No final de fevereiro, morreu em Cuba o preso político Orlando Zapata Tamayo, depois de uma greve de fome de mais de 80 dias. No mesmo dia, chegava a Cuba, em visita oficial, o presidente Lula.
Enquanto a família de Orlando sofria constrangimentos policiais para enterrar o seu ente querido, as autoridades cubanas e o nosso presidente pareciam estar em outro país. Tristes cenas. Não dá para ficar calado diante deste quadro.
Para minha geração, iniciada na política lá no início dos anos 1960, Cuba e sua revolução significou muita esperança. Che Guevara se tornou nossa referência de sonho e de engajamento, mais ainda depois de assassinado na Bolívia por causa das idéias de justiça social que defendia pelas armas.
Eram anos sombrios da Guerra Fria e, entre nós, o radicalismo levou à ditadura militar. Mas nada parecia deter uma inevitável mudança. Maio de 1968 foi um momento mágico de voluntarismo e de buscas da minha geração, com profundo impacto nas idéias e, sobretudo, nos comportamentos.
De fato, o mundo mudava, mas não do jeito dos nossos sonhos. Veio a queda do último bastião da esquerda com Allende, presidente socialista eleito do Chile, deposto, morto e um sonho enterrado por feroz ditadura, mais mortífera que este terremoto de agora.
O exílio político, para milhares de latinoamericanos e, sua contrapartida, os braços abertos da solidariedade nos países de adoção, marcou muita gente de minha geração, sobretudo os e as que ousaram levar a fundo as consequências de suas opções por igualdade e justiça. Neste contexto, Cuba, que resistia a toda sorte de bloqueio, virou uma referência idealizada.
Cuba, com enormes carência de ponto de vista econômico, provou concretamente que é possível conquistar grande desenvolvimento humano com clara definição de prioridades políticas do Estado. Afinal, até hoje, Cuba ocupa o topo dos países latinoamericanos em IDH.
Mas a felicidade de um povo não se limita a bom IDH, a excelente saúde, a bons índices educacionais e ao desenvolvimento de capacidades humanas, como atletas cubano(a)s provam em competições mundiais. O pleno gozo de direitos humanos implica em sua integralidade e indivisibilidade. Não existem uns direitos humanos maiores do que outros.
Ou são todos para todos os seres humanos, nas condições dadas de uma sociedade, ou existe violação de direitos humanos. Na verdade, direitos humanos são a referência das próprias relações humanas e seu reconhecimento político nada mais é do que expressão da qualidade da própria sociedade. Hierarquizar direitos humanos é uma forma de violá-los.
É neste quadro que importa situar o chocante e o decepcionante do que aconteceu em Cuba na semana que passou. O regime cubano continua preso às premissas políticas da construção do socialismo dos anos 60 do século passado. Só que o mundo mudou, e muito. Não que a agenda da justiça social tenha deixado de ser uma prioridade, pelo contrário.
O capitalismo globalizado e sua capacidade de concentração de riquezas e destruição ambiental se ampliaram. Mas acabou a Guerra Fria e, sobretudo, desmoronou o ideal do socialismo construído por Estados autoritários.
Hoje, o imperativo dos direitos humanos se impõe como agenda junto com a busca de formas participativas e processuais de mudança. A adesão e a plena adesão dos cidadãos e cidadãs, com busca de garantia de todos direitos humanos a todos os seres humanos e de uma nova e sustentável relação com a natureza, não é parte do ideário capitalista, mas da mais radical opção por sociedades justas em termos sociais e ambientais.
Como diretor do Ibase e militante desde a primeira hora do Fórum Social Mundial sou levado a me indignar e protestar publicamente com o que vem acontecendo em Cuba de um ponto de vista de direitos humanos.
Afinal, Orlando Zapata Tamayo era um preso político que nunca usou violência, nunca significou ameaça ao Estado, pois era um opositor de consciência. Simplesmente, assumiu a luta por igualdade mas com respeito à diversidade – era negro – e na liberdade, dando livre curso ao sonho e ao pensar e debater da cidadania.
O conflito democrático é força transformadora e os direitos humanos uma referência ética essencial, acreditava Orlando e por isto morreu.
Que pena que, mais uma vez, o pragmatismo da emergência do Brasil na geopolítica mundial leva nosso presidente Lula, líder mundial inconteste, a cometer o equívoco de confundir a agenda ética dos direitos humanos, incontornável, com boas relações com um regime a caminho da falência.
