Autor: Ricardo Crô
Data: 01/10/2009
Na Tijuca um homem abatido diante da multidão, em plena luz do dia, por um atirador da elite policial. Policial pacificador é covardemente espancado no interior de uma pacificada favela. Favelas sitiadas por facções marginais rivais. Denúncias dão conta de que uma dessas facções contou com o apoio da Polícia Militar, para a tomada de bocas de fumo. O povo no meio disso tudo. Atônito, inerte, embasbacado. Em comum: a banalização da violência, a criminalização da pobreza e a hipocrisia da sociedade.
Não se faz necessário “favelólogo” ser, tampouco um dedicado estudioso da segurança pública para avistar as ações desastradas que se sucedem. Ao que parece, a inteligência policial – necessária, eficaz e insubstituível – deu lugar ao “troglodismo” de estado. Principalmente quando o punho estatal, meramente repressor, se abate sobre as camadas mais desassistidas, sobre os mais pobres. Mesmo que essa gente rogue por ruas pavimentadas, esgoto canalizado e água tratada. Implore por iluminação, educação e saúde públicas. E batalhe por moradia digna, emprego e paz. A praxe é receber em troca insuficientes intervenções, geralmente eleitoreiras, seguidas da presença constante dos caveirões, com seus homens de preto infernizando sua vida.
Fosse um larápio traficante – aquele abatido na Tijuca – um desses pit bulls nascidos em berço esplêndido, acredito que a ação policial pudesse ser diferente. E mais: suponho que a reação da população, alimentada pelo instinto de vingança que lhe é incutido cotidianamente, não teria essa unanimidade induzida que aparenta ter. Nem causaria um certo silêncio obsequioso em algumas bocas outrora berrantes.
Aquele homem, sendo um vagabundo pé de chinelo, egresso do cárcere, um indigente social, reunia todas as condições para ser “legalmente” morto, de uma hora para outra. Ele carregava consigo um estigma, uma condenação perpétua. A sociedade repele quem dispõe dessas “credenciais”. O poder público toma para si o dever de extirpá-lo do convívio social. E esse criminoso, tomado por um sentimento imbecil de autopreservação, dá o troco. Vez por outra, vira estatística. E o pior: boa parte da população, ao invés de revirar seus valores à busca de reflexão, renega a vida e aplaude um pipoco bem dado, bem no meio da testa do outro. Será que o infeliz teve alguma chance de recuperação quando esteve preso sob responsabilidade do Estado? A perseguimos a tese do olho por olho, acabaremos todos cegos.
A Unidade de Polícia Pacificadora, na Cidade de Deus, não foi capaz de evitar que um de seus policiais fosse covardemente espancado por supostos traficantes. Utilizando-se do argumento fácil e equivocado de que seu subordinado fora agredido por freqüentadores de um baile Funk, o Secretário de Segurança ameaçou proibir, novamente, a realização dessa manifestação cultural. Das poucas acessíveis aos mais pobres e que congrega gente de todas as classes sociais. Ele se esqueceu de dizer que o baile acontecia numa comunidade dita pacificada. Também se esqueceu de lembrar que baile Funk não é coisa de bandido. É a forma com que milhares de jovens das “periferias” encontraram para expressar sua arte, sua cultura, seus sentimentos. São os bandidos – que a ineficaz polícia pacificadora não reprime a contento – que se locupletam malandramente deles, para auferir lucros ao seu negócio. O problema não é o Funk – claro que não! O imbróglio, nesse caso, reside no tráfico armado que se impõe ante à falta do uso da inteligência policial e à cavernosa corrupção sistêmica do aparato político governamental. Aliás, se os pacificadores sabiam previamente da existência de uma atividade, supostamente organizada pela bandidagem, tinham por obrigação impedir sua realização. O ilegal aí é a atividade laboral dos traficantes. Sejam eles os varejistas (moradores nas comunidades) ou os atacadistas (residentes nos complexos condominiais da alta sociedade). É muito mais fácil estigmatizar uma expressão cultural popular – o Funk –, jogando sobre ele toda responsabilidade pelo que acontece no interior dos bailes e no seu entorno. Difícil é ter competência, isenção e vontade política para combater o tráfico em seu nascedouro. Investigando, prendendo e condenando os “importadores” de drogas e armas, os aliciadores de autoridades, antes que eles abasteçam o varejão das favelas. Digam-me com quem andas e dir-te-ei quem és.
