domingo, 31 de agosto de 2008

Rússia assombra países da ex-URSS

Ex-repúblicas soviéticas de minoria russa temem ser próximo alvo de Moscou

Andrei Netto, PARIS

A eclosão do conflito entre Rússia e Geórgia por causa dos movimentos separatistas das repúblicas da Ossétia do Sul e da Abkázia trouxe preocupação às autoridades diplomáticas da União Européia e, principalmente, às ex-repúblicas soviéticas na Europa e na Ásia Central que têm minoria russa.

Além de discutir medidas para obrigar o Kremlin a cumprir o acordo de paz assinado em 12 de agosto, a Cúpula Extraordinária de Bruxelas, que reunirá amanhã líderes dos 27 países da UE, discutirá as ameaças que pairam sobre pelo menos dois países: Ucrânia e Moldávia.

Estônia, Letônia, Lituânia e Polônia estão entre os países que solicitaram ao Conselho Europeu a adoção de sanções contra a Rússia. As quatro nações são as mais dependentes do fornecimento de gás e petróleo russos, e temem pressões econômicas do Kremlin. França e Alemanha, líderes da UE, contudo, já descartaram a adoção de sanções na reunião de amanhã.

A conferência tem três objetivos centrais: manifestar apoio à Geórgia, deixar claro ao Kremlin que a crise pode afetar as relações do bloco com a Rússia e, finalmente, discutir a situação da Ucrânia, novo foco das preocupações regionais.

Com 20% de população de origem russa, o país vive em permanente tensão política, mesmo após a vitória da Revolução Laranja, em 2004, que levou ao poder o presidente pró-Ocidente Viktor Yushchenko. O centro das divergências é a Criméia, que até 1954 pertencia à Rússia.

Entregue à Ucrânia pelo então primeiro-secretário do Partido Comunista Soviético, Nikita Kruschev, no 300º aniversário da reunificação russo-ucraniana, o território passou a ser ponto de discórdia após o fim da União Soviética e a independência da Ucrânia.

Na Criméia, sua população (60% de origem russa) estimula o desejo de reanexação de Moscou. A intenção de Yushchenko de ingressar na UE e na Otan, reforçando laços com o Ocidente, aprofundaram ainda mais as divergências.

Na Moldávia, a razão de tensões é a independência não-reconhecida da República de Transdniester - um enclave de 550 mil habitantes dos quais um terço é de origem russa. Como na Ossétia do Sul e na Abkázia, a autonomia de Transdniester é apoiada pela Rússia. Para sair do impasse, o Kremlin propõe a federalização da região, o que a manteria sob influência direta de Moscou.

Diante da recusa das propostas, o temor de moldávios e ucranianos é de que Moscou use as mesmas justificativas da intervenção militar na Geórgia - a proteção de minorias russas - para usar a força contra ambos.

Mesmo aliados históricos da Rússia, como Casaquistão, Tajiquistão e Usbequistão, além da China, parceira comercial, mostram-se reticentes e não expressaram apoio aberto às ações russas na Geórgia - o que apenas a Bielo-Rússia e a Síria fizeram.

“O que está claro é o isolamento da Rússia. Veremos quem vai reconhecer os dois novos Estados independentes”, provocou o embaixador da Geórgia em Paris, Mamuka Kudava, em entrevista ao Estado.

Se carecem de apoio político internacional, as ações do governo do presidente russo, Dmitri Medvedev, têm suporte em minorias espalhadas pela região. Além da Ucrânia e da Moldávia, outros nove Estados do Cáucaso e do Báltico têm minorias russas. Foi o ditador soviético Josef Stalin quem primeiro encontrou nessas minorias um mecanismo para superar a dificuldade de Moscou dominar um império tão vasto. Stalin espalhou as população russas pelas repúblicas soviéticas, como peças em um tabuleiro de xadrez, para poder ter uma ferramenta para intervir quando necessário.

“Essas minorias representam um apoio silencioso, não-governamental, às ações do Kremlin”, afirmou a historiadora franco-armênia Claire Mouradien, pesquisadora da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris. “Agora que a Rússia está forte de novo, conta com populações de origem russa para apoiá-la em toda a região.”

Diante da demonstração de força na Geórgia e da incapacidade do Ocidente de reagir, as ex-repúblicas soviéticas estão inquietas. Na quinta-feira, o premiê da Estônia - país com 25% de habitantes de origem russa -, Andrus Ansip, pediu mudanças na diplomacia da UE. “A arquitetura européia pós-URSS foi modificada”, disse Ansip. “O problema é que vivemos em uma Europa pós-moderna, boa e gentil, mas nos encontramos de novo com o velho grande império do século 19.”
Estadão

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