Cândido Grzybowski é sociólogo e diretor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase)
Enquanto a família de Orlando sofria constrangimentos policiais para enterrar o seu ente querido, as autoridades cubanas e o nosso presidente pareciam estar em outro país. Tristes cenas. Não dá para ficar calado diante deste quadro.
Para minha geração, iniciada na política lá no início dos anos 1960, Cuba e sua revolução significou muita esperança. Che Guevara se tornou nossa referência de sonho e de engajamento, mais ainda depois de assassinado na Bolívia por causa das idéias de justiça social que defendia pelas armas.
Eram anos sombrios da Guerra Fria e, entre nós, o radicalismo levou à ditadura militar. Mas nada parecia deter uma inevitável mudança. Maio de 1968 foi um momento mágico de voluntarismo e de buscas da minha geração, com profundo impacto nas idéias e, sobretudo, nos comportamentos.
De fato, o mundo mudava, mas não do jeito dos nossos sonhos. Veio a queda do último bastião da esquerda com Allende, presidente socialista eleito do Chile, deposto, morto e um sonho enterrado por feroz ditadura, mais mortífera que este terremoto de agora.
O exílio político, para milhares de latinoamericanos e, sua contrapartida, os braços abertos da solidariedade nos países de adoção, marcou muita gente de minha geração, sobretudo os e as que ousaram levar a fundo as consequências de suas opções por igualdade e justiça. Neste contexto, Cuba, que resistia a toda sorte de bloqueio, virou uma referência idealizada.
Cuba, com enormes carência de ponto de vista econômico, provou concretamente que é possível conquistar grande desenvolvimento humano com clara definição de prioridades políticas do Estado. Afinal, até hoje, Cuba ocupa o topo dos países latinoamericanos em IDH.
Mas a felicidade de um povo não se limita a bom IDH, a excelente saúde, a bons índices educacionais e ao desenvolvimento de capacidades humanas, como atletas cubano(a)s provam em competições mundiais. O pleno gozo de direitos humanos implica em sua integralidade e indivisibilidade. Não existem uns direitos humanos maiores do que outros.
Ou são todos para todos os seres humanos, nas condições dadas de uma sociedade, ou existe violação de direitos humanos. Na verdade, direitos humanos são a referência das próprias relações humanas e seu reconhecimento político nada mais é do que expressão da qualidade da própria sociedade. Hierarquizar direitos humanos é uma forma de violá-los.
É neste quadro que importa situar o chocante e o decepcionante do que aconteceu em Cuba na semana que passou. O regime cubano continua preso às premissas políticas da construção do socialismo dos anos 60 do século passado. Só que o mundo mudou, e muito. Não que a agenda da justiça social tenha deixado de ser uma prioridade, pelo contrário.
O capitalismo globalizado e sua capacidade de concentração de riquezas e destruição ambiental se ampliaram. Mas acabou a Guerra Fria e, sobretudo, desmoronou o ideal do socialismo construído por Estados autoritários.
Hoje, o imperativo dos direitos humanos se impõe como agenda junto com a busca de formas participativas e processuais de mudança. A adesão e a plena adesão dos cidadãos e cidadãs, com busca de garantia de todos direitos humanos a todos os seres humanos e de uma nova e sustentável relação com a natureza, não é parte do ideário capitalista, mas da mais radical opção por sociedades justas em termos sociais e ambientais.
Como diretor do Ibase e militante desde a primeira hora do Fórum Social Mundial sou levado a me indignar e protestar publicamente com o que vem acontecendo em Cuba de um ponto de vista de direitos humanos.
Afinal, Orlando Zapata Tamayo era um preso político que nunca usou violência, nunca significou ameaça ao Estado, pois era um opositor de consciência. Simplesmente, assumiu a luta por igualdade mas com respeito à diversidade – era negro – e na liberdade, dando livre curso ao sonho e ao pensar e debater da cidadania.
O conflito democrático é força transformadora e os direitos humanos uma referência ética essencial, acreditava Orlando e por isto morreu.
Que pena que, mais uma vez, o pragmatismo da emergência do Brasil na geopolítica mundial leva nosso presidente Lula, líder mundial inconteste, a cometer o equívoco de confundir a agenda ética dos direitos humanos, incontornável, com boas relações com um regime a caminho da falência.
Cândido Grzybowski é sociólogo e diretor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase)
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