Há meses ocorre uma verdadeira guerra entre quadrilhas no conjunto de favelas da Maré. Iniciado o conflito, foram anunciadas dezenove mortes. Todavia, levantamento feito pelos próprios moradores dá conta de que já passa de cinqüenta o número de óbitos. Escolas e creches, quase que diariamente, cerram suas portas. Comerciantes que, em busca de sustento, teimam em abrir seus estabelecimentos, correm o risco iminente de serem mortos ou terem suas mercadorias saqueadas. Trabalhadores vivem um dilema: ficam trancados em casa, na tentativa de salvarem suas vidas e perdem seus empregos ou perdem sua vida, tentando salvar seu salário. Um verdadeiro inferno! Estupra-se, rouba-se. Famílias são humilhadas e expulsas de suas casas. E tem muita gente boa acreditando que morador de favela tem uma relação de conivência com o banditismo.
Há denúncias feitas e já publicadas de que agentes públicos (PMs), acumpliciados a uma das facções criminosas, colaboraram para que acontecesse a invasão e a tomada de alguns pontos de venda de drogas. Moradores e ativistas sociais de diversos pontos da cidade vêm promovendo ações com o intuito humanista de escancarar essa realidade à busca de soluções. Mas falta um pedaço: ação contundente do braço social do Estado e a conscientização cidadã de toda sociedade, para entender que não se vive em paz apenas consigo mesmo.
Favelas seguem sitiadas. Policiais continuam sendo mortos e espancados por bandidos. Bandidos são abatidos e substituídos por outros facínoras. Tudo diante do povo embasbacado, inerte e atônito. E, francamente: a sociedade hipócrita vai continuar assistindo, aplaudindo e pedindo bis?
Data: 01/10/2009
Na Tijuca um homem abatido diante da multidão, em plena luz do dia, por um atirador da elite policial. Policial pacificador é covardemente espancado no interior de uma pacificada favela. Favelas sitiadas por facções marginais rivais. Denúncias dão conta de que uma dessas facções contou com o apoio da Polícia Militar, para a tomada de bocas de fumo. O povo no meio disso tudo. Atônito, inerte, embasbacado. Em comum: a banalização da violência, a criminalização da pobreza e a hipocrisia da sociedade.
Não se faz necessário “favelólogo” ser, tampouco um dedicado estudioso da segurança pública para avistar as ações desastradas que se sucedem. Ao que parece, a inteligência policial – necessária, eficaz e insubstituível – deu lugar ao “troglodismo” de estado. Principalmente quando o punho estatal, meramente repressor, se abate sobre as camadas mais desassistidas, sobre os mais pobres. Mesmo que essa gente rogue por ruas pavimentadas, esgoto canalizado e água tratada. Implore por iluminação, educação e saúde públicas. E batalhe por moradia digna, emprego e paz. A praxe é receber em troca insuficientes intervenções, geralmente eleitoreiras, seguidas da presença constante dos caveirões, com seus homens de preto infernizando sua vida.
Fosse um larápio traficante – aquele abatido na Tijuca – um desses pit bulls nascidos em berço esplêndido, acredito que a ação policial pudesse ser diferente. E mais: suponho que a reação da população, alimentada pelo instinto de vingança que lhe é incutido cotidianamente, não teria essa unanimidade induzida que aparenta ter. Nem causaria um certo silêncio obsequioso em algumas bocas outrora berrantes.
