Meu amigo Zé Paulo completa 45 anos neste 31 de dezembro. Quarenta e cinco. Hora em que qualquer um inevitavelmente olha para frente, e vê que o tempo vai encurtando. E hora em que também se olha para trás, afinal já há uma boa estrada percorrida e já há um monte de coisas do que se recordar.
Zé Paulo sempre foi de esquerda, sempre foi um idealista. Sonhou a vida toda com um Brasil mais democrático e sobretudo mais justo. Era adolescente no anos de chumbo, mas foi ali, nos anos setenta, que formou sua consciência política. Desde sempre a favor dos menos favorecidos.
Na juventude tinha certa admiração pelo comunismo soviético, apesar de achar os líderes da URSS um tanto sombrios. Ambicionava conhecer Moscou e os países da Cortina de Ferro. Encantava-se com o socialismo exótico plantado em plena Cuba e tinha uma ponta de desconfiança de que a China legada ao mundo por Mao ainda seriauma potência um dia.
Flertou com o PCB mas encantou-se, de paixão, com aquela mescla estranha e com um frescor tão diferente representada pelo encontro de lideranças de movimentos sociais, católicos progressistas, sindicalistas independentes e intelectuais de esquerda surgida no comecinho da década de oitenta.
Sim, Zé Paulo abraçou imediatamente o PT como seu partido político de coração. Era daqueles que vendiam estrelinhas e camisetas em época de eleição para ajudar na arrecadação de fundos para campanha. Montava barraquinha nos comícios do PT, puxava as palmas e o coro nas músicas de artistas populares que tocavam antes dos discursos dos líderes do partido. Comprava briga com quem quer que fosse que criticasse o nível de escolaridade de Lula ou as veleidades socialistas do petismo. Não se importava em ser considerado o chato de plantão nos almoços de domingo com a família, quando tentava convencer parentes e amigos de que a vida só melhora pelo caminho da política e tentava conquistar seus corações e suas mentes para a novidade representada pelo partido da estrelinha.
Hoje encontro o velho Zé Paulo com os cabelos e a barba já parcialmente grisalhos. Ele já tem filhos adolescentes, sendo que a filha mais velha nasceu naquele épico e ao mesmo tempo trágico ano de 1989, quando Lula flertou com a presidência da República mas acabou derrotado na undécima hora por Fernando Collor de Mello.
Zé mostra certo desapontamento com o desinteresse dos filhos por política. Diz que de assuntos públicos elesse interessam, no máximo, pela discussão sobre meios de preservação do meio-ambiente. E nada mais. Não empunham bandeiras a favor ou contra nada ou ninguém e estão plenamente inseridos na sociedade de consumo.
Zé no fundo não compreende a atitude, mas resigna-se. Assim como resignou-se quando soube que as campanhas eleitorais do partido, para se tornarem vitoriosas, deixaram de ser fazer com camisetas e estrelinhas.
Mas Zé tenta mostrar-se otimista, especialmente nestas épocas de final de ano. Fala com orgulho do Bolsa-Familia, lembra que milhões de brasileiros estão saindo da miséria. Chama a atenção para a explosão de consumo que está ocorrendo na classe média baixa e cita Lula como o presidente mais popular do Brasil desde Getúlio Vargas.
Mas fica desconcertado quando se lembra dos lucros recordes dos bancos ou até mesmo do boom da Bolsa de Valores, termômetro de uma economia ancorada na força de empresas privadas e símbolo do modelo capitalista.
Quandoolha para si Zé se lembra da forma como olha os próprios filhos. Mal compreende a si mesmo, mas resigna-se a aprovar um governo tão diferente daquele do sonho socialista que ele acalentou um dia.
Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.
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