domingo, 25 de junho de 2006

Para pensarmos!

Futebol, educação e política

Gabriel Perissé
Ensinou-me um amigo que, segundo a sabedoria judaica, só conhecemos realmente uma pessoa em três circunstâncias: quando se trata de dinheiro, quando sentimos raiva e quando bebemos um pouco mais, correspondendo ao jogo de palavras em hebraico “kis, kas, kos”.Na hora em que o bolso (kis, algibeira) de alguém é atingido, sabemos com quem estamos lidando. O dinheiro é o “abridor de latas” do coração humano. Quem se mantém senhor de si quando negocia errado? Quem continua defendendo a solidariedade quando alguém de carne e osso lhe pede dinheiro real? Quem não perde a cabeça quando recebe a proposta de ganhar muito, muito dinheiro?Na hora da raiva (kas, no sentido mesmo de profunda animosidade entre pessoas e países), podemos descobrir o verdadeiro “eu” por trás daquela máscara de tranqüilidade. O insulto gratuito, quando alguém nos humilha...
Nesses momentos, abrem-se as portas da alma e de lá sai o monstro tão bem guardado. A raiva nada tem a ver com a justa indignação. A indignação não nos faz perder dignidade. A raiva é irracional e sempre exagerada.Na hora do copo (kos), da bebida, quando passamos um pouco do limite, as inibições desaparecem, as defesas caem, choramos as lágrimas reprimidas, vêm à tona os pensamentos inconfessáveis, desabafamos.
Indo um pouco mais além, também podemos conhecer as pessoas, não só na hora do copo, mas na hora da Copa. Futebol, no Brasil, é ocasião para externarmos a garra, a convicção e o envolvimento que, quando o assunto é política, dão lugar muitas vezes ao comodismo, à desinformação, à indiferença.
Um aluno comentou-me recentemente que, neste final de semestre, já estava “sem cabeça” para estudar. Minutos depois eu o vi de novo, na lanchonete da faculdade, discutindo sobre a seleção, a vida dos jogadores, as partidas de outras Copas, os principais jogadores dos outros times, o clima da Alemanha, o horário exato dos jogos, em suma... se houvesse provas sobre o esporte bretão ninguém tiraria zero.Terminada a Copa do Mundo, campeões ou não, virá o momento das eleições.
Em campo, nossos políticos, vários driblando o povo há décadas. E, no jogo da construção de ilusões, prometerão qualificar e remunerar melhor os professores, salvar a universidade pública, completar a informatização das escolas, melhorar a gestão escolar, enfim, fazer todos os gols possíveis e imaginários.Perderemos de goleada?
Gabriel Perissé é doutor em educação pela USP e escritor.Web Site:
www.perisse.com.br

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