palácio, viajando bastante, e depois sai da história. É um político menor. Uma pessoa que sempre transmitiu um conjunto de anti-valores muito fortes. O valor de não estudar, da esperteza.
- Como a esquerda vai convencer a população a voltar a votar nela?
- A pergunta é anterior a essa. Estamos assistindo o fim de um ciclo da existência da esquerda brasileira. Tivemos um ciclo da esquerda, que podemos chamar de 'Ciclo PCB' e tivemos um ciclo menor nesses últimos 20 anos com o PT. O Ciclo PT está acabando de uma maneira melancólica, pior do que o Ciclo PCB. Porque PCB sofreu uma derrota diante de um adversário, que era o regime militar. O PT se entregou. Há uma diáspora e vamos ter de conviver com isso. Mas o que me deixa otimista é que os destinos do Brasil não dependem necessariamente da esquerda. Pode ser que a ela esteja dividida, atônita, e o Brasil encontre seu caminho. Eu quero ajudar o Brasil com a esquerda, sem a esquerda ou contra a esquerda. Meu compromisso é com o povo e a nação brasileira, não é com seita. Se a esquerda tiver grandeza de se reciclar, terá seu papel. Se não tiver, ficará fora da história.
- O senhor saiu do PT há dez anos quando José Dirceu e Lula passaram a comandar o partido. Era previsível o que está acontecendo hoje?
- Não na forma, mas de certa forma sim. Eu saí por discordar da opção que Lula e José Dirceu fizeram por jogar a força hegemônica da esquerda brasileira numa política corrupta. Isso manchou gravemente a trajetória da esquerda. A responsabilidade histórica de Lula e Dirceu é muito grave. O PT foi um grande canal de ascensão social para milhares de pessoas. E Lula e Zé Dirceu manipularam isso com muita competência, gerenciando essa ascensão social da burocracia petista. O governo Lula vai passar, mas essa herança vai demorar.
- Era nítida a corrupção em si?
- Em 1993, a esquerda chegou a ganhar o Congresso do PT, eu estava lá. A partir de 1993, o Lula e o Zé Dirceu decidiram que o projeto deles não podia estar exposto a uma batalha de idéias cujo resultado era incerto. Aí eles trazem para dentro do PT pessoas que vão abrir uma fase nova usando uma arma nova na luta interna do PT: o dinheiro. Eles trazem esses operadores e constroem uma burocracia movida a grandes injeções de dinheiro. A partir daí, quem obedecia Lula e Dirceu tinha muito dinheiro para fazer suas campanhas. Quem não obedecia, não tinha. Então, morre a batalha de idéias e crescem os interesses. E Lula e Zé Dirceu são grandes gerentes de interesses. Aí o PT começa a morrer.
Mais jovem preso político brasileiro, César entrou na carceragem de Bangu aos 17 anos e lá terminou o segundo grau fazendo exame supletivo. Depois do exílio na Suécia, ingressou no curso de Economia na UFRJ, mas não concluiu: “Os filhos começaram a nascer”. Depois da saída do PT, César se engajou na coordenação da Consulta Popular, movimento que, segundo ele, já reúne milhares de participantes e se dispõe a cumprir uma tarefa abandonada pelos partidos. “Organizar o povo, educando e pensando a crise brasileira.” No ano passado, sua reflexão foi parar no programa do PMDB.
Convidado pelo ex-presidente do BNDES Carlos Lessa, participou da elaboração de um texto sobre o momento político do país. A atitude gerou críticas da esquerda, que, em grande parte, ataca o ex-governador Anthony Garotinho, hoje principal pré-candidato do PMDB à Presidência. Benjamin não comenta os possíveis candidatos do PMDB, mas contra-ataca: “O PT acusa o Garotinho de ser assistencialista, e ao mesmo tempo o governo Lula diz que sua única iniciativa é o programa Bolsa-Família. Não sei qual é o moral do PT para manter esse tipo de acusação”.
- O senhor tem dito que o Brasil está num ''vôo cego''. Por quê?
- Entre 1930 e 1970 houve um esforço teórico muito considerável para se compreender o Brasil. Foram antropólogos, sociólogos, historiadores, economistas que produziram a melhor teoria sobre o país. Nos últimos 25 anos o Brasil mudou muito: nos transformamos numa economia de baixo crescimento, temos 83% da população nas cidades, bloqueamos a mobilidade social e o Estado Nacional tornou-se refém do sistema financeiro. Se constituiu um novo país que ainda não foi reinterpretado. Aquela teoria do Brasil diz respeito ao país que existia até os anos 1980, não a este de hoje. Estamos em vôo cego pois não temos uma teoria contemporânea do país.