Aquele homem, sendo um vagabundo pé de chinelo, egresso do cárcere, um indigente social, reunia todas as condições para ser “legalmente” morto, de uma hora para outra. Ele carregava consigo um estigma, uma condenação perpétua. A sociedade repele quem dispõe dessas “credenciais”. O poder público toma para si o dever de extirpá-lo do convívio social. E esse criminoso, tomado por um sentimento imbecil de autopreservação, dá o troco. Vez por outra, vira estatística. E o pior: boa parte da população, ao invés de revirar seus valores à busca de reflexão, renega a vida e aplaude um pipoco bem dado, bem no meio da testa do outro. Será que o infeliz teve alguma chance de recuperação quando esteve preso sob responsabilidade do Estado? A perseguimos a tese do olho por olho, acabaremos todos cegos.
A Unidade de Polícia Pacificadora, na Cidade de Deus, não foi capaz de evitar que um de seus policiais fosse covardemente espancado por supostos traficantes. Utilizando-se do argumento fácil e equivocado de que seu subordinado fora agredido por freqüentadores de um baile Funk, o Secretário de Segurança ameaçou proibir, novamente, a realização dessa manifestação cultural. Das poucas acessíveis aos mais pobres e que congrega gente de todas as classes sociais. Ele se esqueceu de dizer que o baile acontecia numa comunidade dita pacificada. Também se esqueceu de lembrar que baile Funk não é coisa de bandido. É a forma com que milhares de jovens das “periferias” encontraram para expressar sua arte, sua cultura, seus sentimentos. São os bandidos – que a ineficaz polícia pacificadora não reprime a contento – que se locupletam malandramente deles, para auferir lucros ao seu negócio. O problema não é o Funk – claro que não! O imbróglio, nesse caso, reside no tráfico armado que se impõe ante à falta do uso da inteligência policial e à cavernosa corrupção sistêmica do aparato político governamental. Aliás, se os pacificadores sabiam previamente da existência de uma atividade, supostamente organizada pela bandidagem, tinham por obrigação impedir sua realização. O ilegal aí é a atividade laboral dos traficantes. Sejam eles os varejistas (moradores nas comunidades) ou os atacadistas (residentes nos complexos condominiais da alta sociedade). É muito mais fácil estigmatizar uma expressão cultural popular – o Funk –, jogando sobre ele toda responsabilidade pelo que acontece no interior dos bailes e no seu entorno. Difícil é ter competência, isenção e vontade política para combater o tráfico em seu nascedouro. Investigando, prendendo e condenando os “importadores” de drogas e armas, os aliciadores de autoridades, antes que eles abasteçam o varejão das favelas. Digam-me com quem andas e dir-te-ei quem és.
Há meses ocorre uma verdadeira guerra entre quadrilhas no conjunto de favelas da Maré. Iniciado o conflito, foram anunciadas dezenove mortes. Todavia, levantamento feito pelos próprios moradores dá conta de que já passa de cinqüenta o número de óbitos. Escolas e creches, quase que diariamente, cerram suas portas. Comerciantes que, em busca de sustento, teimam em abrir seus estabelecimentos, correm o risco iminente de serem mortos ou terem suas mercadorias saqueadas. Trabalhadores vivem um dilema: ficam trancados em casa, na tentativa de salvarem suas vidas e perdem seus empregos ou perdem sua vida, tentando salvar seu salário. Um verdadeiro inferno! Estupra-se, rouba-se. Famílias são humilhadas e expulsas de suas casas. E tem muita gente boa acreditando que morador de favela tem uma relação de conivência com o banditismo.
Há denúncias feitas e já publicadas de que agentes públicos (PMs), acumpliciados a uma das facções criminosas, colaboraram para que acontecesse a invasão e a tomada de alguns pontos de venda de drogas. Moradores e ativistas sociais de diversos pontos da cidade vêm promovendo ações com o intuito humanista de escancarar essa realidade à busca de soluções. Mas falta um pedaço: ação contundente do braço social do Estado e a conscientização cidadã de toda sociedade, para entender que não se vive em paz apenas consigo mesmo.
Favelas seguem sitiadas. Policiais continuam sendo mortos e espancados por bandidos. Bandidos são abatidos e substituídos por outros facínoras. Tudo diante do povo embasbacado, inerte e atônito. E, francamente: a sociedade hipócrita vai continuar assistindo, aplaudindo e pedindo bis?
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