segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Demarcação da TI Raposa-Serra do Sol em ilhas fere a Constituição, afirma jurista

Por Redação do ISA

Em parecer escrito a pedido do Conselho Indígena de Roraima, o consagrado jurista e constitucionalista José Afonso da Silva, professor titular aposentado da Universidade de São Paulo, escreve: “A União não pode diminuir nem dividir o território de ocupação tradicional em função de questões de cunho econômico ou político, porque isso importará desrespeito à Constituição (art. 231).” O professor analisou os principais pontos questionados na Ação Popular, que pede a anulação da demarcação terra indígena, em Roraima, perante o STF, cujo julgamento está marcado para o próximo dia 27 de agosto.

Em atenção à solicitação do Conselho Indígena de Roraima (CIR), o parecer dispõe longamente sobre o instituto do indigenato, direito originário dos indios às terras que tradicionalmente ocupam, inicialmente reconhecido no período colonial pelo Alvará Regio de 1680, e posteriormente recepcionado pela Constituição de 1934 e seguintes. Ou seja, o direito originário dos índios às terras que habitam é anterior à Constituição de 1934 que o reconheceu. O parecer é cristalino ao expor que os direitos originários dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam são reconhecidos diretamente pela Constituição, independentemente da demarcação de suas terras. O que significa dizer que presentes os elementos necessários para definir determinada porção de terra como indígena, o direito dos índios que a ocupam existe e se legitima independentemente do ato demarcatório.

O Parecer aborda alguns pontos específicos referentes à demarcação da Terra Indígena habitada por índios Macuxi, Wapixana, Ingarikó, Patamona e Taurepang, em Roraima. O eminente professor José Afonso ensina sobre o pedido do Estado de Roraima de excluir da terra indígena áreas ocupadas por não-índios, como os arrozeiros, para a construção de uma hidrelétrica e outras, que a demarcação “de uma terra indígena não é determinada segundo critérios de oportunidade e conveniência do Poder Público, porque o critério que define a localização e a extensão das terras é o da ocupação tradicional, ou seja, a demarcação tem que coincidir, precisamente, com as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, definidas cientificamente por via antropológica. A União não pode diminuir nem dividir o território de ocupação tradicional em função de questões de cunho econômico ou político, porque isso importará desrespeito à Constituição (art. 231).

José Afonso Silva entende que é inconstitucional a demarcação de terras indígenas que reconhece apenas parcialmente a ocupação tradicional dos índios. O retalhamento de terras indígenas compromete a sobrevivência física e cultural dos povos que nelas vivem, razão maior da destinação de posse permanente estabelecida na Constituição. E escreve: “Em suma, as terras reconhecidas como tradicionalmente ocupadas pelos índios têm que ser demarcadas na sua integridade e continuidade. A Constituição abeberou-se na experiência para assim estabelecer, pois, antes dela, houve demarcação de terras indígenas em ilhas que causou terríveis danos aos índios, destruindo-os praticamente, como se deu com os guaranis de Mato Grosso do Sul. A Constituição, por isso, fechou essa possibilidade, porque se compreendeu que admiti-la seria sujeitar as terras indígenas a novas invasões ilegítimas que depois seriam, assim mesmo, invocadas para formação de ilhas em seu favor.”

Em relação à existência de risco à soberania do país em caso de demarcação em faixa de fronteira o entendimento expresso no parecer “é de que a demarcação das terras indígenas não muda em nada a situação existente. Portanto, se não havia risco antes da demarcação, continua não havendo. Pois, não há incompatibilidade alguma entre a defesa do território e a ocupação tradicional indígena, nem existe qualquer restrição constitucional ou legal para a atuação das Forças Armadas em território indígena, demarcado ou não, em faixa de fronteira.”

O argumento do Estado de Roraima de que 46% do seu território é habitado por populações indígenas e isso inviabiliza o seu desenvolvimento, comprometendo a sua existência como ente federado é considerado inconsistente. Pois, conforme explica o professor José Affonso: “Primeiro, porque essa situação já existia antes da criação do Estado de Roraima, senão antes mesmo da formação da Federação brasileira; se os índios já ocupavam tradicionalmente aquelas terras, e a Constituição lhes garantia e garante a posse permanente, como terras de domínio da União, essa é uma circunstância de fato e de direito que não comporta solução diversa da que teve, qualquer que seja suas conseqüências em relação àquela unidade federada. Na verdade, não compromete a existência do Estado porque os demais 54%, cerca de 120 km², tem grande potencial econômico e comporta muito bem a sua população de 324,3 mil habitantes, que dá uma densidade demográfica baixíssima, em torno de 0,57 hab/km². A área restante ainda é maior do que diversos Estados brasileiros: Sergipe (21.910 km²), Alagoas (27.767 km²), Paraíba (56.439 km²),quase quatro vezes mais que a Bélgica, de sorte que ainda se tem um enorme potencial econômico que, bem administrado, pode realizar o progresso do Estado. Dizer que o Estado é inviável, por causa da demarcação da Terra Indígena Raposa do Sol, o mesmo é que dar argumento e fundamento para que o Estado volte à condição de Território. O signatário deste parecer pensa o contrário, ou seja, que o Estado não só é viável, como pode dar ainda grande contribuição ao progresso do Brasil.”

O Parecer será encaminhado a todos os ministros do STF e pode ser lido na íntegra em http://www.socioambiental.org/inst/esp/raposa/?q=documentos

(Envolverde/Instituto SocioAmbiental)

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