- É um problema estrutural?
- É. E a crise do governo Lula e do PT somam a isso um vôo cego político, conjuntural. Porque é uma crise mais grave do que a que houve com o governo Collor. O fenômeno Collor foi passageiro, superficial, construído por uma conjuntura específica, enquanto o PT e o Lula eram até há pouco tempo considerados uma certa reserva da nação, mesmo por seus adversários. A partir do momento que o Lula chega ao governo, a nação gastou essa reserva. Ou melhor, ficou claro que a nação não tinha essa reserva. Então, ao vôo cego estrutural, se soma um vôo cego conjuntural e político, o que torna a crise brasileira muito mais grave.
- O que o país pode fazer para sair dessa situação?
- A crise brasileira tem várias dimensões. A menos visível e talvez mais importante é cultural. Se observarmos como se desenvolve o debate brasileiro contemporâneo, vamos verificar três características muito perversas: a primeira é que perdemos a capacidade de fazer nossa própria agenda. O Brasil não tem sido capaz de identificar quais são seus problemas, suas potencialidades e construir seu projeto. Reagimos a uma agenda importada: risco Brasil, Alca, flutuações do mercado financeiro internacional, etc. O segundo elemento é que perdemos a dimensão de tempo histórico da nação. Discutimos sempre na política e na economia a visão do curto prazo, o que é parcialmente explicado pelo fato de que estamos sob a hegemonia do capital financeiro, que é fluido. Mas uma nação não é fluida, seu tempo histórico é diferente do tempo do capital financeiro. E a terceira dimensão da crise é que perdemos a autoconfiança. Hoje, o Brasil se coloca no sistema internacional como um país pedinte.
- Essa política externa é isso?
- O Brasil real é muito mais forte potencialmente do que esse Brasil que aparece eternamente pedinte, bom-moço, curvado às pressões do sistema financeiro, reagindo a agendas que vêm de fora para dentro. E essa crise tem também uma dimensão política. No Estado brasileiro, os interesses de supra-nacionais estão muito bem representados, porque controlam duas instituições essenciais: o Ministério da Fazenda e o Banco Central. Com esses órgãos você define a política cambial, monetária, fiscal e a execução do Orçamento. Os interesses de natureza sub-nacional se fazem representar pelo Legislativo, com as bancadas dos Estados, da construção civil, do agronegócio, dos bancos... E, num terceiro nível, a população pobre recebe o Bolsa-Família. Mas ninguém defende os interesses nacionais. Se a escola pública se degrada, não existe uma defesa. Quem defende os interesses de longo prazo da nação? Hoje, ninguém.
- Há um nível econômico?
- Claro. Temos um problema estrutural. A imprensa vive repetindo que a economia vai bem, e isso me espanta. Nós somos a economia de mais baixo crescimento no mundo neste ano; temos uma taxa de juros de 18% e o segundo lugar é a Turquia, com 6,3%; usando os dados do IBGE, que são conservadores, vemos que 27% da força de trabalho brasileira está em desemprego ou em sub-emprego crônico, recebendo menos de um salário mínimo. Por que se diz que a economia vai bem? Porque os negócios vão bem. Os negócios estão muito lucrativos, mas isso não quer dizer que a economia nacional vá bem. É preciso desmistificar isso. O circuito de negócios não alavanca a economia, não gera emprego, não distribui riqueza. Os negócios vão bem, mas a economia vai mal.
- Dentro desse quadro, como o o povo brasileiro pode se fazer presente?
- Ele vai se fazer presente. O Brasil mudou muito ao longo de seus 500 anos. E a grande alteração foi a formação do povo brasileiro. Na origem, éramos contingentes de desenraizados: índios destribalizados, negros desafricanizados, brancos deseuropeizados. E o processo histórico brasileiro constituiu um povo novo, com uma clara identidade nacional, que fala a mesma língua, que desenvolveu uma cultura de síntese, que tem características muito positivas. Ele nasceu na modernidade e olha para o futuro. Formar o povo brasileiro foi nosso maior êxito, mas temos um imenso fracasso: esse povo nunca comandou sua nação. Durante nossa história convivemos com essa contradição. Só que não está sendo mais possível, porque o povo já é forte e grande demais. Agora, o passo histórico é assumir o controle da sua nação, para refundá-la.
- De que forma?
