Carrinho de pipoca
Léo LinceHouve um tempo não faz muito, embora pareça tão distante - quando o Partido dos Trabalhadores jogava um papel totalmente distinto do que joga hoje. Era um partido de perfil forte. Afirmava idéias e se firmava com base nos valores imateriais da nitidez de programa e no compromisso ativo com sua base social. Emulava os demais partidos e chacoalhava o sistema partidário no sentido da renovação da nossa cultura política. Fazia gosto ver.
Naquele tempo, entre as músicas que animavam os militantes petistas nos embates eleitorais, havia um jingle que dizia mais ou menos o seguinte: “não é que a gente seja diferente/os outros é que são tão iguais...”. Envolta em melodia suave, a afirmação forte estava respaldada na realidade. Era uma maneira delicada de dizer que partidos de verdade, capazes de expressar na política o dinamismo do movimento social, são indispensáveis para a consolidação da democracia.
Sem partido sério, o voto popular se esteriliza como instrumento de mudança. Bons tempos aqueles. Durou pouco, mas foi uma experiência positiva. Um episódio daquele período voltou à baila nos jornais da semana passada na forma de suíte de contraponto ao namoro paulista Lula/Quércia. Falo da referência ao debate, que se tornou célebre, onde o velho Orestes procurou desqualificar o postulante Lula. Ao alegar que ele não tinha experiência, pois nunca administrara sequer um carrinho de pipoca, tomou pela proa a resposta fulminante: “também nunca roubei pipoca”. Uma frase apenas, mas suficiente para demarcar, no contexto da época, dois mundos que não se misturavam.Hoje o quadro é outro. O PT não é mais o PT. Deixou de ser novidade renovadora da cultura política e se dissolveu na geléia geral. Quem viveu aquele período custa a acreditar, mas a constatação é inevitável. O partido se desfez da sua identidade tão duramente construída com uma rapidez vertiginosa.
Era um partido da sociedade, agora está acoitado na máquina do Estado. Buscava mobilizar os movimentos sociais, agora os desmobiliza no conformismo com o modelo dominante. Enterrou as bandeiras da ética e agora chafurda na pequena política. Não é mais nem sombra do que foi. Se alguém cantar aquele jingle numa roda de filiados certamente será tomado como um provocador.
O retrato em branco e preto estampado nos jornais é um documento contundente do que está em curso em São Paulo, berço e túmulo do PT como novidade política. O velho Orestes estava à vontade no palácio do Lula. Não são mais expressões de mundos que não se misturam. Pelo contrário. Falam a mesma língua, expressam o mesmo tipo de política. As farpas daquele antigo debate estão enterradas no passado. Reconciliados no cultivo dos mesmos valores, onde a política se materializa no puro interesse, estão perfeitamente afinados. Um dos dois mudou muito. Agora trabalham juntos no mesmo carrinho de pipoca.
Léo Lince é sociólogo.
Léo Lince é sociólogo.
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