- O Brasil foi fundado há 500 anos como uma empresa comercial controlada e voltada para fora. O Brasil tem de ser refundado como uma nação para si. Quem pode fazer isso é o povo e só agora ele tem condições para isso. Então, a crise atual é muito mais profunda e dramática do que as outras, porque ela exige uma solução radical que nunca tivemos. Por isso ela é tão demorada, prolongada e mais difícil.
- Seria uma revolução?
- A forma e o tempo desse processo ninguém sabe. Mas estamos debruçados sobre essa questão e ela precisa de solução. Nossa história recente é de sucessivas frustrações, não temos sabido construir essa solução politicamente. Então, a crise vai se repor e vai exigir uma solução.
- Lula foi a chegada do povo ao poder?
- Não. O Lula foi uma falsa chegada. Lula foi uma fantasia coletiva. O Brasil precisa dar esse passo, e apareceu uma figura como o Lula, que parece ser a encarnação disso por suas características pessoais. Mas a imagem do líder que ia comandar essa transformação fomos nós que criamos, porque precisávamos disso. O Lula nunca foi isso, nem sequer foi um reformista, sempre foi conservador. Ele trafegou pela esquerda porque a vida fez isso. O Lula é um tremendo equívoco. Um equívoco tão grande que não sei responder qual o efeito desse equívoco sobre o povo brasileiro. É um episódio meio patético, meio dramático, e que terá um impacto grande porque a decepção com Lula é muito mais profunda do que as decepções anteriores.
- Mas como esse engano conseguiu se consolidar durante tanto tempo?
- É porque o desejo da existência desse líder é muito forte. A esquerda brasileira se deixou liderar nos últimos 20 anos por uma pessoa que diz publicamente que não é de esquerda. É como alguém se candidatar a presidente do Flamengo sendo vascaíno. O Lula é o primeiro líder da esquerda que não tem compromisso com a esquerda. O Lula está adorando ser presidente da República, está bebendo todos os vinhos da adega do Palácio, viajando bastante, e depois sai da história. É um político menor. Uma pessoa que sempre transmitiu um conjunto de anti-valores muito fortes. O valor de não estudar, da esperteza.
- Como a esquerda vai convencer a população a voltar a votar nela?
- A pergunta é anterior a essa. Estamos assistindo o fim de um ciclo da existência da esquerda brasileira. Tivemos um ciclo da esquerda, que podemos chamar de 'Ciclo PCB' e tivemos um ciclo menor nesses últimos 20 anos com o PT. O Ciclo PT está acabando de uma maneira melancólica, pior do que o Ciclo PCB. Porque PCB sofreu uma derrota diante de um adversário, que era o regime militar. O PT se entregou. Há uma diáspora e vamos ter de conviver com isso. Mas o que me deixa otimista é que os destinos do Brasil não dependem necessariamente da esquerda. Pode ser que a ela esteja dividida, atônita, e o Brasil encontre seu caminho. Eu quero ajudar o Brasil com a esquerda, sem a esquerda ou contra a esquerda. Meu compromisso é com o povo e a nação brasileira, não é com seita. Se a esquerda tiver grandeza de se reciclar, terá seu papel. Se não tiver, ficará fora da história.
- O senhor saiu do PT há dez anos quando José Dirceu e Lula passaram a comandar o partido. Era previsível o que está acontecendo hoje?
- Não na forma, mas de certa forma sim. Eu saí por discordar da opção que Lula e José Dirceu fizeram por jogar a força hegemônica da esquerda brasileira numa política corrupta. Isso manchou gravemente a trajetória da esquerda. A responsabilidade histórica de Lula e Dirceu é muito grave. O PT foi um grande canal de ascensão social para milhares de pessoas. E Lula e Zé Dirceu manipularam isso com muita competência, gerenciando essa ascensão social da burocracia petista. O governo Lula vai passar, mas essa herança vai demorar.
- Era nítida a corrupção em si?
- Em 1993, a esquerda chegou a ganhar o Congresso do PT, eu estava lá. A partir de 1993, o Lula e o Zé Dirceu decidiram que o projeto deles não podia estar exposto a uma batalha de idéias cujo resultado era incerto. Aí eles trazem para dentro do PT pessoas que vão abrir uma fase nova usando uma arma nova na luta interna do PT: o dinheiro. Eles trazem esses operadores e constroem uma burocracia movida a grandes injeções de dinheiro. A partir daí, quem obedecia Lula e Dirceu tinha muito dinheiro para fazer suas campanhas. Quem não obedecia, não tinha. Então, morre a batalha de idéias e crescem os interesses. E Lula e Zé Dirceu são grandes gerentes de interesses. Aí o PT começa a morrer.
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